“Liberdade” foi a Palavra do Ano 2024 em Portugal, graças ao 50° aniversário do 25 de abril. Ironicamente, também é o slogan dos profetas da nova ordem mundial reinante.
Na semana passada, o Washington Post impediu a publicação de um cartoon onde quatro bilionários se curvavam perante Trump, segurando sacos de dinheiro. Um dos homens retratados é Jeff Bezos, dono da Amazon – e do próprio Washington Post. A cartoonista, Ann Telnaes, demitiu-se. Eis a segunda vez em que há indícios de interferência no jornal, depois de o seu CEO ter impedido a publicação do editorial que apoiava Kamala Harris na corrida à Casa Branca. Coreia do Norte style. Espantosamente, nenhum dos habituais e liberalíssimos paladinos bradou “censura!”.
Já Trump – que abertamente promete punir opositores e silenciar vozes incómodas – é, também, aclamado como fervoroso arqueiro da liberdade. Um ditador da liberdade, conceito inovador. Conheço por cá quem vibre de tal modo com o seu puríssimo exercício da liberdade, que aplaude até quando Trump atira que vai esmagar a Europa. Fanatismo que deriva em masoquismo. Debaixo de cada cubo de calcário da nossa calçada vive um guardião da liberdade trumpiana para atacar, perseguir, proibir, ameaçar, corromper e deportar à vontadinha nos próximos quatro anos. Deixem o pobre homem trabalhar.
Em nome do mesmo amor inabalável à liberdade, Zuckerberg – também representado a bajular Trump no cartoon – anunciou o fim do programa de verificação de factos no Facebook. Nesse caso, a inestimável liberdade é a de permitir que qualquer fluxo obscuro de dinheiro interfira em eleições, patrocine massacres, promova fake news e dissemine o ódio, a violência, o crime, o fascismo, em suma: toda a panóplia de fenómenos que, evidentemente, associamos à liberdade.
Musk – que garantiu a eleição de Trump em troca do free pass para moldar a lei americana à medida dos seus interesses – também preza imenso a nossa liberdade. E, como quem ama a nossa liberdade, interfere na política externa a favor da extrema-direita. O apoio declarado ao partido alemão AfD, por exemplo, onde literalmente se faz apologia ao nazismo, é só mais um grande gesto em nome da primordial liberdade. Venha daí a sacrossanta liberdade.
Rodeado da sua cúpula de oligarcas – de fazer inveja a Putin -, Trump concentra um poder inédito na História. Ironias à parte, começa a ser constrangedor ver tanta crendice nos novos profetas da “liberdade”. É a prova de que a vertigem popular para as ditaduras continua de boa saúde.
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