Habituei-me, desde pequeno, a admirar não só o empreendedorismo do Mestre André como a capacidade financeira dos seus clientes. No estabelecimento do Mestre André era possível adquirir um pifarito, um tamborzinho, um pianinho, um rabecão, um tamborim, um violão, uma sanfona, um chocalho, um reco-reco e uma guitarra. Outros relatos davam conta de um leque de produtos ainda maior, além de revelarem que todos os instrumentos se encontravam em excelentes condições de funcionamento, tanto que o pifarito fazia tiro liro li, o tamborzinho emitia um imponente tum tum tum e do pianinho saía um melodioso plim plim plim, para dar apenas três exemplos. Na história do comércio de instrumentos musicais, só raras vezes um cliente pôde encontrar, no mesmo espaço, instrumentos tão díspares como o sofisticado piano e o tosco chocalho – e, no entanto, a loja do Mestre André conseguia proporcionar à sua freguesia uma abundante variedade de produtos. A riqueza do catálogo era justamente premiada pela voracidade da clientela. Um freguês célebre imortalizou, numa canção, a lista de compras que fez na loja. Provavelmente empenhado em formar uma orquestra, adquiriu um impressionante rol de instrumentos, uma transacção de tal modo extraordinária que ainda hoje se fala dela.
Como é evidente, esta semana ocorreu-me a loja do Mestre André quando assistia à entrevista de António Costa. O jornalista perguntou-lhe se, uma vez que tinha fechado a porta à esquerda e ao PSD, não seria difícil negociar soluções estáveis de governo após as eleições, e o primeiro-ministro respondeu que, quando olha para portas, dá menos atenção às fechaduras do que às maçanetas. Significa isso, simplificando, que Costa vai diversificar as suas compras na loja de ferragens do Mestre André. Depois de ter passado os últimos anos a comprar trac trac trac uma fechadura, deseja agora adquirir clic clic clic uma maçaneta. Não tenho a certeza de que a mudança de estratégia funcione. Por mais desinteressado que Costa esteja agora das fechaduras, talvez fosse apropriado, por uma vez sem exemplo, espreitar por uma. Desconfio que, do outro lado da porta, edificaram entretanto uma parede, como naquelas casas devolutas. É possível que, nesta altura, a maçaneta já não sirva para muito.