Uma das frases que guardo da minha querida Agustina Bessa-Luís foi apanhada numa entrevista no início do milénio, dada ao jornal Expresso, se não estou em erro, que professava uma lição de vida à qual recorro com a frequência necessária: apoia-te sempre, nunca te agarres.
Aquilo ficou-me na cabeça porque nasci e cresci numa família forte e coesa, na qual o afeto é a moeda corrente. Somos todos diferentes e todos temos formas muito diferentes de expressar o afeto uns com os outros, mas ele está lá, sempre esteve, como uma espécie de massa que liga todas as outras coisas. Ninguém prende ninguém, mas estamos lá para o que der e vier. Durante a adolescência, quando fiz amigos para a vida, fui percebendo o quanto o afeto era fundamental para o meu equilíbrio, o meu bem-estar e a felicidade possível, com as limitações próprias dessa fase em que os girinos ascendem a borboletas. Foi também durante a adolescência que comecei a escrever com muita frequência, durante Inverno fechada no meu quarto, sentada em cima da cama porque a minha irmã estudava todas as tardes na única secretária que tínhamos, ou na praia durante os meses de Verão, em cadernos formato A4 sobre os joelhos dobrados, ainda longe de conhecer o conforto dos Moleskine, e quando queria oferecer as minha palavras a alguém, em folhas A4, compradas em maços na papelaria da minha rua. Com 15 ou 16 anos, eu escrevia para dar, para dizer às pessoas o quanto gostava delas e porquê. Não eram cartas de amor, eram cartas de amizade, ainda sem saber que a amizade é uma das formas mais belas e sublimes de amor, porque não se cobra nem tem prazo de validade. E se tiver algumas destas coisas, não é amizade, é outra coisa qualquer.
Esta mania de escrever cartas durante a adolescência profissionalizou-se quando consegui realizar o meu sonho e viver da escrita. Publiquei vários livros de cartas ou sobre cartas, apaixonei-me pela Soror Mariana Alcoforado por causa das cinco cartas que escreveu ao seu amado Noel de Chamilly. Ainda hoje, sempre que me apetece, escrevo-as para aqueles que mais amo. Às vezes vão por correio, outras por e-mail, tanto faz se o Poney Express que a transporta tem um selo ou uma arroba, o que interessa é que cheguem ao destino. Falo das cartas porque elas são o meio que utilizo para demonstrar o carinho e afeto quando aqueles que amo não estão perto e, no entanto, me sinto ligada a eles por um ou muitos fios invisíveis, imunes à passagem do tempo e à distância. Distância não é ausência e o tempo está para o amor como o vento para os incêndios, apaga os mais fracos e ateia os mais fortes, por isso escrever também é uma forma de chegar ao coração daqueles que, em presença, abraçamos, beijamos, sentamos à nossa mesa ou deitamos na nossa cama, aqueles por quem nutrimos um afeto profundo e sério. E esse afeto não é compatível com o desapego.
Um dos grandes equívocos da Geração X, na qual me incluo, foi o de acreditar que somos iguais, mulheres e homens. Devemos sê-lo em direitos e deveres enquanto cidadãos, mas a nossa natureza é bem diversa e amamos de forma diferente. Demorei décadas a perceber o erro, isso fez-me ficar atenta a outros erros que se podem cometer no campo amoroso. Um dos que está agora mais em voga é a teoria geral do desapego; duas pessoas conhecem-se, interessam-se, podem ter ou não um contacto físico, e quando uma acredita que pode estar ali o início de alguma coisa e começa a envolver-se, não raro a outra afasta-se. É como se as pessoas tivessem medo de sentir, de se entregar, de se envolver. Ou então, num cenário mais prosaico e realista, não querem fazê-lo porque não têm interesse nisso. Os gurus de meditação praticam o elogio ao desapego como se fosse uma coroa de glória conseguir tal feito, mas o que observo em meu redor, tanto em homens como em mulheres, é que o desapego provoca danos emocionais muitas vezes muito mais profundos do que os próprios ousam admitir. O apego é o preço do afeto, tal como as bananas são verdes quando estão verdes e são amarelas quando estão maduras. Podem ser pequenas, médias ou grandes, com pintas ou sem pintas na casca, mais moles ou mais duras, mas uma banana nunca é azul, é sempre amarela. O apego é o preço do afeto, somos apegados aos nossos filhos para sempre, aos nossos pais mesmo depois de partirem, aos amigos que vivem longe, aos amores antigos, ao nosso primeiro, segundo e terceiro cão. O apego não é um sinal de fraqueza, é um sinal da natureza, os animais são apegados às suas crias e não há nada de errado nisso. O que me parece grave e perigoso é as pessoas agirem como se o afeto pudesse existir sem apego. Convém não confundir atração física e carência com afeto e carinho. Os desligados são pessoas tristes e vazias, ausentes de si mesmas. Não conheço nenhum desligado que seja feliz. Vejo estas pessoas encolhidas numa trincheira ensombrada pelo medo, na qual não entra o calor da esperança.
Talvez as pessoas fossem mais felizes se aceitassem que o apego é bom e faz bem à saúde, à pele, à cabeça e ao coração. Mais afeto e mais apego ajudaria a baixar os números astronómicos de vendas de ansiolíticos e de antidepressivos em Portugal. Afinal, também é uma questão de bom senso.