Confessamos: quando entrámos pelo Ajitama adentro, restaurante de ramen tradicional que conhecemos desde a barriga dos pais, movidos pelo anúncio de grandes novidades na carta, estávamos um bocado desacreditados nesse isco.

Na nossa cabeça, ecoava a questão: que mais poderiam António Carvalhão e João Azevedo Ferreira inventar dentro de uma temática que não deixa grande margem para invenções, como é o caso do ramen? O restaurante está aberto há seis anos e já foram várias as surpresas que os seus donos nos foram pregando, sempre no melhor sentido desta palavra.

Como dissemos em cima, acompanhamos este projeto desde quando ele ainda nem era um restaurante mas sim um supperclub, organizado todos os sábados em casa de António, enquanto os seus filhos pequenos dormiam. Como conferimos a dedicação e qualidade que impunham ao ramen que confecionavam artesanalmente e com todos os preceitos, à moda do Japão, continuámos a seguir-lhes os passos, cada vez maiores.

Nenhum destes conhecimentos prévios conseguiu segurar-nos o queixo ao provarmos o Mazemen, uma versão sem caldo do ramen tradicional, em que os noodles são envolvidos num molho cremoso e intenso. Os seus criadores já o tinham definido como “absolutamente irresistível”, mas achámos que poderia ser exagero. Não é.

Aqui está o Tokyo Mazemen, o prato que promete despertar o umami que há em nós. Foto: Arnaldo-Cellani

Este prato de massa tem todos os ingredientes que nos fazem adorar ramen (noodles, ovo Ajitama, chashu de barriga de porco flamejado, cebola frita, negi, rúcula, beni shoga, frutos secos e óleo de alho negro), e a ausência de caldo é compensada pelo tal molho feito para despertar em nós o sabor umami. Na carta dos dois Ajitama apresenta-se nas versões Tokyo Mazemen e Vegan Mazemen (com ou sem picante).

O Ocean Gyokai Tsukemen vem para a mesa à temperatura ambiente, para ser mergulhado num caldo quente. Foto: Arnaldo-Cellani

Mas ainda há mais. Os Tsukemen, a que também se podem chamar de dipping ramen, são uma experiência gastronómica diferente: “Os noodles são servidos frios ou à temperatura ambiente, para serem depois mergulhados num caldo separado, quente, denso e intensamente aromático”, explica um dos sócios, João Azevedo Ferreira.

O Ocean Gyokai Tsukemen é acompanhado de chashu de barriga de porco, chashu de frango sous vide, ovo Ajitama, negi e nori. O Vegan Tsukemen também traz um caldo vegetal encorpado, servido com tempura crocante de vegetais, frutos secos, negi, beni shoga, menma e mayu.

Os vegans podem agora deliciar-se com o HerbQuake, um caldo sem ingredientes de origem animal. Foto: Arnaldo-Cellani

No que toca a novidades para pessoas que não comem carne nem peixe, o expoente máximo é o HerbQuake. Este prato, próprio para vegans, tem como base um saboroso caldo vegetal e é complementado por noodles fininhos, tempura de vegetais, tomate assado, negi, rúcula e beni shoga.

Isto é só o que existe de novo. Tudo o resto, a que nos habituaram – e com a qualidade a que nos habituaram -, está lá, para os mais conservadores que não gostam de grandes aventuras gastronómicas. No bar também há cocktails novos, com e sem álcool, para que ninguém se sinta excluído desta nova carta.

Ajitama Saldanha > Av. Duque de Loulé, 36, Lisboa > T. 96 776 1997> seg-dom 12h-24h > Ajitama Chiado > R. do Alecrim, 47 A, Lisboa > T. 96 526 8635> seg-dom 12h30-24h

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Durante vários séculos, a Igreja Católica exerceu poder à lei da força. Sobretudo a partir da coroação de Carlos Magno como imperador dos romanos, no dia de Natal do ano 800, pelo Papa Leão III (líder da Santa Sé entre 795 e 816), a espada e a fé andaram muitas vezes de mãos dadas.

É esta aliança a raiz de uma segunda versão do Império Romano, que ficou na História como Sacro Império Romano-Germânico e que governou boa parte da Europa até ao dealbar do século XIX, ocupando os territórios hoje pertencentes a Alemanha, Áustria, Suíça, República Checa, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Liechtenstein e ainda regiões de Itália, França, Polónia e Dinamarca.

Momentos históricos João Paulo II cumprimenta Ronald Reagan, Presidente dos Estados Unidos da América entre 1981 e 1989 (em cima); e Francisco com Fidel Castro (em baixo)

Neste período, merece destaque a ação política do Papa Urbano II (1088-1099), que em 1095, com o objetivo de reconquistar Jerusalém aos muçulmanos, lançou a primeira cruzada cristã ao Médio Oriente, depois convertida em 200 anos de guerra entre as duas crenças religiosas. Assim como é de assinalar o pontificado de Paulo III (1534-1549), o Papa que deu luz verde e financiou a guerra contra protestantes alemães, na sequência da Reforma Protestante, além de ter autorizado a inquisição em Portugal, em 1536.

No século XX, porém, a influência política da Igreja Católica manifestou-se em ações mais benevolentes e na força das palavras, ainda que nem sempre atendidas – como os apelos à paz de Bento XV (1916-1922), durante a I Guerra Mundial, ou as condenações de Pio XI (1922-1939) aos regimes totalitários que floriram no seu papado, comunistas e fascistas. A coerção deu lugar à persuasão, na estratégia do Vaticano, que ganhou estatuto de Estado soberano em 1929.

Desde então, três Papas assumiram especial protagonismo, para lá dos assuntos da fé. Em matéria de diplomacia, Pio XII (1939-1958), João Paulo II (1978-2005) e Francisco (2013-2025) desempenharam papéis importantes na forma como lidaram com o mundo à sua volta.

Soft power impõe-se no século XX

Pio XII é, talvez, o mais controverso. Afinal, o jornalista britânico John Cornwell chamou-lhe o “Papa de Hitler”, no título do seu livro de 1999, por supostamente ter silenciado as atrocidades do regime nazi. Há, no entanto, vastas provas em contrário.

Apesar de nunca ter entrado num confronto aberto com a Alemanha nazi, por temer retaliações ainda mais brutais contra os católicos, abriu as igrejas aos judeus para se refugiarem e concedeu a cerca de um milhão deles a cidadania do Vaticano, transmitiu informações secretas às forças dos aliados, tentou impedir Mussolini de se juntar a Hitler. Distribuiu panfletos e proferiu mensagens radiofónicas que não deixavam dúvidas sobre de que lado se posicionava, tanto que o líder nazi chegou a mandar sequestrá-lo.

No fim, com medo da expansão do regime comunista soviético para o Ocidente, Pio XII opôs-se à rendição incondicional da Alemanha e pediu clemência para criminosos de guerra. Após a sua morte, os judeus agradeceram-lhe os seus atos de boa-vontade.

Já em tempo de Guerra Fria, coube a João Paulo II exercer a magistratura de influência papal. O Papa polaco empenhou-se a fundo no propósito de derrubar, pacificamente, o comunismo no seu país natal, impulsionando o movimento Solidariedade de Lech Walesa. Em breve, a Europa de Leste seria contagiada, incluindo a todo-poderosa União Soviética, em 1991.

“Tudo o que aconteceu na Europa Oriental nos últimos anos teria sido impossível sem os esforços do Papa e o enorme papel, inclusive político, que ele desempenhou no palco mundial”, haveria de admitir Mikhail Gorbachev, o último líder da era soviética, que em 1989 tinha sido o primeiro a visitar o Vaticano. Era já um prenúncio do fim da Cortina da Ferro, como chamou Winston Churchill à divisão ideológica da Europa do pós-II Guerra Mundial, escassas semanas após a queda do muro de Berlim, outro sinal emblemático do que aí vinha.

O Papa mais viajado – 104 viagens ao estrangeiro e 146 em Itália – foi criticado por visitar Augusto Pinochet no Chile e Fidel Castro em Cuba sem condenar os respetivos regimes, mas não deixou de apontar o dedo aos EUA em ambas as guerras do Iraque, neste caso sem resultados práticos, tal como aconteceu aos reparos sobre o embargo norte-americano a Cuba.

Em saco roto caíram, igualmente, os apelos mais recentes do Papa Francisco ao fim da guerra na Ucrânia, em Gaza ou no Sudão. Já a mediação para o restabelecimento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba foi coroada de sucesso, em 2014, com os dois países a agradecerem ao argentino pelo seu empenho pessoal no processo – a diplomacia entre os dois vizinhos marítimos estava interrompida desde 1961, quando foi imposto o embargo económico.

A veia política de Francisco levou-o ainda por caminhos mais inesperados, como a condenação dos abusos sexuais de menores por membros da Igreja Católica ou o combate às alterações climáticas, assim como nunca deixou de alertar para assuntos sempre presentes na História da humanidade, como a luta de migrantes e refugiados por vidas melhores.

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Se crentes formos, facilmente teremos de afirmar que o Espírito Santo tem um grande conhecimento do mundo dos humanos. Na recentíssima eleição do Papa Leão XIV, a equação que resultaria na escolha da pessoa certa era de uma complexidade imensa no campo dos problemas que vão pelo mundo.

Uns, mais internos à Igreja Católica; outros, do campo da diplomacia e das relações internacionais; em todos, grandes opções em cima da mesa. Em todos eles, a herança do Papa Francisco: continuidade plena, continuidade controlada, ou reescrita de algumas das opções ‒ e sem falar no estilo e na forma que Jorge Bergoglio deu ao seu pontificado.

Francisco tornou-se uma “caixa de ressonância” do mundo ocidental e dos seus valores humanistas. Numa época de extremos, de radicalismos políticos, com o crescimento da extrema-direita um pouco por todo o lado, Francisco foi a voz que sempre se fez ouvir em torno de causas centrais na própria definição do que hoje é humanismo.

Foi perante esta extrema eficácia do Papa Francisco que Donald Trump percebeu os danos que o Sumo Pontífice lhe fazia em termos reputacionais, especialmente junto do eleitorado católico. As pressões para eleger um Papa menos próximo e menos ativo às causas de Francisco era, para o Presidente norte-americano, uma prioridade. A herança de Francisco passará sempre pela forma como o novo Papa irá gerir esta natureza de “pontífice de causas”, sendo que a natureza radical de muitas das causas torna muito difícil o diálogo e a concretização de pontes.

Mas se para Donald Trump o que importava eram as causas que na sua leitura moral não deveriam ter visibilidade, para a Igreja Católica o grande desafio do dia de hoje encontra-se na unidade da igreja, especialmente na relação com as comunidades católicas dos Estados Unidos da América. O novo Papa não é um homem de Donald Trump, apesar de ser norte-americano. Leão XIV é, mesmo, uma “bofetada de luva branca” que o colégio de cardeais deu à soberba do Presidente norte-americano.

O pontificado de Francisco levou a um afastamento muito grande da igreja norte-americana face ao Vaticano. Às questões dos abusos sexuais somaram-se as referidas causas, muito mal aceites num clero altamente conservador. Urge, até por questões financeiras, trazer essas comunidades para uma comunhão mais efetiva com Roma.

O novo Papa tem como grande função efetivar a natureza de “pontifex” expressa no seu título eclesiástico. Pontes para fora, mas também pontes para dentro. Foi este o primeiro ponto enunciado por Leão XIV no seu primeiro discurso: a unidade da sua igreja, respeitando a imensa diversidade que a constitui.

Este é o desafio maior do novo Papa. Tudo o resto é importante, especialmente todas as questões ligadas à Paz, à ecologia, à justiça, às migrações; tudo com a fraternidade em pano de fundo. Mas a questão central é a indivisibilidade da igreja: juntar debaixo de um mesmo agremiador vertentes opostas em muitos aspetos. Este será o centro do caderno de encargos que o novo Papa recebeu das mãos dos cardeais reunidos na Capela Sistina.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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Há 12 anos, no conclave convocado após a resignação de Bento XVI, tudo indica que Jorge Mario Bergoglio se evidenciou pelas palavras críticas que proferiu acerca do funcionamento da Igreja. Agora, na eleição de Leão XIV, terá sido substancialmente diferente. Robert Francis Prevost deu nas vistas sobretudo por ser discreto e reservado.

A reunião na Capela Sistina continua a ser ultrassigilosa, mas várias fontes do Vaticano têm dado conta de que, por volta da hora de almoço do passado dia 8 de maio, a eleição do novo líder da Igreja Católica já estaria encaminhada. Divididos em torno da figura de Pietro Parolin, o italiano que assumiu funções de secretário de Estado durante o pontificado de Francisco e que até então estava na linha da frente dos papabili, os cardeais viram no perfil de Robert Francis Prevost uma possível solução. Não se tratava apenas de uma pessoa avessa a conspirações e manobras de bastidores. Numa altura sensível da geopolítica mundial, era também uma espécie de “o melhor de dois mundos”. Por um lado, provinha de uma grande potência, mas simultaneamente também tinha origens numa “periferia”, uma periferia, por sinal, ainda mais “fim do mundo” do que “o fim do mundo” de Francisco. Por outro lado, tinha mais de duas décadas de experiência como missionário, na América do Sul, junto de populações pobres e remotas, mas, ao mesmo tempo, conhecia alguma coisa dos meandros da Cúria Romana.

Origens Prevost é o mais novode três irmãos nascidos numa família de migrantes. Cresceu num subúrbio de Chicago e começou por estudar no Seminário Menor dos Padres Agostinianos, em Holland, Michigan. Foi ordenado padre em Roma, durante o pontificado de João Paulo II

Como responsável pelo Dicastério para os Bispos durante o último pontificado, Robert Francis Prevost também seria razoavelmente conhecido de uma boa parte dos membros do Colégio Cardinalício. Ainda assim, era uma completa estreia, dado que foi a primeira vez que Prevost participou num conclave. Sabe-se que tinha perguntas a fazer sobre a eleição e que, curiosamente, tirou essas dúvidas com um dos favoritos: Luis Antonio Gokim Tagle, o filipino a quem chamam “o Francisco da Ásia”, que Bento XVI elevou a cardeal e, depois, Francisco nomeou para prefeito do Dicastério para a Evangelização. Entretanto, Tagle já contou como foi essa conversa. “Como é que isto funciona?”, perguntou o norte-americano. “Eu tinha a experiência de ter participado num conclave e ele não”, comentou o filipino.

Antes da votação decisiva, também António Marto, bispo emérito de Leiria-Fátima e um dos quatro portugueses com direito de voto no conclave da semana passada, se cruzou com o ainda cardeal Prevost. Nesse momento-chave, abraçou-o e, como contou na conferência de imprensa que deu a seguir à eleição, disse-lhe: “O Espírito Santo nos iluminará.” Insuspeito, o americano-peruano apenas sorriu. O Espírito Santo lá terá, de facto, feito o seu trabalho. Na altura da aceitação, Prevost estava “sereno” e “comovido”, revelou ainda Marto. “A Igreja hoje não é eurocêntrica, nem o mundo hoje é eurocêntrico”, sustenta o cardeal português.

Norte-americano, mas pouco

Ao nomear cardeais de países como Myanmar, Haiti, Ruanda e Suécia, era sabido que Francisco tinha alterado, de forma substancial, a natureza do Colégio Cardinalício. O mundo é global e, como tal, a política de “internacionalização” havia sido elogiada por (quase) todos. Porém, os resultados imediatos dessa estratégia tornavam a eleição do sucessor do Papa argentino perigosamente imprevisível e, sobretudo, demasiado vulnerável a pressões. Além das habituais tensões entre as vozes mais reformistas e as vozes mais imobilistas, havia ainda que considerar o atual momento político: as relações entre a Santa Sé e os EUA não só não eram as melhores como, nos últimos meses, se agravaram substancialmente, por causa das políticas migratórias da Administração de Donald Trump e de JD Vance.

Neste contexto, Robert Francis Prevost parece, portanto, ter o perfil ideal para o lugar. É americano, mas, na verdade, é pouco americano: o 267º líder da Igreja Católica passou uma boa parte da vida fora dos EUA e também tem nacionalidade peruana (o correspondente no Vaticano do jornal La Repubblica, Iacopo Scaramuzzi, chamou-lhe “o menos americano dos americanos”). Já terá votado no Partido Republicano e, embora seja ambíguo nas questões relacionadas com os homossexuais e os transgénero, é claramente contra as deportações. Em várias declarações, já demonstrou estar alinhado com Francisco na defesa dos migrantes. O bispo português António Marto também diz não ter dúvidas de que Leão XIV assegurará a continuidade de Francisco no “respeito pelos imigrantes” e por “aqueles que procuram uma vida melhor e mais digna”.

“Padrecito Roberto” Robert Francis Prevost passou mais de duas décadas em missões no Peru. Tem inclusivamente nacionalidade peruana

O seu passado também fala por si: quando estava no Peru, em Chiclayo, durante os anos do chavismo na Venezuela, Prevost acolheu os exilados venezuelanos que então chegavam em massa à cidade andina. Inclusivamente, eram utilizadores da rede de refeitórios sociais criada pelo “padrecito Roberto”.

Nos anos 90, durante os governos autoritários de Alberto Fujimori, Prevost também esteve do lado certo da História, na defesa dos direitos humanos. Em 2017, dois dias depois de o governo peruano perdoar o antigo Presidente, o então bispo de Chiclayo exigiu que aquele pedisse desculpas a cada uma das vítimas. “Talvez fosse mais eficaz pedir desculpas pessoalmente por algumas das grandes injustiças cometidas e pelas quais foi julgado e condenado”, afirmou Prevost.

Filho de migrantes, raízes crioulas

A vida de um homem, ainda que religioso, é uma coisa. Outra coisa é a vida de um Papa, sucessor de Pedro, chefe de Estado, líder espiritual de milhões de pessoas e, não raras vezes, interveniente direto na política internacional. Desde a eleição da semana passada que se foi conhecendo um pouco mais da vida de Robert Francis Prevost. A curiosidade é natural, mas acima de tudo é natural que se tente encontrar no percurso do homem alguns indícios do que poderá vir a ser o seu pontificado. A lógica parte do pressuposto de que uma coisa decorre da outra, mas tem os seus limites: sendo certo que os homens são produto das circunstâncias (Papa incluído), também é verdade que, em boa medida, são os cargos que fazem os homens.

Um exemplo recente disto de que falamos: enquanto arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio não era tido como uma pessoa particularmente sorridente. Porém, como líder da instituição mais antiga do mundo, adotou um estilo próximo e carismático capaz de atrair crentes e não crentes (e, às vezes, mais estes do que aqueles…), ao ponto de ter ficado conhecido como “o Papa que ri”. Quer isto dizer que podemos especular, atender aos atos e às primeiras palavras, claro, mas, em rigor, só o futuro dirá quem será Leão XIV.

Com Francisco O Papa argentino nomeou-o bispo de Chiclayo em 2023. Antes disso, Prevost esteve mais de uma década à frente da congregaçãodos agostinianos

Robert Francis Prevost nasceu há 69 anos, em Chicago, no estado do Illinois, EUA, numa família de migrantes. O pai tinha ascendência francesa e italiana, a mãe tinha ascendência espanhola. Entretanto, a imprensa norte-americana já descortinou as raízes crioulas do novo Papa. “A descoberta significa que Leão XIV não está apenas a inovar como o primeiro pontífice nascido nos EUA. Vem também de uma família que reflete os muitos aspetos que compõem o complexo e rico tecido da História americana”, escrevia, na semana passada, o New York Times.

Os pais de Robert Prevost – que, nos EUA, é conhecido como “father Bob” – eram ambos católicos e muito ligados às atividades da paróquia. Desde cedo que Bob, o mais novo de três rapazes, revelou a sua vocação. Em casa, costumava até usar a tábua de passar a ferro para brincar às missas com os irmãos. Passou a infância em Dolton, um subúrbio de Chicago. Começou por estudar no Seminário Menor dos Padres Agostinianos, em Holland, no estado do Michigan. Formou-se depois em Matemática na Villanova University, na Pensilvânia, onde também estudou Filosofia. Tirou Teologia na Catholic Theological Union, em Chicago e, aos 27 anos, foi enviado para a capital italiana, para fazer o doutoramento em Direito Canónico, na Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino.

Um missionário faz-se além-fronteiras

Prevost juntou-se à Ordem de Santo Agostinho em 1977 e, em 1982, foi ordenado padre na Igreja de Santa Mónica dos Agostinianos, em Roma. A primeira missão surgiu três anos depois, na cidade peruana de Chulucanas. Os anos seguintes também foram passados noutra missão no Peru, em Trujillo.

Após um período em que voltou a exercer funções de provincial nos EUA, foi superior geral da congregação dos agostinianos. Correu o mundo nessas funções, durante dois mandatos (2001-2013). Foi sobretudo nesses tempos que ganhou fama de ser um homem além-fronteiras, poliglota, “cosmopolita”, nas palavras do correspondente no Vaticano do La Repubblica. Depois, em 2015, Francisco nomeou-o bispo de Chiclayo, uma cidade pobre, cheia de problemas sociais, longe de tudo. Nesses anos, Prevost também desempenhou funções na Conferência Episcopal peruana. Na memória do povo simples e humilde ficou, por exemplo, a forma como o bispo ajudou os desalojados das chuvas torrenciais do El Niño e como, na pandemia de Covid-19, conseguiu instalar duas centrais de oxigénio que salvaram muitas vidas.

Francisco nomeou-o cardeal em 2023 e atribuiu-lhe logo o cargo de prefeito do Dicastério para os Bispos. Numa das poucas entrevistas que concedeu, ao Vatican News, explicou que os clérigos e os bispos devem partilhar do “espírito de comunhão”. E também salientou as qualidades que considerava importantes nuns e noutros: “Preocupamo-nos, muitas vezes, em ensinar a doutrina, mas corremos o risco de esquecer que o nosso primeiro dever é comunicar a beleza e a alegria de conhecer Jesus.”

“Welcome home” O então cardeal Robert Francis Prevost, prefeito do Dicastério para os Bispos, num evento realizado numa paróquia do Illinois, seu estado natal, no ano passado

Nas reuniões do Sínodo dos Bispos, o então cardeal Prevost mediou com sucesso o diálogo tenso entre o Vaticano e a Igreja alemã. Acredita-se que, agora, como Papa, também conseguirá ultrapassar a polarização e amenizar as relações diplomáticas com a Administração norte-americana. Leão XIV foi eleito a 8 de maio, o dia em que se comemoravam os 80 anos do fim da II Guerra Mundial na Europa. Na primeira intervenção pública que fez, apareceu comovido e proferiu a palavra “paz” nove vezes: “Ajudai-nos também vós, e uns com os outros, a construir pontes, através do diálogo, através do encontro, unindo-nos a todos para sermos um só povo, um povo de paz. Obrigado, Papa Francisco!”

Aqui chegados, pergunta-se se o Papa entre mundos prosseguirá o legado do seu antecessor. O jornalista Jorge Wemans avançou uma hipótese interessante. Estabeleceu semelhanças entre os pontificados de João XXIII e de Paulo VI e os pontificados de Francisco e Leão XIV. No jornal Público e no Sete Margens, apontou: “Ao ver e ouvir Leão XIV tomar a palavra na loggia da Basílica de São Pedro, a comparação com aquele junho de 1963 em que Paulo VI foi eleito Papa para suceder a João XXIII impõe-se e sugere um prognóstico: este é o Papa da consolidação dos caminhos abertos pelo seu antecessor.” Afinal, não é isto que faz um construtor de pontes, um Papa entre mundos?

De missionário a sucessor de Pedro

Dez momentos da vida de Leão XIV

Infância
Nasceu em Chicago, no estado norte-americano do Illinois, a 14 de setembro de 1955, no seio de uma família de migrantes (o pai tinha ascendência francesa e italiana; a mãe tinha ascendência espanhola). É o mais novo de três rapazes.

Vocação
Sobre a escolha da vocação, já confessou ter tido no pai a sua maior influência. Desde muito cedo que a família sabia que “Bob” queria ser padre. Em casa, costumava usar a tábua de passar a ferro para brincar às missas com os irmãos.

Matemática
Começou por estudar no Seminário Menor dos Padres Agostinianos. Formou-se depois em Matemática na Villanova University, na Pensilvânia, onde também estudou Filosofia.

Estudos teológicos
Tirou Teologia na Catholic Theological Union, em Chicago. Aos 27 anos, foi enviado para Roma, para estudar Direito Canónico, na Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino.

Poliglota
Além da nacionalidade norte-americana, tem também nacionalidade peruana. Fala cinco idiomas: inglês, espanhol, italiano, francês e português. Sabe algum alemão e também consegue ler latim.

Santo Agostinho
Juntou-se à Ordem de Santo Agostinho em 1977 e, em 1982, foi ordenado padre, em Roma, na Igreja de Santa Mónica dos Agostinianos. No primeiro discurso de saudação que fez enquanto Papa, na varanda da Basílica de São Pedro, citou o autor de A Cidade de Deus: “Para vós, sou bispo, mas convosco sou cristão.”

Missionário
No Peru, foi missionário durante mais de duas décadas. Desempenhou funções pastorais e também funções de formação. A primeira missão naquele país da América do Sul aconteceu em 1985. Em 1988, dirigiu o Seminário de Trujillo.

Chiclayo
Em setembro de 2015, o Papa Francisco nomeou-o bispo de Chiclayo, uma cidade no Noroeste do Peru. Durante este tempo, Prevost fez muito trabalho junto de comunidades remotas. Em 2018, foi eleito segundo vice-presidente da Conferência Episcopal Peruana.

Vaticano
Em 2023, o Papa Francisco elevou-a a cardeal e atribuiu-lhe o cargo de prefeito do Dicastério para os Bispos, o “ministério” da Santa Sé responsável pela nomeação de bispos e cardeais de todo o mundo. O cargo ter-lhe-á dado alguma visibilidade, num conclave onde uma parte significativa dos cardeais não se conheciam.

Conclave
No conclave após a morte de Francisco, a 21 de abril, terá obtido a maioria de dois terços dos votos do Colégio dos Cardeais à terceira votação (algumas fontes garantem que teve mais de 100 votos). Ao aceitar ser Papa, manteve a serenidade, mas não escondeu a comoção. Escolheu ser chamado de Leão XIV, numa clara alusão a Leão XIII.

Os trabalhos de Leão XIV

Dos problemas de gestão às questões fraturantes, alguns dos dossiers mais urgentes do novo pontificado

Foto: LUSA

Finanças do Vaticano
Acreditam os especialistas que o facto de Leão XIV não ter um estilo tão confrontacional quanto Francisco vai permitir uma aproximação entre os EUA e o Vaticano e, sobretudo, que o dinheiro das dioceses norte-americanas seja orientado para os cofres da Santa Sé. Também se diz que a formação em Matemática vai ajudar o novo Papa nas questões da gestão financeira que, nos últimos anos, tanto têm ensombrado o Vaticano.

Mulheres e falta de vocações
A expansão dos evangélicos e a falta de vocações têm sido, nas últimas décadas, dois dos principais problemas da Igreja Católica, cuja influência tem decrescido no chamado mundo ocidental, cada vez mais secularizado. Mesmo que a abertura às mulheres iniciada por Francisco não signifique a ordenação das mulheres, tudo indica que o novo Papa será favorável à prossecução da política de inclusão das mulheres em alguns lugares importantes do Vaticano.

Abusos sexuais
Como em muitas outras matérias, não se sabe exatamente qual é a posição do novo Papa, vai ser preciso esperar para ver. Contudo, em relação aos abusos sexuais, há declarações claras de Robert Prevost, concedidas ao Vatican News, sobre “o silêncio” não ser “uma resposta” nem “uma solução”. Entretanto, também já se falou em duas denúncias, que envolvem outros membros do clero, com as quais Prevost não terá lidado da melhor maneira. Uma aconteceu nos EUA, outra no Peru e, muito provavelmente, vão agora ser alvo de escrutínio.

Sinodalidade
No primeiro discurso de saudação que fez, na Praça de São Pedro, o novo Papa referiu-se à “Igreja sinodal”. Tudo leva a crer que, neste campo, Leão XIV também pretende prosseguir o caminho iniciado por Francisco, no sentido de devolver a todos os batizados a reflexão acerca dos destinos da Igreja. Já depois de adoecer, o Papa argentino marcou, inclusivamente, uma assembleia eclesial de toda a Igreja Católica no Vaticano para outubro de 2028.

Leão XIII, o Papa que fez a Igreja descer à Terra

Leão XIV apresentou-se como herdeiro do pontífice que ficou para a história por causa de uma encíclica, a Rerum Novarum (1891), na qual revelou estar preocupado com as condições dos operários. Foi o primeiro Papa do seu tempo

O italiano Leão XIII (1878-1903) foi, provavelmente, o primeiro Papa a assumir-se como um Papa do seu tempo. O seu pontificado apanhou todo o período da pós-Revolução Industrial, a transição do século XIX para o século XX. E tratou-se de um pontificado longo: ao todo, durou 25 anos.Por causa de uma das mais conhecidas encíclicas da história da Igreja Católica, a Rerum Novarum (1891), Leão XIII – de que o Papa agora eleito se apresentou como herdeiro – ficou conhecido como “o Papa dos trabalhadores”. Na introdução da encíclica, Leão XIII recordava que “a sede das inovações, que há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia social”.A linguagem adotada então por Vicenzo Pecci é tão inovadora quanto as preocupações. Não se ocupa das questões teológicas, detém-se nos problemas reais dos mais frágeis, dos operários. É, por isso, que se considera que o texto é fundador do pensamento social católico. “Os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos de um pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião, enfim, mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito”, escreveu Leão XIII. Além de fazer recomendações aos empregadores, também exorta os próprios Estados a regular as condições de trabalho e a garantir o bem-estar dos trabalhadores.

O fascínio pelo cinema

O historiador francês Pierre Pierrard, na obra clássica História da Igreja Católica, defende que a ação de Leão XIII, ao definir o lugar das liberdades populares, também arrastou o Papa para “sólidas inimizades”: “Os católicos ‘integrais’ escandalizam-se e muitos republicanos repugnam-se a acreditar numa ‘Igreja liberal’; os socialistas consideram como uma aberração a incursão da Igreja no campo social.” No entender do historiador, Leão XIII revela “vistas largas” e “esforça-se por distinguir os temas de pensamento incompatíveis com a doutrina católica das realidades do mundo moderno: o seu desejo é fazer deles certas realidades cristãs, embora saiba que o mundo já não é cristão”.Leão XIII também revelou ser um Papa do seu tempo noutro aspeto: foi o primeiro pontífice a ser imortalizado pelo cinema. Como nasceu em 1810, em Carpineto Romano, é hoje tido como sendo a figura mais velha a ser captada por essas primeiras câmaras. Esses filmes, que até agora se encontravam guardados nos Arquivos Apostólicos, no futuro vão integrar a Mediateca Apostólica do Vaticano, uma iniciativa do Papa Francisco.

No próximo dia 26, decorrerá a primeira projeção pública dessas películas do século XIX, no Palazzo Pecci, na cidade natal de Leão XIII. A importância histórica desses filmes está relacionada com o facto de se tratarem dos primeiros registos cinematográficos da Igreja, mas não só: também provam, de acordo com Dario Edoardo Viganò, presidente da Fundação Memórias Audiovisuais do Catolicismo, o fascínio de Leão XIII pelo cinema. Autor de um poema dedicado à arte fotográfica, Vincenzo Pecci chegou a abençoar uma máquina fotográfica nos jardins do Vaticano.No último sábado, 10, no primeiro encontro que manteve, à porta fechada, com os 133 cardeais eleitores e também com outros que não votaram no conclave por causa do limite de idade, Robert Francis Prevost confessou-se herdeiro de Leão XIII. À semelhança do Papa da viragem do século, também o americano-peruano afirmou querer atualizar a sua missão aos desafios da sua época. Concretizou: “O Papa Leão XIII, com a histórica encíclica Rerum Novarum, abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial; e, hoje, a Igreja oferece a todos a riqueza da sua doutrina social para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da Inteligência Artificial.” Esta nova realidade, concluiu, origina “novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”.    Leão XIV pretende ainda prosseguir o legado do Concílio Vaticano II. Fez referência à obra de João XXIII, cujos conteúdos foram atualizados, na sua opinião, “magistralmente” pelo seu antecessor, Francisco, na exortação apostólica Evangelii Gaudium (2013). No encontro com jornalistas, na segunda-feira, 12, Prevost elogiou o trabalho dos jornalistas (“só pessoas informadas podem fazer escolhas livres”), pediu a libertação dos jornalistas presos e também voltou a falar na Inteligência Artificial. O seu “imenso potencial”, defendeu, “exige responsabilidade e discernimento para orientar as ferramentas para o bem de todos, a fim de que possam produzir benefícios para a Humanidade.” Outro Papa do seu tempo?

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Os políticos da Santa Sé

No próximo fim de semana, vamos conhecer o vencedor das legislativas e o novo campeão nacional de futebol. Mais do que uma coincidência improvável, esta junção de acontecimentos deve ser vista como uma sincronia feliz e oportuna, já que nos vai permitir observar, num mesmo período temporal, as semelhanças entre dois universos – a política e o futebol – cada vez mais dominados pela irracionalidade e o tribalismo, ambos repletos de discussões estéreis e igualmente abalados por casos obscuros, como acusações de corrupção e de compadrio.

Porém, uma diferença será absolutamente percetível nos próximos dias: o campeão de futebol vai ser muito mais vitoriado nas ruas e praças do País do que o vencedor das eleições.

Há razões objetivas para isso. E a principal é que esta campanha eleitoral não conseguiu, até ao momento em que escrevo estas linhas, empolgar quem quer que fosse. A esmagadora maioria dos partidos limitou-se, na verdade, a cumprir calendário, como um remake de Hollywood feito à pressa, mas que, como sempre acontece, não consegue ser melhor do que o original e fica a anos-luz dos “clássicos” de outros tempos.

Até ao momento, foi tudo uma repetição daquilo a que tínhamos assistido há pouco mais de um ano: o mesmo esquema de debates, as mesmas personagens, quase sempre as mesmas propostas, temas, ideias, e até o tom das polémicas do costume. E, invariavelmente, uma crescente sensação de cansaço e de déjà-vu entre os eleitores – o que não quer dizer que isso se reflita na abstenção, reconheço.

Acima de tudo, percebeu-se que nas direções das principais campanhas não existiu vontade de tentar elevar o debate. Numa época dominada pelas perceções, apenas procuraram transmitir sensações e emoções. Mais do que difundir ideias ou propostas mobilizadoras, só se viu a preocupação em maquilhar a imagem dos principais candidatos. Mostrá-los simpáticos, sorridentes, ativos e joviais. De tal forma que, mesmo nos momentos em que Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos precisaram de se mostrar mais combativos, ficou-se sempre com a ideia de que o olhar determinado ou o discurso mais empolgado estavam cuidadosamente domesticados, para não ferir suscetibilidades ou criar sensações de repúdio nos públicos identificados como alvo.

A preocupação principal foi a de procurar momentos e situações que pudessem ser condensados em vídeos de 30 segundos nas redes sociais, de maneira a suscitar gostos e partilhas.

Ao contrário do que sucedia no passado, em que os candidatos procuravam, ao longo da campanha, proferir uma frase ou criar um caso que, em seguida, fosse replicado em títulos dos jornais ou na abertura dos serviços noticiosos da rádio e televisão, desta vez, mesmo com o batalhão de repórteres atrás deles, deu sempre a ideia de que apenas tentavam produzir momentos engraçados, que depois podiam ser editados pelas suas máquinas de campanha para serem partilhados, numa narrativa alternativa à da comunicação social.

Sem exagero, podemos afirmar que esta foi a primeira campanha eleitoral em que, de forma descarada, os candidatos se preocuparam muito mais com o entretenimento do que com as notícias. Por isso, tiveram disponibilidade para os programas mais populares de televisão e para os formatos alternativos de informação, de respostas rápidas, leves e divertidas, do que para as entrevistas de fundo, em que se pudesse, de facto, discutir política.

A divulgação contínua de novas sondagens, dando a ideia de que estávamos a assistir a uma corrida em direto, ajudou também a alimentar uma nova realidade política, cada vez mais visível em muitos países: as eleições transformaram-se num campeonato, em que apenas se discute a classificação de cada partido como se fosse um clube, sem se prestar atenção aos assuntos mais complexos, mas decisivos para o futuro. O resultado foi aquele a que assistimos: o tema da educação, fulcral para o desenvolvimento do País, esteve ausente da campanha, bem como as grandes questões internacionais ou a resposta às novas prioridades em matéria de defesa europeia, ou seja, mais uma semelhança da política atual com o futebol, em que, nos programas de TV, se passa mais tempo a discutir o secundário (as arbitragens e os casos) do que o principal (a beleza do jogo).

Neste fim de semana de emoções ao alto, veremos se existe uma outra parecença, condensada na resposta a esta pergunta: Para o ano há mais? No futebol, qualquer que seja o resultado, sabemos que sim, na política vamos lá ver o que nos diz a contagem dos votos sobre a probabilidade de, em 2026, voltarmos a ter eleições legislativas.

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Dos partidos com assento parlamentar, a AD (PSD+CDS) foi quem conseguiu melhor pontuação na análise da APREN aos programas eleitorais, seguida de perto pelo PS.

A coligação liderada por Luís Montenegro obteve o valor máximo (5) em três dos cinco eixos avaliados: metas/transição energética, transição justa e mercado interno; nos eixos desburocratização e infraestruturas/segurança de abastecimento, a AD conseguiu 4 pontos. A média chegou aos 4,6 pontos.

O PS ficou perto, atingindo os 5 pontos em metas/transição energética e transição justa e 4 pontos nos restantes três itens, para uma média de 4,4 pontos.

Fora os dois “grandes”, o Livre é o único partido que consegue igualmente classificações máximas – no caso, em transição justa e desburocratização; em metas/transição energética, obteve 4, em infraestruturas/segurança de abastecimento, 2, e em mercado interno, 1. Estas pontuações resultaram numa média de 3,4.

Apesar de não ter conseguido nenhum 5, a IL ficou empatada com o Livre na média, com os mesmos 3,4 pontos: 4 em infraestruturas/segurança de abastecimento e transição justa e 3 nos restantes.

Na análise da APREN, o BE, um dos três partidos, a par com o Livre e o PAN, que mais centram o seu discurso nas causas ambientais e climáticas, acabou com a média negativa de 2,2, uma pontuação que ficou prejudicada por ter recebido um zero em mercado interno. Em metas/transição energética, transição justa e desburocratização, chegou aos 3, e em  infraestruturas/segurança de abastecimento, ficou pelo 2.

O PAN conseguiu, ainda assim, fazer pior, com uma média de 2 pontos. Em metas/transição energética atingiu 4, mas em desburocratização e transição justa não passou dos 2 e em mercado interno e infraestruturas/segurança de abastecimento, do 1.

Pior ficou o PCP, com apenas 1,6 de média, resultado de 3 pontos em transição justa, 2 em metas/transição energética e 1 nos restantes.

Finalmente, o Chega é o que apresenta o pior programa, para a associação portugesa de renováveis, tendo tido nota negativa em todos os eixos analisados: 2 pontos em metas/transição energética e transição justa e 1 nos restantes. Terminou com uma média de 1,4 pontos.

A Marinha do Reino Unido anunciou a estreia do sistema Lura, uma mudança no paradigma da guerra submarina que assenta em drones autónomos que se mantêm no fundo dos oceanos, funcionam em rede e que usam Inteligência Artificial para detetar a presença ou movimentação de ameaças submarinas.

O Lura foi desenvolvido pela Helsing, uma empresa especializada em defesa, usa uma constelação de sensores acústicos montados em ‘planadores’ e que dão pelo nome de SG-1 Fathoms. Estes planadores foram desenhados originalmente para monitorizar condições marinhas e vigiar baleias, mas constituem agora a espinha dorsal para um sistema de deteção de ameaças. Assim que uma movimentação ou um alvo anormal são detetados, o sistema envia os dados em tempo real para o centro de comando da Marinha que irá analisar e atuar.

Um sistema de Inteligência Artificial faz com que os sensores sejam capazes de distinguir várias embarcações na mesma área e fazer distinções com base nas assinaturas acústicas, algo que um intérprete humano teria dificuldade em conseguir. Gundbert Scherf, co-fundador da Helsing, explica que “o Lura deteta, para as marinhas poderem deter (…) Lançar Inteligência Artificial para constelações no fundo dos mares vai iluminar os oceanos e parar os nossos adversários. Já Niall Cartwright, arquiteto da empresa, conta que “um só não consegue fazer muito sozinho. Mas são tão baratos e simples que podemos lançar centenas ou milhares nas águas. Eles [os inimigos] vão pensar duas vezes antes de vir”, cita o The Times.

O sistema foi otimizado para detetar a ameaça russa e o Lura consegue distinguir entre as diferentes embarcações que constituem a Marinha russa e os navios de passageiros. O contrato da Marinha Britânica visa usar a Inteligência Artificial e outras soluções avançadas para monitorizar as águas britânicas contra eventuais ameaças de Moscovo.

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Donald Trump continua o périplo pelo Golfo e anunciou agora um acordo de 142 mil milhões de dólares para o fornecimento de armas, “o maior acordo comercial de defesa na história”. Este contrato é parte de um pacote de 600 mil milhões de dólares que a Arábia Saudita tem para empresas americanas de vários setores, como a defesa, a energia, a tecnologia e as infraestruturas.

No que toca a armamento, o acordo vai incidir sobre cinco categorias: avanços na força aérea e espacial, defesa aérea e contra mísseis, segurança costeira e marítima, segurança fronteiriça e atualizações aos sistemas de comunicações.

Entre a comitiva de Trump estão responsáveis de várias tecnológicas, incluindo Elon Musk e Sam Altman. A Nvidia conseguiu um acordo para vender centenas de milhares de chips de Inteligência Artificial, começando com 18 mil chips Blackwell, à Humain, uma startup apoiada pelo fundo soberano saudita. A AMD estabeleceu uma parceria de 10 mil milhões de dólares com a Humain para o desenvolvimento de soluções de Inteligência Artificial. Segundo a Al Jazeera, “a Arábia Saudita quer tornar-se um dos grandes investidores globais em Inteligência Artificial e é por isso que estão aqui muitos CEOs em Riade, que querem alguns destes contratos”.

Também a NASA vai receber a sua quota parte destes 600 mil milhões, com um acordo para lançar CubeSat sauditas a bordo da missão Artemis II.

Recorde-se que Trump vai continuar a visita ao Golfo, passando agora pelos Emiratos Árabes Unidos e pelo Qatar ainda esta semana.