“De uma prisão a céu aberto, Gaza passou a ser um inferno a céu aberto”. Foi desta forma explícita que Isabel Mendes Lopes, Líder Parlamentar do LIVRE, ilustrou a situação da Palestina no debate de actualidade por nós proposto no Parlamento em Junho.
Quase dois meses depois a situação continua a piorar, comprovando que no inferno existem realmente vários círculos e que para o Governo de Israel, terroristas e inocentes merecem o mesmo nível de um tratamento demoníaco que se tem revelado terrível. Basta recordar que esta semana começou com um ataque israelita que matou pelo menos 100 pessoas numa escola em Gaza, num momento em que se encetava novo esforço negocial para um cessar-fogo.
Ninguém pode ser indiferente ao tormento porque passaram os Israelitas com os eventos de 07 de Outubro (os quais, aliás, o LIVRE foi o primeiro partido a condenar em declaração política na Assembleia da República), nem às circunstâncias históricas em que se construíram este Povo e este Estado. Mas Israel tinha várias respostas ao seu dispor e a obrigação de tomar outras opções, pela dignidade internacional que ganhou nos últimos 80 anos e pela base moral e humanitária que fundou a construção do seu país, devendo ter mantido na memória que não existe culpa colectiva e que nunca toda uma população deve ser punida por atos de uma organização que neste caso nem sequer a representa.
Nestes 300 dias não houve zonas seguras em Gaza. Qualquer alvo foi admissível e nada escapou ao ódio imposto por Netanyahu, tendo-se já perdido a conta ao número de locais bombardeados, desde escolas a hospitais, edifícios das Nações Unidas, Crescente Vermelho e outras organizações humanitárias, universidades, armazéns com bens essenciais doados, campos de refugiados, ambulâncias, mesquitas e igrejas…
E tudo a mando do Primeiro-Ministro acusado pelo Tribunal Penal Internacional de crimes de guerra e contra a humanidade e da extrema-direita que o suporta no poder. Contudo, a reação pública de Israel segue sempre a mesma cartilha, primeiro negando qualquer acto ou culpando outrem, para depois, quando os factos ficam à mercê do mundo, acabar por admitir os actos hediondos com a justificação de que estavam ali terroristas.
Não pode ser ao acaso que mais de dois milhões de pessoas estejam a passar fome, vivendo em tendas, sem água potável ou saneamento, forçadas a evacuar para norte ou sul da faixa consoante o vento que sopra de Israel. Ou que mais de 80% dos edifícios tenham sido destruídos, e menos de 14% dos hospitais e 13% das escolas continuem a funcionar (a maioria com grandes limitações), e já não exista qualquer universidade em Gaza (eram 12). Ou que, a juntar ao brutal número de mortos, tenham sido já atestados por analistas internacionais atos de tortura e violência sexual contra civis por parte das forças armadas e de segurança de Israel.
Há muito se percebeu a opção de quem gere o Estado de Israel. Foram assassinadas mais de 40 000 pessoas em Gaza (14 000 crianças) nestes 300 dias de barbárie e crimes de guerra, comprovando que há extremistas e radicais dos dois lados da fronteira e que também em Israel existe quem queira limpar todo um povo dum território que deveria ser compartilhado pacificamente por dois Estados, solução que o LIVRE defende desde a sua fundação, há mais de uma década.
É urgente parar com este massacre feito em directo, e obrigar Israel a uma trégua e a iniciar um processo de paz. Esta tem sido a posição digna do Secretário-Geral da ONU, mesmo debaixo de duras críticas por parte dos mais radicais. Mas foi também a posição do Conselho de Segurança, que em Junho aprovou uma Resolução com um plano para um cessar-fogo de seis semanas e uma fase de pacificação, a que se seguiria a reconstrução de Gaza. A Assembleia-Geral da ONU tem sido ainda mais clara, sempre no sentido do reconhecimento da independência da Palestina, tendo na última ocasião sido aprovado por 143 Estados (em 177).
Quanto à União Europeia, tem havido evolução favorável ao reconhecimento do Estado Palestiniano, com Espanha, Irlanda e Noruega a fazê-lo no final de Maio. Já os partidos portugueses de centro-direita e direita, bem como o Governo de Luís Montenegro, ao contrário do proposto pelo LIVRE naquele debate de actualidade, mantêm uma posição que obsta a este reconhecimento com a justificação de que isso permitirá maior capacidade de mediação do conflito, como se fosse possível mediar com justiça dois povos a que não se reconhece a mesma dignidade. Pelo contrário, só será possível alcançar uma paz duradoura e evitar a lei do mais forte com o reconhecimento da Palestina livre, pois é essa a condição que atribui legitimidade jurídica e política para evitar que um Estado reconhecido se sobreponha pela força e sem oposição a um Estado proclamado.
Há apenas uma solução para este conflito de décadas: independência, liberdade e reconstrução da Palestina e do seu povo. O mesmo a que o povo de Israel teve justamente direito após a barbárie que foi o Holocausto.
OUTROS ARTIGO DO MESMO AUTOR
+ Rumo traçado: uma União de futuro ou a Europa do passado?
+ Em defesa dos direitos estudantis, hoje e sempre
+ Venham mais cinco para que venham mais cinquenta
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.