É oficial: os últimos dois meses foram os mais quentes de sempre (desde que há registos), segundo o observatório europeu Copernicus. Para esse resultado contribuíram as ondas de calor que atingiram a maior parte da Europa, as temperaturas anormalmente altas em redor do Círculo Polar Ártico, bem como os enormes incêndios que deflagraram na Sibéria e no Alasca que, diz o mesmo organismo europeu, fizeram libertar mais de 100 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera entre junho e julho.
Se esta tendência se mantiver, tudo indica que 2019 está a caminho de ser o ano mais quente de sempre, o que começa a gerar ondas de preocupação um pouco por todo o lado – menos em Portugal, onde as temperaturas se têm mantido abaixo do que tem sido normal. Com a meteorologia a contrariar o clima, neste verão temos feito o papel que, noutras alturas, criticámos aos outros e que, infelizmente, tem sido a postura normal da maioria dos países, desde que se começou a falar nas alterações climáticas e no aquecimento global. Uma postura baseada nos princípios de separação de fronteiras e de não ingerência, e que se pode resumir numa frase: enquanto a minha casa não começar a arder, o problema não é meu.
Vemos isto há muito tempo. Foi a postura que já tivemos, por exemplo, quando nos disseram que havia umas ilhas isoladas no Pacífico que iriam ser engolidas pelas águas, logo que as temperaturas subissem uns escassos décimos. E o que nós pensámos do nosso lado? Que era uma situação preocupante, mas que não era bem connosco. Também foi isso, na verdade, que também pensaram muitos outros quando, há um par de anos, Portugal sofreu os piores incêndios da sua História, em dias de temperaturas anormais. Nessa época, à mistura com as habituais mensagens de solidariedade, os governos de alguns países europeus fizeram questão de vincar – com alguma razão, sem dúvida – que apenas estávamos a pagar pelos erros cometidos no ordenamento do território, mas sem prestarem a devida atenção às implicações do aquecimento global neste tipo de fenómenos. Por ironia, ou talvez não, a situação inverteu-se depressa e, no verão seguinte, alguns desses países sofreram os seus piores incêndios de sempre, o que os obrigou a pedir ajuda e solidariedade ao resto da União Europeia.
Em matéria de ambiente e face à emergência climática, não existem fronteiras estanques. O planeta é partilhado por todos, e o mal que cada um faz no seu quintal tem sempre consequências no quintal do vizinho.
A verdade é que, apesar de todos os relatórios científicos, continuamos a adiar as verdadeiras discussões sobre o aquecimento global e, no fundo, a considerar que a emergência é para os outros. Apesar de todos os partidos terem inscrito a luta contra as mudanças climáticas como prioridade nos seus programas eleitorais, na maior parte dos casos não se vê ninguém interessado em defender o que propõe com o mesmo ardor e entusiasmo com que discute o défice ou os impostos. No nosso debate político, o aquecimento global continua a ser uma espécie de flor na lapela eleitoral e não uma emergência a que é preciso dar resposta.
Era bom que isso mudasse rapidamente. Até porque não é difícil prever o que aí vem, conforme revelou um estudo realizado por uma equipa multinacional de investigadores que analisou os dados climáticos de 520 cidades, somou-lhes as consequências de um aumento de dois graus na temperatura média do planeta (o cenário mais otimista, segundo o painel das Nações Unidas) e, com base nesse resultado, foi procurar a que cidade atual se comparará cada uma dentro de 30 anos. As conclusões, em relação à Península Ibérica, são esclarecedoras: em 2050, Madrid vai ter o clima de Marraquexe e Lisboa estará igual ao que é hoje Casablanca. Em média, diz o estudo, cada cidade do Hemisfério Norte irá “descer” 20 quilómetros por ano em direção às regiões subtropicais – numa marcha lenta, silenciosa mas imparável.
Claro que, neste verão em particular, podemos pensar que isto ainda é alarmismo e apenas uma preocupação para os “outros”. Só que este, sublinho, é apenas o melhor cenário. Mas nem sobre este, até ao momento, temos feito o debate necessário em Portugal, tanto a nível político como económico e social. Quando “chegarmos” a Marrocos, já será tarde.
(Editorial publicado na VISÃO 1378 de 8 de agosto)
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