O golpe de Estado de 11 de Setembro de 1973 na cidade de Santiago do Chile, derrubou o regime democrático constitucional e o presidente legítimo, Salvador Allende. Como é sabido o golpe foi articulado conjuntamente por oficiais sediciosos da marinha e do exército chileno, com apoio militar e financeiro do governo dos Estados Unidos e da CIA, bem como de organizações terroristas chilenas, como Patria y Libertad, de tendências nacionalistas-neofascistas, tendo sido encabeçado pelo General Augusto Pinochet, que se proclamou Presidente.
O meu amigo Jairo Monteiro, que era jornalista na época e trabalhava para a revista brasileira “Cruzeiro”, na qualidade de correspondente para a América Latina, presenciou os acontecimentos ao serviço do único título da imprensa do Brasil presente naquela capital.
Passados 50 anos o também meu amigo, o chileno Luis Cruz-Villalobos, poeta e psicólogo, publicou recentemente um poema de homenagem ao jovem Miguel Arteche, uma das inúmeras vítimas da bestialidade desse tempo sombrio (Damnatio Memoriae, Poemas y no-poemas del horror, Notebook poiesis, 2023):
EL JOVEN TORTURADO
Miguel Arteche, 1976
“Ahora veo que tu sangre salta
y el miedo sube ya las escaleras,
y abren la puerta a medianoche y entra
la mano que te lleva.
Ahora palpo el muro repetido
en cuatro muertes sobre tu cabeza,
las uñas que te arrancan
y las órdenes que alguien vocifera.
Ahora te desnudan en la noche.
te arrebatan la piel, la voz te llagan,
te dejan en montón sobre las piedras,
te dividen en mil, te deshombrecen,
y te matan la luz que en ti vivía,
y escupido en la sombra allí te dejan.”
Em entrevista ao Expresso, o espanhol Mario Amorós, biógrafo do ditador e de Salvador Allende, atribuiu responsabilidades também à direita democrática pelo sucedido, incluindo a democracia-cristã. Essa circunstância alerta para o perigo de a esquerda se tornar por vezes imprudente de tal modo que a direita democrática, assustada, tende a ir acolher-se nos braços do extremismo. Por alguma razão ainda hoje 4 em cada 10 chilenos olham Allende como o principal culpado pela ditadura…
O Brasil passou por um processo semelhante, quando a direita não apenas apoiou o golpe contra Dilma e a subsequente eleição de Bolsonaro, mas também a tentativa de golpe de estado de 8 de Janeiro em Brasília. E vamos ver se o Lula 2.0 não vai repetir o mesmo erro.
A Open Society Foundations promoveu recentemente um dos maiores estudos de sempre sobre a opinião pública mundial em matéria de direitos humanos e democracia em 30 países. Segundo Mark Malloch-Brown, presidente da instituição, citado pelo DN: “As conclusões a que chegámos são simultaneamente preocupantes e alarmantes. As pessoas em todo o mundo querem continuar a acreditar na democracia. Mas, de geração em geração, essa convicção está a desvanecer-se à medida que crescem as dúvidas sobre a sua capacidade de proporcionar melhorias concretas nas suas vidas. Esta situação tem de mudar.”
Cerca de 40% dos jovens admitem um regime militar, contra 20% dos mais velhos, e 35% dos respondentes entre 18 e 35 anos aceitaria um líder forte que ignore as eleições e a instituição parlamentar, já que apenas 57% dos jovens acreditam que a democracia é preferível. “Entre as causas para estes níveis mais baixos de apoio da democracia entre os jovens estão os vários desafios que o mundo enfrenta, como a pobreza, a desigualdade e as alterações climáticas.”
O primeiro-ministro, António Costa, assinou a “Declaração de Santiago”, documento promovido pelo Presidente chileno, Gabriel Boric, e que pretende ser um compromisso político internacional em defesa dos direitos humanos e dos regimes democráticos no mundo. Mas não basta. É preciso que o governo desenvolva políticas estruturais que tenham em conta as preocupações das novas gerações. E isso é mais do que bilhetes de comboio, estadias em pousadas e devolução de propinas quando os alunos menos necessitam por já estarem a trabalhar.
Muitos ainda brandem o papão do comunismo, mas o perigo na Europa contemporânea não é o comunismo, é mesmo a extrema-direita.
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