É na escuridão que melhor se veem as estrelas que podem iluminar-nos o caminho. E é também nos momentos mais difíceis e inesperados que damos conta das nossas vulnerabilidades, dos erros que andamos a cometer, das certezas pouco sustentadas que adotámos como dogma e, no fundo, da nossa ínfima pequenez no mundo. Como também é nesses momentos que melhor percebemos a importância da vida em comunidade, do espírito de entreajuda, do insubstituível valor da confiança nos serviços, públicos ou privados, de que dependemos para viver em sociedade.
Apesar de alguma aflição momentânea, o apagão da rede ibérica de eletricidade, na segunda-feira, 28 de abril, teve uma virtude: obrigou-nos a refletir, nem que fosse fugazmente, sobre a nossa vulnerabilidade e a nossa dependência absoluta da eletricidade. E, ao contrário do que aconteceu nos momentos de isolamento durante a pandemia, desta vez a reflexão teve de ser imperiosamente individual – uma raridade nos tempos em que vivemos. Sem rede de telemóvel nem ligação à internet, o apagão obrigou a que essa reflexão fosse feita apenas com base naquilo que observávamos e vivíamos, sem sermos contaminados pelas “opiniões” habitualmente debitadas nas redes sociais à velocidade da luz – que, neste caso, estava apagada.
Era bom que não nos esquecêssemos desse momento e das lições que dele podemos retirar. Devemos lembrar-nos de que, por necessidade e absoluta ausência de alternativa, voltámos a valorizar, naquelas horas de maior preocupação, a importância de ter acesso a informação objetiva, factual e direta. Porque é a única que interessa e tem utilidade nas situações de crise, pois não há teoria de conspiração, por mais criativa ou “iluminada” que se apresente, que seja capaz de nos carregar a bateria do telemóvel, fazer funcionar a máquina de multibanco ou pôr as carruagens do metro a circular. Já a informação rigorosa, sem procurar o alarmismo, permite-nos ter noção da realidade e, com isso, tomar as melhores decisões.
Devemos lembrar-nos também de como um meio de comunicação social tão antigo como a rádio – tantas vezes adjetivado de obsoleto – continua a ter o poder e a capacidade de se tornar indispensável, em especial nas situações de emergência, como difusor da informação útil e necessária, sem a preocupação de agradar aos algoritmos que manipulam a nossa atenção. E como a realidade tem sempre uma força avassaladora, este apagão também nos ajudou a dar maior importância aos conselhos básicos de segurança, mesmo aqueles que podíamos classificar como anedota: afinal, agora já todos devem ter percebido a importância de ter um rádio a pilhas e a razão por que esse é um dos objetos do kit de emergência que, há poucas semanas, a Comissão Europeia aconselhou os cidadãos a terem, para estarem prevenidos e informados em cenários de guerra ou de outras catástrofes.
Este apagão demonstrou também, em plena campanha eleitoral, como é importante ter um Estado sólido e eficiente, dotado dos melhores profissionais para zelarem pelos equipamentos que servem o bem comum. Como as 11 horas sem eletricidade, as últimas já de noite, acabaram por ser mais uma manifestação eloquente de que Portugal é um país seguro, sem os níveis de criminalidade e de violência vociferados por alguns populistas, sempre a utilizar o medo como forma de criar o caos. Afinal, no meio do que poderia ser uma situação caótica, com muitos estabelecimentos comerciais fechados e muitas ruas vazias e sem luz, não se registou nada de anormal. Antes pelo contrário, foram muitas as demonstrações de solidariedade e de espírito de comunidade de que se teve conhecimento um pouco por todo o País.
Ao ocorrer em clima de campanha eleitoral, este apagão ajudou ainda, de uma forma ou de outra, a vincar diferenças na postura e no comportamento dos dois principais líderes políticos. Naturalmente, tanto Luís Montenegro como Pedro Nuno Santos tentaram aproveitar o momento para mostrar as suas habilidades políticas, ao verem-se confrontados com uma crise inesperada e grave. A avaliação do comportamento dos dois será feita pelos eleitores, a 18 de maio. Mas há uma pergunta que este “dia de reflexão”, suscitado pelo apagão, impôs claramente na agenda política: quem, numa situação de emergência, quer ter à frente do Governo? Ou seja: em quem confia quando as coisas correm mal? É essa a reflexão que este apagão devia iluminar.
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