Comecei esta crónica demasiadas vezes para não perder o fio à meada. O bebé dorme cada vez menos e exige cada vez mais atenção. Os dias podem ser muito duros fisicamente e um teste à sanidade mental. Mais de seis quilos embalados em braços e as minhas omoplatas gritam. Um cérebro de mãe, programado para não suportar o choro da sua cria, cozendo na panela de pressão dos indecifráveis gritos, enquanto percorre a checklist: Fome não pode ser. Está com a fralda seca, será que tem assadura? Não tem frio com certeza, será que me esqueci de cortar alguma etiqueta daquelas que picam? Precisará de arrotar? É melhor erguê-lo. Talvez esteja cansado da posição, ou impactado com a novidade da existência. Terá saudades da minha barriga? Vou pô-lo no marsupial a ver se resolve. Resolveu. Ufa! Ai as minhas costas…
Quando se sucedem os dias em casa, comunicando pouco com adultos e perdendo as horas no ciclo infinito: amamentar – pôr a arrotar – mudar a fralda – adormecer – aproveitar para fazer alguma tarefa doméstica – repetir, a solidão começa a pesar. E se as hormonas (ainda turvas do pós-parto) não facilitarem, dou por mim a chorar só porque alguma coisa caiu ao chão, ou porque a torradeira avariou. Tudo se torna pessoal. Tudo é uma grande injustiça.
Já agora uma nota de profundo respeito por todas as mães que criaram os seus filhos sozinhas. Isto é sem dúvida um dos trabalhos mais difíceis do mundo e a solo nem imagino! Merece um R-E-S-P-E-C-T ovacionado à Aretha Franklin, por um coro de querubins do funk.
E, depois, os momentos dona-de-casa-desesperada. Como quando, entre fraldas, o bebé resolve fazer xixi, molhando a gaveta aberta (lá se vai a roupa limpa e perfumada a alfazema) e as minhas calças, só para parecer que eu própria fiz xixi pelas pernas abaixo. Ou quando bolsa consecutivamente todos os fatinhos e babetes lavados. Quando berra no banco de trás do carro no para-arranca. Quando há que subir as escadas do prédio de mochila às costas, cadeirinha do bebé numa mão e sacos de compras na outra. Quando no parque de estacionamento não há espaço suficiente, entre o nosso carro e o do lado, para abrir a porta e tirar o bebé. Ou quando uma viagem porto-lisboa demora cinco horas, com paragem em todas as estações de serviço e tralha a bater no teto.
É que, de repente, temos de introduzir no nosso quotidiano berço, alcofa, carrinho, cadeirinha, espreguiçadeira, esterilizador, intercomunicador, muda-fraldas, banheira, todo um enxoval de roupa, lençóis, mantas e atoalhados, forro para isto e para aquilo, fraldas e toalhitas, cacarecos e quinquilharias… Como é que um pequeno ser, que ainda agora chegou ao mundo, pode ter tanta coisa e ocupar tanto espaço, mesmo que tentemos cingir a coisa ao essencial?
Já para não falar da missão de amamentar de três em três horas, noite e dia. Com um eventual tempinho, entre uma refeição e outra, para ir arejar a fronha à rua, se houver ajuda, mas com a trela muito curta, porque o bebé tem de comer. Cabecear de sono, nos repastos da madrugada, mas sempre alerta para não abafar a criança. Com as camisas molhadas de leite. Descabelada. De olheiras fundas, mas, apesar de tudo, completamente apaixonada.
Não sei se é o sorriso com covinha só de um lado. Se é o hálito a leite morninho. Ou a pele de pêssego e as regueifinhas. Não sei se é o instinto, a ocitocina, ou a evolução da espécie. Mas é irresistível. Estou desarmada. Cada dia mais prisioneira. Abnegada àquele ser que, embora aparentemente fofo, não mostra um pingo de empatia pelas minhas dores e cansaços. Que me faz comer a comida sempre fria. Que me impede de ir em paz à casa de banho. Que nunca me deixa dormir só mais um bocadinho. Nem fazer seja o que for, senão suprir todas as suas necessidades, adorando-o como a coisa mais preciosa do universo (que é). Estou refém. Resumindo, a maternidade perfaz o mais claro e profundo quadro de Síndrome de Estocolmo e agora tenho de ir que ele está a chorar.
(Opinião publicada na VISÃO 1369 de 30 de maio)