Sabemos os factos: apesar dos tímidos aumentos do salário mínimo e das reposições nos cortes dos funcionários públicos, os ordenados dos portugueses estão, em média, estagnados há muito. Sabemos também que, ao longo dos últimos três anos, tem sido alargado o fosso entre os ordenados dos dirigentes de topo das empresas e os dos seus funcionários – seguindo, aliás, uma tendência mundial e que já levou, nos EUA, em nome da transparência, à obrigação de todas as empresas em Bolsa divulgarem a relação entre a remuneração do seu CEO e o ordenado médio dos seus trabalhadores. Sabemos ainda que, embora o desemprego tenha vindo a descer de forma acentuada e consistente nos últimos tempos em Portugal, para valores abaixo dos 7 por cento, a taxa entre os jovens continua a ser preocupantemente alta, quase a bater nos 20 por cento. E embora não saibamos, com o rigor dos números, qual a verdadeira dimensão da emigração jovem, existe a clara perceção de que ela não diminuiu com a saída da Troika – na verdade, tem até tendência para aumentar, devido à subida do preço da habitação e às baixas remunerações oferecidas a quem, com formação e competências adquiridas, pretende iniciar uma vida digna de forma independente. Como sabemos isto tudo, sabemos finalmente que há uma pergunta que se impõe. Uma pergunta que anda na cabeça de muitos, mas a que poucos querem dar resposta ou, sequer, falar seriamente sobre ela. Mas a pergunta é assustadoramente simples: como se aumentam os salários dos portugueses?
Na sua entrevista ao Expresso, no fim de semana, António Costa abordou o assunto, prometendo “um pacote fiscal muito agressivo”, no próximo Orçamento do Estado, com incentivos para “atrair o regresso dos quadros jovens” que foram para o estrangeiro, mas reconhecendo que essa medida, por si só, não chegará para resolver a situação. “É fundamental as empresas alterarem radicalmente as suas políticas salariais”, disse, dando o exemplo da discrepância de remunerações na EDP, onde, segundo as suas contas, “o salário de topo é 210 vezes o salário mínimo”.
Não é a primeira vez que o primeiro-ministro aborda o assunto. Na sua mensagem de Natal, já tinha prometido que o “emprego digno” e o “salário justo” iriam estar, ao longo de 2018, no centro das preocupações do Governo. Com uma missão central: permitir as “condições essenciais para os jovens perspetivarem o seu futuro aqui connosco, em Portugal”. Mais tarde, voltou ao mesmo tema e às mesmas promessas, tanto num artigo escrito a propósito do 1º de Maio como no discurso de encerramento do Congresso do PS, em que prometeu, pela primeira vez, que o próximo Orçamento do Estado fará um esforço para permitir “o regresso dos jovens que partiram”.
A verdade é que, como sabemos, à exceção da fixação do valor do salário mínimo, não é o Governo que decreta os aumentos no setor privado. E, apesar de tantas e tão sucessivas promessas de que “este ano é que é”, ainda não se viu qualquer anúncio ou vislumbre do debate que o Governo precisa de fazer com os empresários para, realmente, inverter a situação. Até porque esta preocupação atravessa, de uma forma ou de outra, grande parte do mundo ocidental, onde as economias dão sinais cada vez mais preocupantes de estagnação, ao mesmo tempo que se acentua o fosso da desigualdade salarial, bem ilustrado por este dado compilado pelo investigador sul-africano R. W. Johnson: “Em média, em 1965, um diretor-executivo norte-americano ganhava 20 vezes mais do que um trabalhador. Em 2013, em média, ganhava 296 vezes mais.”
Portanto, a pergunta continua sem resposta e, assim, arrisca-se a transformar-se apenas em mais uma peça de retórica política, com um valor inegável em vésperas de campanha eleitoral, mas sem qualquer efeito prático na vida das pessoas, contribuindo para deixar tudo na mesma, o que será desastroso a médio prazo. Acima de tudo, porque embora não saibamos qual é a sua solução, António Costa tem razão no diagnóstico, quando diz que se não se começar a pagar adequadamente o trabalho qualificado “será impossível recuperar esta geração”. Não pode haver derrota pior.