Grande parte da mentira escondida daquilo a que chamamos União Europeia (cada vez mais apenas um nome grafado a maiúsculas e menos uma ideia ou um conceito) fica visível sempre que metemos a Turquia na equação. Há décadas que os governos que passaram por Ancara tentam aproximar-se do espaço europeu. E há décadas que, deste lado, os muitos dirigentes que vão passando por Bruxelas lhes dizem para esperar, com um persistente requinte de malvadez.
Recapitulemos o que tem sido este vaivém constante: em 1987, a Turquia pediu, oficialmente, a adesão à então Comunidade Europeia, na altura com apenas 12 membros. Doze anos depois, em 1999, essa candidatura foi finalmente aceite e formalizada. Mesmo assim, foi preciso esperar mais cinco anos para, em 2004, se iniciarem as negociações formais para a adesão da Turquia, e que ainda hoje se mantêm, já com a União Europeia com 28 membros.
Grande parte deste tempo foi gasto num diálogo de surdos ou para entreter as opiniões públicas dos dois lados. Franceses e alemães sempre se opuseram à entrada da Turquia, mesmo quando, por razões estratégicas e de boa vizinhança, tentavam insinuar o contrário. Os turcos, por seu lado, com o orgulho ferido pelos sucessivos obstáculos que sentiam que os europeus lhes iam pondo no caminho, e assustados, a partir de certa altura, com a crise económica na Europa, acabaram por se virar para dentro e ao seu sonho de se assumirem como principal potência regional do Médio Oriente.
A verdade, para sermos sinceros, é que para muitos líderes europeus a Turquia é vista apenas pela sua posição estratégica, crucial nos tempos da Guerra Fria: um útil «tampão» ou «escudo» entre os blocos de Leste e Oeste – papel que recuperou nos últimos tempos, ao manter as fronteiras da União Europeia afastadas dos conflitos na Síria e no Iraque.
Vale a pena recordar, por isso, uma história que ouvi de um ex-diplomata português que esteve vários anos ligado a questões de Defesa. Contava ele que, nos tempos da Guerra Fria, em todas as simulações de conflitos e «jogos de guerra» que se faziam no quartel-general da NATO, os cenários partiam sempre do mesmo pressuposto: Moscovo atacava a Turquia e o Ocidente ripostava. Ou seja, a Turquia era sempre o território que se dava como inevitavelmente perdido, a «moeda de troca» necessária para preparar o contra-ataque, a «baixa» aceite como razoável num conflito relevante.
Nos últimos dias, perante a maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial, a União Europeia voltou a lembrar-se da Turquia. De uma assentada, ofereceu-lhe três mil milhões de euros para tentar que continuem no seu território «tampão» os mais de dois milhões de refugiados que, a qualquer momento, podem querer vir para a Europa. E, mais uma vez, como contrapartida, ofereceu-lhe também a garantia de que iria desbloquear as negociações com vista à sua adesão à União Europeia – algo que, já todos percebemos, não é para levar a sério. Novamente, só nos lembramos dos turcos quando precisamos deles. A realidade é que eles cada vez precisam menos de nós. E se, há uma década, a esmagadora maioria dos turcos queria pertencer à Europa, hoje dois terços deles estão contra a adesão. E a culpa foi nossa.