“Manda quem pode, obedece quem deve.” A citação, que remonta aos tempos da ditadura, sobreviveu à erosão do tempo e continuo a ouvi-la, de quando em vez, a par do desabafo, não menos popular: “Ah, pois… isso é só para quem pode”. O poder (e seu uso e abuso) tem uma presença obrigatória em milhares de livros, filmes e jogos onde, não raras vezes, se destaca o culto do poder pelo poder. Ao médico britânico David Owen se deve o termo síndroma de húbris, ou vício do poder, “mal” de que muitos líderes padecem e se manifesta através de uma postura arrogante, estilo “quero, posso e mando” e excesso de confiança, a para do desprezo face aos pares e subordinados.
Somos realmente motivados pelo poder? Ou é a capacidade de influenciar outros que confere aura e carisma e dá mais brilho aos dias? Basta fazer uma pesquisa no Google ou no LinkedIn para perceber que os autores são classificados em função do número de pessoas que os citam ou da quantidade de recomendações acumuladas, que os eleva à categoria de influentes (“influencers”). De que se fala quando se fala de poder e de influência?
Decidi investigar, a partir dos efeitos que eles têm nas nossas vidas. Em primeiro lugar: apoderarmo-nos de algo – território, posse de recursos, estatuto – serve de moeda de troca para quê? Mais felicidade? Mais liberdade de ação? Encontrei estudos, maioritariamente na costa oeste dos Estados Unidos (sobretudo na Califórnia, onde florescem as novas teorias sócio-económicas e as pesquisas que relacionam emoções positivas com o poder e a liderança) que derrubam alguns mitos acerca do poder. Assim, ficamos a saber que:
Felicidade não tem relação direta com o Poder de Compra
A pesquisa do psicólogo Daniel Kahneman, publicada há pouco mais de cinco anos (e envolvendo mil americanos), mostrou que os níveis de bem-estar aumentam em função do que se ganha (e pode gastar), mas só até um certo ponto, a partir do qual o poder de compra deixa de ter qualquer influência. O mesmo se aplica à fama e ao estatuto social, que produzem uma satisfação temporária, que só tem continuidade quando se materializa – ou expressa – na criação de valor para outros (uma questão de escala, portanto, mas no plano comunitário ou relacional).
Autonomia tem mais valor que o Poder e a Influência
Três estudos citados na revista The Atlantic – dois europeus e um americano – sugerem que:
– a fome de poder é inversamente proporcional à falta de autonomia
– a autonomia permite ignorar a influência de terceiros nas tomadas de decisão próprias
– só se deseja ter poder (e não influência) para se fazer o que se quer, sem comprometer a autonomia.
Na prática, ter um lugar ao sol, desfrutar da liberdade de escolha para construir o seu destino, idealmente na companhia de outros, que testemunhem esse trajeto e façam parte dele, é uma meta e um fim. Ter poder (traduzido em cargo, dinheiro, titularidade conquistada ou herdada) parece ser o meio para alcançar este patamar e não o inverso.
O Poder Duradouro advém da Empatia
No seu mais recente livro, O Paradoxo do Poder, o investigador Dachner Keltner (Temas & Debates) defende que a abordagem coerciva que conhecemos, ou seja, a mais primária, não tem qualquer sustentação a médio e longo prazo. Estamos a pensar nos condutores com topos de gama e manobras arriscadas, convictos de estão acima da lei, ou os magnatas apostados exclusivamente em capitalizar ganhos próprios, apenas para citar alguns exemplos. Por carecer do apoio de outros que validem a força deste “trono”, este tipo de poder tende a esfumar-se, já que a sua durabilidade depende, em última instância, na capacidade de conceder poder a terceiros. Na sociedade atual, o carisma resulta da forma como forem geridos os recursos pessoais, como a empatia e a compaixão, que permitem fazer a diferença no mundo e influenciar os estados (condições ou estilos de vida) dos outros.
Conclusão: Adeus Tio Patinhas. Adeus Maquiavel (e Guerra dos Tronos, House of Cards ou Lobo de Wall Street). Os homens que ficam para a História parecem ser aqueles que investem na partilha do poder.
5 atributos que têm em comum as pessoas poderosas
Se pensar em nomes que ficaram para a História pelo que fizeram, porque podiam fazê-lo ou ousaram fazê-lo, vai chegar à conclusão de que eles desafiam as ideias feitas que temos acerca do poder e que têm em comum uma ou mais destas cinco características (ou traços de personalidade):
1. Uso Consciente da Autonomia
Saber o que se quer e para onde se quer ir não é necessariamente fácil, mas é essencial para não se perder no caminho e, caso isso aconteça, saber encontrar uma saída construtiva sem danos colaterais. A consciência é para aqui chamada porque tudo o que envolva causas e escolhas implica aceitar um caminho e excluir outro, sem “passar a bola” para terceiros em matéria de responsabilidade. Por isso se diz que os grandes líderes têm momentos em que estão sós, mas nunca ficam sozinhos.
2. Cultivar a Empatia
A capacidade de colocar-se no lugar do outro aproxima e mobiliza, além de criar uma base de apoio sustentável e orientada para o bem comum (aquilo que em estratégia se designa por ganho mútuo). A economia da partilha, em franca expansão, é disto um bom exemplo. Ou seja, pode ser-se muito empreendedor, criativo, inovador, mas se a atitude for “quero lá saber o que é que os outros pensam disto, é assim porque eu quero assim”, a possibilidade de singrar, ou de “ir longe”, para usar uma expressão corrente, tende a ficar comprometida a médio prazo.
3. Treino da Resiliência
Perante a adversidade, as pessoas que assumem o comando da situação exercem a sua autoridade pessoal sem ceder a jogos de poder, ou seja, blindando-se face a atitudes de manipulação, chantagem ou abuso da força. Por outro lado, respondem a situações ameaçadoras com respostas criativas e “fora da caixa”, que desconcertam ou desarmam, na maior parte dos casos, os maiores opositores (e opressores).
4. Cultivar Valores, Criar Valor
Há quem norteie a sua ação pela honestidade. Ou humildade. Ou coerência. Ou generosidade. Qualquer destas “chaves de ignição” tem a potencialidade de inspirar outros e, na sociedade digital, de tornar-se viral por isso mesmo. Grandes ideias e grandes pessoas têm esse raro talento que é despertar nos outros talentos e competências que eles têm em potencial, porque se identificam com as ações e as atitudes daqueles.
5. Motivados por um Bem Maior
“Se é para fazer alguma coisa, que se faça com visão”. E com mestria, já agora. Não era Lao Tzu (filósofo chinês e fundador do Taoísmo) que dizia que o verdadeiro poder tinha base na capacidade de auto domínio? Isto envolve a capacidade de adiar a gratificação e de orientar recursos com uma lógica altruísta, cooperante (mais do que puramente competitiva). As pessoas com este perfil tendem a ser designadas pelos outros como visionárias, porque a sua forma de comunicar une, mais do que separa.