Francisco fica para a história como o primeiro papa a visitar a Mongólia, apesar de isso lhe ter exigido uma longa viagem de oito mil quilómetros. O território tinha sido evangelizado há muitos séculos, mas o testemunho cristão entretanto desapareceu. Apesar de Gengis Kahn ter seguido uma política de tolerância religiosa para os povos conquistados pelo Império Mongol no séc. XIII, quando a dinastia Ming, da China, conquistou o Império Mongol erradicou a fé logo no séc. XIV.
Em meados do séc. XIX a Sociedade Bíblica de Londres ainda publicou a primeira Bíblia completa em mongol literário, mas quando os soviéticos criaram a República Popular da Mongólia toda a religião foi erradicada.
A verdade é que, com esta viagem, Francisco quis dar um sinal aos povos da Rússia e da China, países confinantes com a Mongólia, e com quem o Vaticano mantém relações tensas por razões diferentes. Apesar de a diplomacia chinesa ter mostrado disponibilidade para melhorar as relações com o Vaticano, o facto é que o governo de Beijing transferiu bispos sem consultar a Santa Sé, violando acordos bilaterais, e proibiu os bispos e os fiéis chineses de viajarem para ver o papa na Mongólia, uma oportunidade única.
Este país de maioria budista e em boa parte não-religiosa inclui também judeus, muçulmanos, xintoístas, cristãos (2%) e ortodoxos de obediência russa. Mas o curioso é que, segundo a World Christian Database, depois do colapso do comunismo os protestantes cresceram significativamente e contam hoje 63.600 fiéis, enquanto os católicos se ficaram pelos 1.500. Em 1990, passados setenta anos de regime soviético o país tinha apenas quatro cristãos conhecidos.
De acordo com a revista Christianity Today: “No passado, as autoridades do Vaticano procuraram aprender com os evangélicos mongóis como a Igreja cresceu tão rapidamente. Os pastores apontam para uma onda de jovens que vieram a Cristo através do ministério de missionários do Ocidente e da Coreia do Sul, o que levou a um movimento orgânico de crentes locais espalhando o evangelho por toda a nação.”
Hoje a luta da Igreja protestante na Mongólia sofre “dores de crescimento” procurando descobrir a sua identidade intrínseca, desenvolver lideranças fortes, evangelizar e sobretudo discipular os novos crentes: “No nosso país não precisamos de muitos crentes, mas sim de muitos discípulos que apliquem a Palavra de Deus na sua vida, que realmente possam ser luz e sal na comunidade, testemunhar de Cristo e trazer glória a Deus. Se tivermos muitos discípulos, acho que veremos muitas mudanças positivas na nossa cultura”, afirmou Bolortuya Damdinjav, chefe do departamento de investigação da Aliança Evangélica da Mongólia.
Apesar da resistência ao Ocidente, o início da década de noventa, os jovens mongóis estavam abertos a novas ideias, escudados pela protecção constitucional da liberdade religiosa. Foi assim que muitos adolescentes e estudantes universitários se tornaram cristãos protestantes em especial depois de assistirem a filmes como “Jesus” e outros. No ano 2000 foi publicada uma tradução da Bíblia no vernáculo e todas as dez mil cópias disponíveis esgotaram num dia.
Mas persistem algumas dificuldades. Por um lado, considera-se que o budismo é a cultura e tradição nacional, e como chegar ao nirvana é um percurso difícil, os mongóis tendem a pensar que a fé cristã é demasiado fácil, ao ouvirem sobre a graça de Deus. Por outro lado, o sincretismo está muito enraizado na cultura. Budismo e xamanismo ligam o mundo físico ao espiritual e alguns vêm em Jesus apenas mais uma divindade a somar a uma lista.
Além disso, e de acordo com um relatório do Gordon-Conwell’s Center for the Study of Global Christianity, há notícias de registos de igrejas negados pelo governo com o argumento de que já havia demasiadas igrejas no país.
A história da fé cristã na Mongólia inicia-se com os cristãos nestorianos que a levaram para a Ásia Central através da Rota da Seda no século VI, ocasião em que várias tribos se converteram. Quando Genghis Khan uniu as tribos e unificou o Império Mongol, no séc. XIII, os nestorianos ocupavam cargos oficiais na administração. Em 1271 o líder mongol solicitou ao Papa Gregório X que enviasse cem missionários, mas Roma enviou apenas dois que nem conseguiram lá chegar. Como resultado Kublai Khan abraçou o budismo tibetano que mais de metade dos mongóis ainda hoje praticam.
Esta viagem serviu também para dar a conhecer ao mundo um pouco mais da realidade religiosa daquele país. Bolorhuu Ligden, fundador da Asia Leadership Development Network, que trabalha com as lideranças cristãs do Mongólia caracteriza-o assim: “A Mongólia (antes de 1989) era como a Coreia do Norte – toda a gente sabe algo sobre ela, mas ninguém a conhece realmente, é tudo tão escuro e fechado”.
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