A União Europeia enfrenta um dos momentos mais decisivos da sua existência. Novos desafios, alguns deles de dimensão gigantesca, acumulam-se a um ritmo a que os líderes dos 27 não estavam habituados. Com uma agravante: a maioria das ameaças exige, cada vez mais, respostas urgentes, concertadas entre todos e com uma ambição que represente um compromisso com o futuro. Ou seja, tudo aquilo que, desde há alguns anos, tem faltado à União Europeia, em especial desde que se acomodou à ilusão de que estava no centro do mundo, negligenciando as transformações que iam ocorrendo nos outros grandes blocos económicos e políticos.
Os relatórios recentes de dois ex-chefes de governo italianos, Enrico Letta e Mário Draghi, sobre o estado da UE, não foram brandos no diagnóstico nem no caminho que a Europa precisa de seguir para não cair no risco da irrelevância. Ambos foram coincidentes no “desafio existencial” que o bloco de 450 milhões de consumidores enfrenta se os 27 países, no seu conjunto, não conseguirem tornar-se mais produtivos, eficientes e competitivos. Isto, claro, sem perderem os valores de equidade e de coesão social, que fizeram deste espaço um exemplo para o mundo.
O tempo começa a esgotar-se para tentar inverter a situação. Entalada entre a ameaça militar da Rússia, a do crescimento industrial e comercial da China e, agora, a do súbito abandono dos EUA, por causa do regresso de Trump, a Europa não tem outra alternativa que não seja a de encontrar formas de conseguir unir esforços e afirmar-se como uma verdadeira potência global. Precisa, para isso, de ser autónoma em matéria de defesa e segurança, mas também de modernizar a sua indústria, impulsionar a inovação tecnológica e afirmar-se como um espaço capaz de criar empresas que, nas áreas mais decisivas do futuro, possam ter um desempenho global. Não é admissível, por exemplo, que no atual momento de explosão da Inteligência Artificial não exista uma única empresa europeia na primeira divisão da competição que se adivinha decisiva para o futuro. Ou, se calhar, nem sequer na segunda divisão, tal é a distância que nos separa das grandes tecnológicas dos EUA e da China. E isto sucede unicamente porque nas questões vitais que determinam a competitividade, a Europa não funciona como um bloco, mas antes como uma “associação” fragmentada de 27 países, tantas vezes com cada um a puxar para o seu lado, apenas interessado em aniquilar o concorrente vizinho, sem perceber que, no fim, acabará por ser “comido” pelo gigante americano ou chinês. Ou, como se advinha para breve, a ver a sua faturação diminuída pelas tarifas impostas pelo “amigo” de Washington.
Grande parte da crise atual de competitividade da Europa está diretamente ligada ao abrandamento económico da Alemanha, onde a indústria, especialmente a automóvel, enfrenta uma série de desafios existenciais: altos preços de energia, concorrência feroz dos asiáticos e uma quebra acentuada de empregos, devido à transição para os motores elétricos.
É neste cenário que, dentro de poucos dias, a Alemanha vai a votos. No entanto, apesar da crise do seu modelo industrial e energético, da incapacidade manifesta para reavivar a sua economia e com um problema dramático de habitação, nomeadamente para os mais jovens, o primeiro debate televisivo entre os dois principais candidatos a chanceler, nas eleições de 23 de fevereiro, foi dominado nos 30 minutos iniciais pelo tema da… imigração. Ou seja: o tema preferido e mais “martelado” pelos neonazis da AfD, que nem precisaram de participar no debate para imporem a sua agenda e ganharem o duelo, mesmo com falta de comparência.
Esta não é uma originalidade alemã, mas antes o sintoma de algo mais vasto, a que se assiste um pouco por toda a Europa: a aceitação dos partidos do centro em tornarem o tema da imigração como prioritário no debate político, por pressão da extrema-direita, só pelo medo de perderem votos e por não terem soluções para contrariar o discurso de ódio contra os estrangeiros, que se tornou a bandeira principal dos populistas radicais.
Perante a concorrência dos EUA e da China, e ameaçada pela força militar da Rússia, o problema principal da Europa não é a imigração, mas sim a falta de competitividade e a perda de inovação. E os que querem destruir o sonho europeu sabem-no melhor do que ninguém. Por isso, no encontro de partidos de extrema-direita realizado em Madrid, no último fim de semana, nenhum dos seus dirigentes ergueu a voz sobre as tarifas que Trump quer impor aos produtos europeus nem a necessidade de a Europa passar a gastar mais em Defesa – dois problemas que exigem uma resposta urgente. Também não se ouviram apelos à modernização industrial ou a mais inovação tecnológica – dois temas essenciais para a existência da UE.
Aos populistas radicais só interessa explorar o medo e gritar contra a imigração “descontrolada”. Até porque já perceberam que resulta: criam incerteza nos partidos do centro, ganham votos e, por essa via, impedem que se discuta o que verdadeiramente é existencial para o futuro europeu e para o nosso modo de vida.
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