1 – Não vou repetir o óbvio sobre os resultados das autárquicas. Tendo em conta que em eleições eles não se avaliam só pelos “números” finais em si, mas pela comparação com os anteriores, os objetivos definidos e as expectativas criadas, de forma telegráfica na minha leitura destaco:
a) uma “vitória” do PS com numerosas sombras e derrotas muito significativas, o que lhe dá um sabor (quase?) amargo;
b) uma “não vitória” do PSD, para o partido e seu líder (idem para o CDS) com mais sabor, peso e consequências de vitória do que a “vitória” do PS;
c) a confirmação da trajetória eleitoralmente descendente do PCP e da incapacidade do BE se afirmar fora dos principais centros urbanos (como o PAN) e da irradiação das suas três estrelas, Catarina, Joana e Marisa; d) o sempre crescente número e sucesso de candidaturas sem chancela partidária;
e) o sinal da dimensão do Chega e da Iniciativa Liberal, esta com tendência para aumentar (e os votos de ambos, de certeza na sua maioria saídos de anteriores votantes do PSD, só faz avultar o êxito de Rui Rio).
2 – Em relação ao PS, os seus maiores desaires foram talvez em Coimbra e, sobretudo, em Lisboa. Ora, lembro o que aqui escrevi logo a 26 de fevereiro: “A candidatura de Carlos Moedas à Câmara de Lisboa é uma boa notícia. E não só para o PSD. Porque é de toda a conveniência haver bons candidatos – para haver bons autarcas. (…) Também em Coimbra o PSD de Rui Rio terá um cabeça de lista de peso, José Manuel Silva (…). Se a isto acrescentarmos as coligações com o CDS e outros acordos, torna-se evidente um efetivo potencial de vitória.”
“Sendo assim, o que fará o PS? Creio óbvio que devia (tentar) fazer também coligações ou acordos. De imediato pelo menos em Lisboa (…). Se quando estavam de costas voltadas PS e PCP se conseguiram entender para conquistar a câmara, será incompreensível e um enorme erro político, 32 anos e um acordo de governo depois, não fazerem nada nesse sentido.”
Pois é… E houve ainda outros erros, como uma sobredose de António Costa e a contestável abordagem/martelagem de temas como o dos fundos europeus. Enfim, tudo, resultados incluídos, a constituir um aviso sério ao primeiro-ministro, a exigir menos autossuficiência, mais abertura e humildade democrática.
Sobre Moedas voltarei a falar noutra altura. Sobre Fernando Medina sublinho a forma exemplar como soube perder – e estou certo de que continuará a ter um assinalável futuro político, a (re)começar já, talvez, num próximo governo.
3 – O MAI informou, e todos repetiram, que a abstenção foi de 46,3%, a segunda mais alta em autárquicas. Percentagem obtida a partir do número de inscritos nos cadernos: mais de 9,310 milhões. Ora o País tem, censo de 2021 (arredondo os números), 10, 347 milhões de habitantes, dos quais um milhão e 390 mil com idade até aos 14 anos; e, mantendo a proporção, mais 300 mil até aos 17. Ou seja, quase um milhão e 800 mil com menos de 18. Assim, os eleitores, vivos e residentes no País, não podem ultrapassar os 8,550 milhões, menos cerca de 760 mil do que os inscritos. A abstenção real terá sido, pois, de cerca de 40% e não de 46,3%. Ou estarei enganado e alguém fará o favor de esclarecer?