No Japão, a proteção civil é um assunto sério. Tão sério que, nas grandes cidades ou nas aldeias mais remotas, existem sempre painéis a informar as populações sobre o que se deve fazer em caso de catástrofe. São informações colocadas em locais estratégicos e de grande utilidade, acima de tudo, para os forasteiros: os habitantes locais, à conta de vários exercícios de simulação realizados desde crianças, já conhecem, de memória, os caminhos mais seguros por onde escapar, os refúgios que devem procurar e os pontos de encontro para onde se devem dirigir e, assim, poderem reunir-se com os familiares e amigos.
A preocupação japonesa pela segurança é justificada pela geografia e as suas condições naturais: o país está localizado numa das áreas de maior atividade sísmica do planeta, onde confluem três placas tectónicas, sendo, por isso, frequentes os sismos, alguns deles de grande intensidade. Por vezes, embora de forma mais rara, ocorrem também terramotos capazes de provocar tsunamis. Mas também isso está previsto nas regras de segurança, com avisos sonoros junto à costa e placas a indicar as vias de evacuação e muitos avisos nas estradas a informar que não se deve transitar nelas se, entretanto, tiverem soado os alarmes.
Se há algo que a ciência no ensina é que, da mesma maneira que os sismos vão continuar a ocorrer no Japão, também em Portugal vão continuar a eclodir incêndios florestais. Faz parte da nossa geografia e do clima em que nos encontramos, embora, por vezes, pareça que não o queiramos admitir: nós vivemos no Sul da Europa e, como tal, grande parte do território português está localizado numa das zonas do mundo mais propícias à ocorrência de incêndios florestais, exatamente como, noutras latitudes, acontece com a Califórnia, o Chile e a Austrália.
Convinha ter esta realidade sempre presente, até porque a tendência é para piorar. Mesmo que, de repente, se comecem a tomar as medidas necessárias no ordenamento do território (e faladas há décadas, sempre que se acorda após o pesadelo de uma nova onda de incêndios), nada podemos fazer perante a nossa situação geográfica. E essa, de acordo com todos os relatórios sobre alterações climáticas, só tende a ficar pior. As projeções são unânimes, até na forma como pintam de vermelho-vivo cerca de dois terços do nosso território nos mapas que se desenham para o futuro: vamos ter maior frequência de grandes incêndios. E vamos ter mais incêndios à medida que a temperatura for subindo. E em períodos temporais muito mais longos.
Os cientistas já perceberam que, ao longo das últimas décadas, o verão no Hemisfério Norte foi ampliado. Deixou de ser apenas concentrado em julho e agosto para se estender de junho a outubro. E, naturalmente, a época de incêndios está também a aumentar, conforme foi eloquentemente demonstrado nos últimos dias. Não se percebe, por isso, por que razão os dispositivos oficiais de combate aos fogos só estavam programados para entrar em funções a 1 de julho… como se ninguém estivesse atento aos avisos dos cientistas e até aos alertas dos meteorologistas, que já tinham identificado um mês de maio extremamente quente e uma primeira quinzena de junho com temperaturas muito acima da média.
Em 2003, após uma onda gigante de fogos, Gonçalo Ribeiro Telles deu uma longa (e agora premonitória) entrevista à VISÃO em que alertou para muito do que estamos agora a assistir. Há 14 anos, ele já dizia que “o mal vinha de longe” e que a culpa foi de “se ter transformado o País num território despovoado e que, dadas as características mediterrânicas, arde com as trovoadas secas.” E isso, infelizmente, não se muda com decretos bem-intencionados ou com mais milhões gastos em meios aéreos.
Ou seja, tal como estão as coisas, os incêndios são para nós como os sismos para os japoneses: uma inevitabilidade. Devíamos, portanto, começar a preocupar-nos a sério com a proteção civil, de forma preventiva, assinalando as estradas que não se devem usar em caso de incêndio, criando zonas de refúgio nos aglomerados populacionais, educando regras de sobrevivência perante as catástrofes. Portugal, infelizmente, vai continuar a arder.