“O vosso labor é maldição e desejo de esquecerdes quem sois.“
Friedrich Nietzsche
Na última semana, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) deu início a um ciclo de plenários que abrange todas as 23 comarcas do País. O objetivo é simples, mas urgente: identificar os obstáculos que comprometem o funcionamento do Ministério Público e no final elaborar um caderno reivindicativo.
Os testemunhos que chegam dessas reuniões não são novos. Há anos que se acumula o desequilíbrio entre o que se exige aos magistrados e os meios que lhes são disponibilizados.
O recente Questionário sobre a Sobrecarga Horária dos Magistrados, promovido pelo SMMP, veio confirmar o que já se sentia no quotidiano: um sistema que sobrevive à custa do sacrifício pessoal e familiar dos seus profissionais.
Os números falam por si: dos 371 magistrados inquiridos, 92,2% trabalham à noite e 95,4% ao fim de semana, acumulando em média mais de 22 horas adicionais por semana. Estes dados revelam uma normalização do extraordinário: trabalhar fora de horas deixou de ser exceção para se tornar regra.
Mas o problema é mais profundo do que uma questão de horário. Está em causa a sustentabilidade do próprio exercício da justiça. Um sistema que exige constantemente mais do que os seus profissionais podem dar — sem lhes oferecer condições adequadas — acaba inevitavelmente por se fragilizar. A dedicação transforma-se em cansaço, e o sentido de missão, em desânimo.
Nos primeiros plenários realizados, em Santarém, Leiria, Coimbra e Viseu, as queixas repetem-se: infraestruturas degradadas, infiltrações, falta de climatização, escassez de funcionários, falhas de segurança, escassez de magistrados, e uma sobrecarga de processos que desafia qualquer limite humano. É difícil exigir excelência a quem trabalha em condições que o próprio Estado não garantiria em outros setores.
Ainda assim, os magistrados continuam a cumprir. Continuam a assegurar o serviço com profissionalismo e ética, mesmo quando o sistema parece funcionar contra eles. Essa perseverança é admirável, mas também inquietante, porque nenhum serviço público deve depender da abnegação permanente dos seus servidores.
A sobrecarga dos magistrados não é um problema isolado, é o sintoma de um modelo de justiça estruturalmente insustentável. E a resposta não pode ser a resignação, nem o heroísmo silencioso. É preciso reconhecer que a qualidade da justiça depende da dignidade de quem a exerce.
Reforçar recursos humanos, racionalizar tarefas, dar condições de trabalho condignas ao exercício da função e respeitar os limites humanos do trabalho não são favores corporativos — são condições para que o Estado possa continuar a servir os cidadãos com justiça e eficácia.
Porque nenhuma democracia sólida se constroi sobre o esgotamento daqueles que a fazem funcionar, e os magistrados do Ministério Público estão exaustos e desanimados, sendo urgente uma resposta que lhes permita retomar o equilíbrio, a motivação e as condições indispensáveis ao exercício pleno da sua missão.
Mais do que reivindicar melhores condições de trabalho, trata-se de defender a própria credibilidade e eficácia da justiça.
Um Ministério Público forte e valorizado é garantia de uma sociedade mais justa, transparente e confiante nas suas instituições.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.