O honesto, ponderado e transparente uso dos recursos públicos postos à disposição de uma instituição, qualquer que seja, é o dever primeiro dos seus responsáveis. E constitui grave violação desse dever a sua utilização para fins que não aqueles a que se destinam. O que é ainda mais grave se o for para benefício pessoal de quem “manda” na instituição; e mais chocante quando a instituição tenha altos desígnios humanitários. Como é o caso da Raríssimas e das imputações feitas à sua presidente numa reportagem da TVI, à partida merecedora de toda a credibilidade e que a não surgirem improváveis factos que o desmintam ou desvalorizem constituirá um bom exemplo de jornalismo. A seu propósito já imenso se disse e escreveu, incluindo muitas obviedades, que não vou repetir, e coisas tremendistas, que não vou contestar. Noto só ser indiscutível a necessidade do Estado fiscalizar bem o uso das verbas que concede, mas que o número das ações inspetivas e os processos em curso mostram que algo tem sido feito, mas porventura se imporá agir mais também a montante. E chamo a atenção para três coisas.
1 – É inadmissível, e de certa baixeza, insinuar qualquer responsabilidade em comportamentos condenáveis, delituosos ou irregulares, de quem “manda” numa IPSS por parte de quem solidária e graciosamente para ela trabalhou, teve ou tem algum cargo. Mas só tais insinuações explicam que até conhecidas personalidades integrantes do conselho consultivo da Raríssimas tenham sentido necessidade de vir a público como que justificar-se. E, se não simples incompetência, insinuação é também perguntar ao ministro Vieira da Silva, numa conferência de imprensa, se ele se ia demitir, por ter sido vice-presidente da assembleia-geral da Raríssimas (entretanto demitiu-se o secretário de Estado da Saúde – mas esse, atenção, foi pago, e bem, como consultor…).
2 – Casos assim, e o acima sublinhado, pode(m) levar a que muita gente que apoia IPSS, com o seu trabalho, o seu saber ou o seu dinheiro, o deixe de fazer. E esta é uma preocupação que todos, incluindo os jornalistas – na minha ótica com especiais responsabilidades como cidadãos –, devem ter: não prejudicar, antes beneficiar, as instituições de solidariedade social, denunciando o que deve ser denunciado, sem generalizações ou permitindo interpretações abusivas que as afetem a todas.
3 – Ao contrário da reportagem da TVI, foi lamentável, para não dizer indecente, a da RTP sobre uns processos em que filhos foram retirados à guarda das mães. Não cabe aqui contá-la, importa é que, pela forma como estava construída, dela resultavam possíveis suspeitas lançadas sobre o conselheiro Armando Leandro (ouvido na reportagem), muitos anos, e até há pouco, presidente da Comissão de Proteção às Crianças e Jovens em Risco – e presidente da Associação Crescer-Ser, que tem lares de acolhimento para essas crianças. Ora, Armando Leandro, figura impoluta e generosa, pertenceu logo ao primeiro núcleo de apoio às crianças vítimas de maus-tratos, com outros juristas e médicos andou pelo País a bater-se por essa causa – e para ajudar a concretizá-la foi um dos fundadores e dirigente daquela Associação, sem nunca ser remunerado, antes para ela contribuindo até financeiramente. Impõe-se uma reparação moral por parte da RTP.
(Attigo publicado na VISÃO 1293, de 14 de dezembro de 2017)