Nos tempos já longínquos da televisão a preto e branco e de canal único, os espectadores viam surgir nos ecrãs, com alguma frequência, a mira técnica com uma frase que uma geração aprendeu a decorar: “Pedimos desculpa por esta interrupção, o programa segue dentro de momentos”. Não há dúvida de que Cavaco Silva é desse tempo. E foi mais ou menos assim que o País viveu nas últimas semanas: a pedir desculpa pela interrupção, mas com todos a saberem que o “pântano” iria seguir dentro de momentos.
Cavaco Silva continua a garantir que apresentou a melhor solução. E persiste em acreditar que ainda haverá um entendimento entre PS, PSD e CDS, quanto mais não seja por “força das circunstâncias”. Mas a verdade é que nunca ninguém acreditou, seriamente, que esse acordo fosse alcançado. Tivéssemos nós as casas de apostas e a cultura de jogo dos anglo-saxões e rapidamente isso teria saltado à vista – qualquer euro apostado no entendimento seria premiado com uma pequena fortuna, enquanto o descalabro das negociações representaria pouco mais do que a devolução do dinheiro investido.
Cavaco Silva escolheu a aposta máxima. E perdeu. E o que ganhámos todos nós com isso? Nada. De facto, apenas perdemos duas semanas… Duas semanas em que se minou ainda mais o prestígio das instituições democráticas, duas semanas em que se adensaram as dúvidas e as incertezas sobre o futuro do país, duas semanas em que se esfrangalharam os poucos sinais que restavam de confiança nas actuais lideranças partidárias e até nos próprios partidos.
Cavaco Silva pode afirmar solenemente que “não abdicará” de nenhum dos seus poderes constitucionais, mas não será isso, seguramente, que vai mudar alguma coisa nos próximos tempos. O País precisava, isso sim, de um Presidente que fosse mais do que um mira técnica a anunciar que o “programa” segue dentro de momentos. Até porque agora a televisão é a cores, em alta definição, e temos muitos canais para escolher…