Na Grécia Antiga, o sistema era simples: os cidadãos reuniam-se na “Ecclesia” e tomavam as decisões que entendiam necessárias, com base no princípio de um voto por cada homem. Era nessa assembleia do povo que se decidia a guerra ou a paz, se aprovavam ou reprovavam leis, se elegiam representantes e se condenavam outros ao ostracismo.
A melhor explicação desse sistema encontra-se no célebre discurso de Péricles que, embora proferido há quase 2500 anos, nas orações fúnebres às vítimas da Guerra do Peloponeso, nunca perdeu atualidade. E merecia, porventura, ser lido com mais atenção nos dias de hoje.
Sabem o que dizia Périples? Isto: “A nossa constituição política não segue as leis de outras cidades, antes lhes serve de exemplo. O nosso governo chama-se democracia porque a administração serve aos interesses da maioria e não de uma minoria.”
E também isto: “Decidimos por nós mesmos todos os assuntos sobre os quais fazemos, antes, um estudo exato: não acreditamos que o discurso entrave a ação; o que nos parece prejudicial é que as questões não se esclareçam, antecipadamente, pela discussão.”
Tudo isto foi dito e escrito no ano 430 antes de Cristo, mas poderia ter sido repetido por Tsipras e Varoufakis nos últimos dias, quando decidiram chamar o povo grego a pronunciar-se sobre as exigências dos seus credores, num referendo que foi considerado quase como uma declaração de guerra pelos ministros das Finanças dos outros 18 países da zona euro.
Pode-se gostar ou não do Syriza e dos seus valores, mas é preciso reconhecer que chamar o povo a pronunciar-se nas urnas – como antes na “Ecclesia” – é um ato de democracia pura. Como também é preciso não esquecer, por muito que isso custe a alguns, que o Syriza não pode ser responsabilizado pela origem da crise grega e pelos números escondidos, durante anos, da dívida pública do país – os responsáveis dessa situação foram, isso sim, os partidos tradicionais do regime, os mesmos que os eleitores gregos condenaram ao “ostracismo” (como na antiga Atenas), nas eleições de janeiro, quando deram a vitória ao partido de Tsipras e de Varoufakis.
A verdade, porém, é que no seio do Eurogrupo, do FMI e de muitas instituições da União Europeia, o discurso de Péricles e os fundamentos da democracia ateniense não são mais do que uma memória vaga de algo que foi preciso estudar, há muitos anos, na escola. Na Europa de hoje, mais do que a democracia, valoriza-se o poder. No interior dos principais órgãos de decisão, existe uma intolerância quase absoluta a tudo o que possa ser diferente ou fugir da norma estabelecida. E, sobre os gregos, só há uma certeza oficial: os atuais não se comparam aos antigos e mesmo esses não eram assim tão bons, já que a tão afamada democracia ateniense dava o poder de decisão aos cidadãos, mas ignorava a longa legião de escravos que existia na cidade-Estado. Portanto, pensam, a sua teórica superioridade moral não faz hoje qualquer sentido.
Esquecem, no entanto, como dizia Péricles, que o objetivo final da democracia é conseguir “uma sociedade aberta de cidadãos ativos, governada pela maioria flutuante, sem interferências estrangeiras, no quadro de uma lei igual para todos e consentida”.
Infelizmente, agora, aos olhos da Europa oficial, nada disso é importante, e até mesmo a expressão “cidadãos ativos” deve provocar alguns arrepios em muitos gabinetes de Bruxelas. Para eles, os gregos não passam de uns simples escravos. Sem direito à democracia.