A maioria absoluta socialista está a começar como sempre julguei que ia acabar: cheia de si. Inebriada consigo mesma. E incapaz, por esse facto, de ver que uma maioria absoluta não se deve converter em indiferença absoluta.
Quando o Príncipe é magnânimo, por norma os eleitores não se opõem ao seu poder absoluto. Contudo, se o vêem rude, deslumbrado, insensível, arbitrário, ingerente, revoltam-se. Até agora, o PS foi tudo isto. Vejamos.
Rudeza
Na sua tomada de posse, António Costa garantiu que a sua maioria absoluta não redundaria em poder absoluto. Ainda não o vimos cumprir a promessa, mas já o vimos ser grosseiro. E logo nessa tomada de posse.
Referindo-se a um antecessor, Cavaco Silva, afirmou que fez “parte de uma geração que se bateu contra uma maioria existente que tantas vezes se confundiu com um poder absoluto”.
A delicadeza e o trato institucional ditam que fiquem na refrega eleitoral as tricas que à luta partidária dizem respeito. É a cortesia que deve imperar num discurso tão relevante quanto uma tomada de posse.
Deslumbramento
Mas, terá começado aí o mau caminho desta maioria? Não. Começara dias antes, quando se desrespeitou o Presidente da República naquela fuga de informação sobre a composição do Governo. Só um partido que crê que se basta a si mesmo consegue esquecer a separação de poderes.
Insensibilidade
Desde 20 de Agosto de 2019 que a Ministra da Saúde afirma estar a concluir a revisão da rede de cuidados maternos e obstétricos. Agora, uma mãe perdeu a sua criança por causa do caos que se vive precisamente nessas urgências de obstetrícia. A maior perda que pode existir. Nenhuma palavra sobre isso ouvimos do Governo. Nenhum pedido de desculpas.
O caos no SNS não é um problema novo. Novo é que nem disfarçam a insensibilidade e a incapacidade.
Arbitrariedade
O Ministério Público pediu o levantamento da imunidade parlamentar de dois deputados. Um de direita, outra de esquerda. A maioria parlamentar recusou-se a permitir que Mariana Mortágua respondesse em tribunal. Não me lembro da última vez que o Parlamento negou semelhante pedido ao MP. Finalmente a esquerda alcançou a “imunidade de grupo”…
Ingerência
A cooptação de um juiz para o Tribunal Constitucional. Um processo habitualmente pacífico, equilibrado e recatado. Com esta maioria até isso está em perigo, como se viu no passado mês, com a polémica guerra de facções políticas no seio deste órgão.
O povo tem um ditado que Costa não tem nem vontade nem capacidade de contrariar: “quem semeia vento, colhe tempestade”.
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