O doutor Salazar dizia que, “em política, o que parece, é”. Mas, na política destes dias, em Portugal, o que é não parece. Primeiro foi Rui Rio a ultrapassar António Costa pela esquerda, como se quisesse tomar o seu lugar na liderança da “geringonça”. Depois, vimos o primeiro-ministro, no meio da rua, a discutir com um líder sindical, como se quisesse ter a sua própria “senhora de cor-de-rosa” (lembram-se do “debate” entre Passos Coelho e a cidadã idosa que reclamava contra o corte na sua pensão?…). Finalmente, assistimos à demissão de 52 diretores e chefes de serviço de um hospital – cinquenta e dois! – numa demonstração de que um dos problemas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é nele existirem, como diria o espanhol, “más jefes que índios”.
Vamos por partes: O Bloco de Esquerda defende uma taxa especial para penalizar quem compra e vende imóveis, com vutuosas mais valias, num curto espaço de tempo. Alegadamente, querer-se-á, com esta medida, “combater a especulação imobiliária”. Uma boa imagem do que a especulação imobiliária pode fazer por uma cidade como Lisboa é a comparação entre duas fotografias: o imóvel adquirido à Segurança Social pelo ex-vereador bloquista, Ricardo Robles, antes da intervenção, e o mesmo imóvel depois das obras… Bendita especulação! Independentemente desse considerando, sendo o centro histórico um espaço limitado, com pouca oferta, é natural que o seu valor por metro quadrado suba, em razão da procura. Sendo que a compra, por estrangeiros, de propriedades em Portugal, representa, para além do emprego associado ao imobiliário, uma entrada de dinheiro fresco que ajuda a equilibrar as contas nacionais e a fazer crecer o PIB. Mas, dando de barato, o curto prazo do Bloco não se encontra definido, o que manterá o alegado especulador na expetativa: como notou o centrista Adolfo Mesquita Nunes, se for, por exemplo, um ano (e é difícil obrigar a mais…), basta esperar esse tempo e vender depois, retraindo ainda mais a oferta de habitação – e frustrando o objetivo que a medida procuraria alcançar. Também não se sabe o que aconteceria a proprietários vendedores, movidos por outras motivações, como a mudança do emprego para outra cidade, a divisão de bens após um divórcio ou a pura e simples mudança de planos de vida.
Rejeitada a medida pelo Governo e por quase todos os partidos do espetro parlamentar, incluindo o PCP, nem valia a pena continuar a discuti-la. Mas eis senão quando o líder do PSD, Rui Rio, vem dizer, ao arrepio do ideário tradicionalmente defendido pelo seu partido, que a medida “não é assim tão disparatada”. A seguir, perante críticas internas, lavra num equívoco autista, só comparável ao equívoco de Serena Williams, quando confunde advertência por jogo incorreto com sexismo: o de que estaria a ser contestado, apenas, porque concordou com uma proposta do Bloco de Esquerda. Ao que parece, o ex-líder parlamentar Hugo Soares, na reunião do Conselho Nacional, ter-lhe-á explicado que não tem nada a ver: as críticas internas devem-se ao simples facto de os críticos acharem que a medida em si é… disparatada! E não porque tenha sido sugerida pelo Bloco. Dir-se-ia que Rui Rio pretende ocupar o lugar de Costa na “geringonça”…
Por falar em António Costa, o reality show com Mário Nogueira, numa praça de Paredes de Coura, fez do líder da Fenprof a “senhora de cor-de-rosa” de António Costa. Muitos acharam que tudo fora encenado, até porque a ocasião e a dimensão do protesto – vinte professores – não justificava, por si só, a deslocação de Nogueira ao local. Quem, com mais de 50 anos, não se lembra do diálogo entre os capitães antagonistas Dinis de Almeida (o “Fitipaldi das chaimites”) e Sebastião Martins, às portas do RALIS, a 11 de março de 1975, perante as câmaras da RTP, no exato momento em que decorria uma intentona? O teatrinho político tem uma longa tradição, em Portugal…
Por fim, a novela de Tancos. O novo discurso político oficial parece ser o de esperar que o Ministério Público conclua as investigações, antes de se tomarem medidas mais drásticas de responsabilização pelo assalto ocorrido há 15 meses. Ora, para se saber que aquilo não tinha segurança nenhuma, não são necessárias investigações. No meu tempo, quando cumpri o serviço militar obrigatório, o paiol da minha unidade era guardado, presencialmente, pelos militares de serviço, armados até aos dentes. E dormíamos lá dentro. O simpes facto de a tropa ter deixado um paiol sem vigilância, por um minuto que fosse, devia fazer rolar cabeças ao mais alto nível, a começar pelo comandante da unidade em causa e a acabar no chefe do Estado Maior do Exército. Ponto final. Ora, a própria brandura na reação do ministro da Defesa torna, aos olhos de quem leva a sério as funções de soberania do Estado, a sua posição insustentável. Mas nem o primeiro-ministro nem o Presidente da República perceberam isto, o que não deixa de ser um sinal dos tempos.
PS – Nos últimos dias, soube-se que 52 diretores e chefes de serviço do hospital de Gaia se demitiram, em protesto contra a falta de meios e… de pessoal. Cinquenta e dois, leu bem. “Más jefes que índios”, portanto. Ora, a melhor forma de ser atendido nas urgências daquela unidade de saúde é, no caso de haver falta de médicos, mandar chamar um diretor. Fica a dica.