Ora vamos lá voltar a tocar num tema fraturante: essa data em que, além do namoro, também se comemora (eufemismo?) o Dia da Disfunção Erétil. E, ironias da vida, este ano coincide com o Carnaval, a festa da carne que, diz-se ainda, são três dias. Se pensa que o São Valentim é um não assunto ou tema que não lhe diz respeito, pense duas vezes. Antes de rebelar-se contra ela e o aparato comercial associado, convém lembrar que, tendo ou não alguém na sua vida (que são dois dias), a altura é propícia a tecer algumas considerações sobre os mimos. Ou melhor, sobre algumas tendências de comportamento que, parecendo normais, de terno ou saudável nada têm. A proposta é perceber como lidar com isso, entre amigos com benefícios, compinchas sexuais, namorados, namoridos, companheiros e candidatos a qualquer uma destas categorias ou outras (o substantivo vale para os dois géneros, terceiro sexo e afins).
Há muitas formas de rejeitar e/ou desqualificar um potencial, atual ou ex parceiro de jogo, tantas quantas a imaginação permite e que só se prolongam se existir um acordo tácito entre as partes, ainda que nem todos se dêem conta disso, em especial os que ficam na posição top down, ou seja, a mais vulnerável.
Conheça as quatro táticas subversivas mais comuns na arena da sedução e seus efeitos. Aprenda com isso e, se recorre a tais meios para atingir os seus fins, isto também é para si.
1 – Ghosting: Desaparecidos (s)em combate
Como o nome sugere, há um elemento fantasmagórico nesta abordagem, que se caracteriza por nunca por a coisa em pratos limpos. A coisa é o fim da ligação, qualquer que seja o seu registo. Pouco importa se é intencional ou fruto de uma fraqueza de caráter: para os destinatários é sentida como uma atitude desonesta, chegando mesmo a ser cruel. Falamos do varrimento ou erradicação da pessoa que se pretende por a milhas, em dois passos. O “tratamento silencioso” e sem qualquer explicação deixa o outro perplexo, numa espécie de torpor ou agonia, como se merecesse um castigo e a ruminar sobre o que poderá ter feito para merecer tal rejeição. Isto já seria mau, o pior é quando se apercebe que o seu contacto já não está na lista dos amigos, que os seus posts também não e até as fotos deixaram de existir, como se o passado em comum nunca tivesse existido. Apagada a presença virtual, quem é alvo desta manobra sente-se vítima de um golpe baixo, excluído e privado da sua identidade social. “Já foste… e nem ficaste para a cronologia”.
Justificável como último recurso para por fim a relacionamentos marcados pela agressividade, a chantagem, a manipulação e a perseguição, esta estratégia tende a produzir efeitos devastadores – sentimentos de abandono, culpa e mágoa – mas não permanentes.
O que fazer:
Nada. Aceitar o que é e seguir em frente, sem tentar perceber as causas ou, pior, inventá-las e chover no molhado, a menos que seja masoquista. O evitamento e a remoção de dados em toda a linha, como se não se passasse nada é uma reação primária – por vezes perversa – de fugir ao desconforto de lidar com a situação sem pensar no impacto que pode ter no outro, de quem se foi, em tempos, próximo.
2 – Benching: Ficar na posição “fora de jogo”
Uma prática em expansão desde que o jogo da sedução se deslocalizou para as plataformas virtuais /digitais. Consiste em colocar a outra pessoa (ou várias, já agora) na bancada, levando-a a sentir-se fora de jogo, confusa e cansada de esperar por quem só brinca às escondidas. À semelhança do que sucede com os coleccionadores, sempre à procura de um cromo mais valioso ou daquele que podem optimizar mais tarde, arrumam os demais na categoria de suplentes até se esquecerem deles por completo, entretidos com as últimas novidades. Estamos a falar de perfis pessoais, nas redes sociais e apps de encontros. “Olá. Tudo?” (seguido de meia dúzia de emojis, às vezes com “pics”) e outros piropos inconsequentes, em modo intermitente, é uma estratégia que serve de isco, com a mensagem implícita “estou aqui e tu aí e isto é só para saber se continuas aí se me apetecer dar sinal ou não houver nada melhor por aqui”. Deixar as opções em aberto e manter ligações em “em lume brando” – as backburn relationships – é a forma de manter a distância sem desligar a ficha nem ficar sozinho. é que não. Além disso, a galinha (ou o galo) da vizinhança, à beira de um clique, estimula a vontade de tentar lá chegar, experimentar, usar e, descartar. Conveniência sem compromisso, livre de obrigações e encargos. Isto pode durar uma vida. Ou talvez não, bastando chegar o dia em que se apercebe de ser a sua vez de ficar a chuchar no dedo, no banco de espera.
O que fazer?
Responsabilizar a pessoa e abrir jogo. Tirar a limpo situações dúbias, reposicionar-se e deixar ir expetativas infundadas. É provável que queira sair do limbo em que tem estado por lhe trazer tanta insatisfação e chatices. Há-de chegar o momento de fazer estrada e descobrir que há vida para além do limbo. E por fim à dependência da pessoa que inspirou a canção dos britânicos The XX, “I thought I had you on hold”.
3 – Gaslighting: passar a perna “com amor”
Começa sempre com um comportamento estranho ou inesperado numa situação banal. Por exemplo, alguém desaparece abruptamente após um serão bem passado ou um passeio agradável a dois. Nada faria prever reacções como esta, mas para quem tem um estilo de comunicação dissimulada e com um toque de perfídia situações como esta são normais. Como normais são as táticas de controlo veladas e maléficas que usam para se sentirem bem consigo mesmas, fazendo crer ao outro que é ele o mau da fita. “Fui. É para ver se gostas”.
O fenómeno está longe de ser novo e deve o nome a uma peça de 1938 escrita por Patrick Hamilton, passada ao grande ecrã seis anos mais tarde. Em Gas Light, de George Cukor, há um homem que tenta aniquilar a esposa alterando-lhe a perceção da realidade e levando-a a crer que está louca, que perdeu a sanidade. A vítima é que tem a culpa, mas há que passar a mensagem com brandura. Se funcionar, a pessoa é levada a crer que tem um problema, que está desorientada e perdeu a razão. Quanto mais tentar dar significado ao que está a acontecer, mais aumenta a impressão de estar num beco sem saída – “Isto só pode ser um equívoco, alguma coisa me passou ao lado” – e o estado de abatimento. De esgotamento, até.
Sobreviver ao hábito de ficar na posição top down implica sair deste ciclo vicioso e seus efeitos secundários, no plano mental. Do “não acredito como podes fazer isto” ao “em que é que eu te magoei?”, passando pela humilhação de assumir que o problema é seu e reparar ou justificar o que não é aceitável para “ficar tudo como antes” e aliviar o mau clima.
O que fazer:
“Amor com amor se paga”, ou seja, usar a mesma linguagem pode ser catártico. Porém, dado que exige frieza e calculismo, talvez produza melhores resultados treinar o olhar e a intuição. Acolher a realidade sem o filtro que só deixa ver “o que poderia ser” em vez daquilo que está diante do olhos: dessensibilizar-se do estilo doce e fatal que tende conduz à ruína emocional e ao vazio afetivo. Procurar outros objetos de desejo mais sãos é o remédio e a meta.
4 – Love bombing: as máscaras de Cupido
Aqui entramos no território do sedutor sem escrúpulos e que entra a matar. O objetivo é deixar rendida a pessoa que é eleita como alvo da “seta” pronta a lançar. Ele é posts, sms, telefonemas, flores, atenções. Há ainda as cortesias, os presentes a toda a hora, as declarações sem reservas. Se isto se passou – ou passa – consigo, pense duas vezes. Suspeita da atitude omnipresente, por vezes incómoda, e do registo “needy”, carente, como o felino que faz olhinhos para obter o que realmente quer e depois vai à vida dele? Se começar a dar-se conta de que não tem espaço para respirar e ser quem é quando está com esta pessoa, interrogue-se se não está a ser “comido”, tomado por presa e a resvalar para a submissão embora ainda só esteja na fase inicial de um romance, a da surpresa e do deslumbre.
“Quando vi ou percebi, era tarde demais”. A confissão de quem e deixou enredar no embuste, apesar de as pistas para não o fazer estarem lá. O problema pode não estar exclusivamente no caçador ou no apaixonado inconsequente, mas na credulidade ou na vontade de acreditar no sonho que projetou nele. Com ele, ao lado dele. Porém, desengane-se quem pensa que disparar “sinais de amor” para cativar, consumir e partir é próprio do sexo masculino. Em qualquer dos casos, a sensação provocada no outro é a de sentir-se desejado, amado, refém e enganado, exatamente por esta ordem.
O que fazer:
Devagar que temos pressa. Melhore as suas competências de recrutamento e seleção. Até mesmo para um simples flirt, é crucial ter em conta que o que é demais enjoa e que googlar ou pedir referências da pessoa a quem a conheça não é pecado nem crime. Se prevenir não for possível, aposte em restaurar o seu espaço privado. Ignorar as criticas, as crises de ciúmes, as exigências abusivas e… preserve a distância mínima, seguindo o seu instinto!