Ao contrário do que diz o ditado, tenho para mim que, no Algarve, é nas pontas que está a virtude. O Algarve do meio é o Algarve dos parques aquáticos e das discotecas para 3000 pessoas, o Algarve das filas de trânsito para a praia, dos prédios em cima da areia e das bifas cor de lagosta e mini-saia. O Algarve dos lounges, sunset parties e happy hours, das festas da espuma e das noites brancas, o Algarve onde um café custa 1,5 euros, os menús estão escritos em três línguas, o chicken piri-piri é rei. Das Kikis cheias de plásticas a dançar noite dentro no T Club e das selfies diárias com o update da indumentária da moda. O Algarve que é Allgarve, onde as sardinhas são “on carvon”, as laranjas vêm de Espanha e onde a mini foi substituída pelos shots. Esse, o Algarve Mau, é o dos turistas que chegam em hordas nos charters e preferem estar de piscina a sujar os pés de areia.
É pois nas pontas que está a virtude, o Algarve Bom. De Sagres a Portimão, grandes ativos de qualidade compensam as tardes ventosas e as noites frias. Sophia, que se enamorou pela costa de Lagos, é que tinha razão. A Meia Praia não é só dos Índios, também tem manhãs plácidas e muita areia para dividir pelos depositantes de toalhas sem que tenham de pisar os calos uns dos outros. O Algarve da imensidão do mar de Sagres ou do surf no Zavial e na Praia do Amado. Da pitoresca Aljezur e da encantadora e surpreendente Serra de Monchique, que a Sul não há só praia. Dos petiscos de Vila do Bispo, onde o marisco sabe mesmo ao prefixo. O Algarve da Mexilhoeira Grande, terra que viu nascer o Vila Lisa, essa catedral dos sabores algarvios, da canja de conquilhas, dos carapaus alimados, do pernil assado e o queijinho de figo acompanhado de medronho do bom. Não esquecer, para este balanço, de outros ativos importantes como a belíssima ria do Alvor, as praias rochosas, as lombas de areia desertas ou os sítios fartos para pescarias e mergulho.
Do outro lado, de Faro até à fronteira, estamos de novo no Algarve Bom. Aquele da zona velha da capital de distrito, da Rua do Crime e dos restaurantes de bom peixe nos enclaves das muralhas do forte e das casas senhoriais. Das ilhas da Fuzeta e da Armona, de mar azul e areias brancas de postal, onde se pode ser muito mais feliz numa casinha de pescador do que num resort de cinco estrelas.
O Algarve do polvo de mil maneiras de Santa Luzia, das vistas de Cacela, das areias da Terra Estreita. Da Tavira cheia de graça, da medieval Castro Marim e da Vila Real de Santo António cada vez mais bonita, a anos-luz da vizinha Ayamonte, outrora a irmã cobiçada onde se ia lavar as vistas e comprar caramelos e chouriços. O Algarve do restaurante Noélia e Jerónimo, onde se come a divinal raia alhada, as pataniscas com açorda de conquilhas ou o polvo trapalhão com batata-doce. Onde os mercadinhos vendem peixe pescado durante a noite, figos de casca negra acabados de colher, uvas com sabor de antigamente, tomates coração de boi doces e de acidez perfeita, azeite a granel e laranjas não harmonizadas tão doces que surpreendem a cada dentada. Onde há gelados de alfarroba, arroz de lingueirão com peixe frito e morgado de figo.
O Algarve Mau, que em tempos se apregoou que estava sólido e se deteriorou debaixo das vistas dos reguladores e pensadores de turismo, esse tem um caminho difícil. É o Algarve Bom, com ativos de valor incalculável para o balanço nacional, que temos de salvar. Não podemos deixar que se contamine.