Quando os incêndios rurais, que deflagraram nos últimos dias, não dão descanso quer às populações, quer aos operacionais da Proteção Civil, resgatando imagens à memória dos portugueses dos trágicos incidentes de há cinco anos, Mafalda Anjos alertou, no Olho Vivo, o programa de comentário político e económico da VISÃO, que estes são cenários que não só tenderão a repetir-se, como acontecerão de forma cada vez mais grave, dadas as alterações climáticas, exigindo uma maior responsabilidade do poder político.
“Há negacionistas do clima e até dos incêndios, mas este vai ser o nosso novo normal… Os registos meteorológicos indicam-nos que sempre houve ondas de calor. Mas a frequência, duração e intensidade têm aumentado nos últimos anos, consequência das alterações climáticas. É preciso meter este tema seriamente na agenda pública e política”, defendeu a diretora da revista VISÃO. Uma ideia também apontada pelo jornalista de Economia da VISÃO, Nuno Aguiar, que, admitiu, ser impossível o sistema da Proteção Civil fazer face à rapidez da deflagração dos focos de incêndios.
“Não nos podemos iludir: por mais ambicioso e preparado que seja o Governo, nada vai parar um incêndio a cada dez minutos, como aconteceu ontem [quarta-feira], com calor e seca extrema. Estes fenómenos vão-se repetir e não há muito que possamos fazer”, disse, acentuando que “devemos colocar toda a atenção no aquecimento global”.
“O que não pode acontecer é o que sucedeu em Pedrógão. Foi uma falha da sociedade e do Estado. É preciso proteger as pessoas e proteger o património, mas é muito difícil impedir que hectares e hectares ardam”, argumentou.
Para o jornalista de Política da Visão, Nuno Miguel Ropio, é notório que se está perante “uma grande alteração em relação à atuação quer das autoridades da Proteção Civil, quer do Governo e restante poder político quando comparado com 2017. Então, falou-se de uma desorientação total, apontada pelas comissões de inquérito”. Porém, salientou, “há todo um trabalho que está por fazer, entre as quais medidas e regras que têm de sair do papel, que são apontadas como necessárias por entidades insuspeitas, como é o caso da AGIF – uma agência criada pelo primeiro-ministro para pôr ordem no setor”.
“Sem resolver as falhas estruturais na prevenção e combate aos incêndios temos nas mãos autênticas bombas-relógio, que nos vão estilhaçar mais tarde ou mais cedo, como aconteceu com Pedrógão e Outubro de 2017“, admitiu Nuno Miguel Ropio.
Outro fogo que arde lentamente (há meses): a inflação
Há mais fumo no horizonte, que não vem só das chamas que varrem o País. Há meses que a inflação, a reboque da crise de combustíveis provocada pela guerra na Ucrânia, ensombra qualquer perspectiva de recuperação da economia pós-pandemia, como impede traçar um cenário macroeconómico a longo prazo.
De acordo com Mafalda Anjos, “há uma confluência de múltiplas crises simultâneas, e por isso vivemos tempos muito desafiantes”.
“A inflação já está e vai sentir-se ainda mais no bolso dos portugueses, que vão perder um salário em dois anos. Para os mais pobres, pode ser ainda pior. É preciso perceber o conceito de inflação pessoal, porque o aumento dos preços não pesa da mesma maneira no orçamento das pessoas ou das famílias. As classes mais desfavorecidas são mais penalizadas”, frisou a diretora da revista VISÃO.
Nuno Aguiar guia a sua análise pelo mesmo diapasão: “Não estamos habituados a viver uma crise como a atual, em que um crescimento económico alto e desemprego controlado convivem com perdas de poder de compra generalizadas“.
“O défice deve voltar a bater a sua meta anual. Por isso é mais misterioso o posicionamento do Governo, que tem sido muito conservador no dinheiro que gasta”, sinalizou o jornalista de Economia. “Por todo o mundo, temos múltiplas crises, que não vivem isoladamente, potenciam-se. Depois de termos tido o maior crescimento em várias décadas, temos agora a maior desaceleração em 80 anos.”
Já para Nuno Miguel Ropio, “há necessidade de políticos de músculo a nível europeu que não se fiquem pela discussão de sanções à Rússia”. “Estes níveis de inflação, que percorre os países europeus, exigiriam mudanças no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), já que vai impactar com aquilo que eram as estratégias de cada Estado sobre a sua aplicação. Fazer obra com fundos do PRR sem inflação é completamente diferente do que tentar fazê-la com o cenário atual. Tal como parece não existir uma adaptação do quatro orçamental do Portugal 2030”, disse o jornalista de Política da VISÃO, que duvida se “não haverá aqui uma falta flagrante de resposta por parte das autoridades da União Europeia, ao ponto de não existir sequer sinais de aligeirar o cumprimento do Tratado Orçamental” ou quando “o Banco Central Europeu anunciou, há uma semana, o fim da compra de dívida dos Estados-membros”.
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