A mais bela revolução do Século XX veio em flor há 50 anos, e tal como o cravo exige especial atenção para desabrochar e se manter, também a Democracia necessita de permanente cuidado para não esmorecer.
Os indicadores são claros. Num dos últimos estudos sobre a relação dos Portugueses com a Democracia, apesar da grande maioria considerar o regime democrático preferível, quase metade entende que um governo de homem forte pode ser uma boa solução mesmo sendo um governo autocrático. Noutro estudo realizado em 24 países conclui-se que mais de metade das pessoas estão insatisfeitas com o funcionamento da Democracia.
Isto significa que há cada vez mais órfãos da Democracia, pessoas que sentem que o regime democrático não foi capaz de melhorar a sua situação e garantir-lhes as condições de vida digna que ambicionam. Não basta apelar a que, por princípio, se prefira a Democracia imperfeita à ditadura. Não é suficiente apontar quão pior a vida poderia ser sob o manto autoritário visto que esse argumento pouco convence quem já vive precariamente sobre o estrado democrático.
Devemos antes demonstrar que o regime onde existe democracia é o único que permite, através da participação individual na comunidade político-social, transformar objectos de desejo político em realidade, seja pelo voto, manifestação, associação, petição, ou por outros instrumentos de intervenção pública que só a Democracia assegura. É necessário provar a cada dia isto mesmo: a Democracia corresponde a uma busca perfecionista que nunca se satisfaz, um esforço incansável e permanente para melhorar a vida das pessoas e o funcionamento do País, a procura incessante de progresso em prol da vida de todos.
No LIVRE sabemos que a nossa Democracia e Estado de Direito foram conquistados a duras penas e que a tranquilidade democrática que vivemos é um sonho radiante que se pode acinzentar até virar um pesadelo sombrio, ou do qual é possível ser bruscamente acordado. Por isso propomos aqui cinco relevantes alterações ao funcionamento do nosso regime que o podem robustecer com uma maior participação cidadã, evitando a erosão democrática que se tem sentido e permitindo que dure mais cinquenta anos enquanto Democracia viva. Queremos que venham mais cinco para que venham mais cinquenta.
A primeira mudança corresponde a uma ambição tão antiga quanto a nossa Democracia, a Regionalização. A implementação das regiões corresponde a um salto democrático na nossa vida comunitária. Permite no mesmo passo contribuir para o reforço da participação democrática na gestão do território e da comunidade através da eleição dos representantes regionais, e a melhoria da coesão territorial e do desenvolvimento do País graças a decisões regionalmente pensadas e motivadas e à implementação de medidas dirigidas à realidade regional.
Por outro lado urge a reforma eleitoral que crie um círculo de compensação nacional. O facto de milhares de Portugueses estarem destinados, pelo local de voto, a eleger candidatos de apenas 2 ou 3 partidos é um desserviço à valorização do regime democrático. A criação deste círculo permite reafirmar o voto de quem vive no interior e quer influenciar as opções do Estado, recordando as forças políticas da igual importância de toda a população e território.
É também importante apostar nas Assembleias Cidadãs, fortalecendo a democracia representativa com traços de democracia direta e deliberativa. Estas Assembleias, compostas por cidadãos convocados de forma aleatória e rotativa, permitem uma auscultação menos filtrada das preocupações e anseios da população, bem como deliberações mais fiéis aos desejos políticos da comunidade.
Reforçar a centralidade e as competências do nosso órgão de democracia representativa, o Parlamento, enquanto se reforça o seu contacto directo com o povo, é também crucial. Seja quanto a uma maior acessibilidade às Iniciativas Legislativas de Cidadãos e aos Referendos ou ao fortalecimento do papel de escrutínio de outros poderes que este órgão já detém, passando por exemplo a realizar audição prévia a futuros Ministros e altos dirigentes ou a eleger os representantes do País junto de entidades como a União Europeia.
Por último, é necessário assumir que a Democracia só é saudável se houver um escrutínio atento, o que se consegue com uma comunicação social forte e com os meios necessários à análise jornalística séria. Enquanto bem de interesse público, o jornalismo (mormente o de investigação) deve ser apoiado pelo Estado através de financiamento direto, apoios e incentivos indirectos, e da melhoria das condições da carreira jornalística.
Apenas com constante aperfeiçoamento é possível convencer a população de que a Democracia é o modo certo de conduzir o nosso destino colectivo. O autoritarismo impõe à força as ideias de omnipotência e perfeição; já a Democracia plena é magnânima pela franqueza com que revela as suas fragilidades, reconhecendo insuficiências e corrigindo-as a partir das preocupações e esforços da comunidade que serve.
Para que o cravo não esmoreça, o LIVRE tem-se dedicado a pensar e propor alterações que reforcem os valores democráticos que Abril nos legou, que voltem a atrair e fazer acreditar aqueles que se desiludiram, que resolvam as dificuldades das pessoas para quem Abril ainda não se cumpriu. Só teremos toda a população a cuidar do regime democrático quando a Democracia cuidar de toda a população.
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+ Em defesa dos direitos estudantis, hoje e sempre
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