Eis a pergunta que se coloca mais uma vez: para que serve a escola, afinal? Compete ou não à escola estabelecer limites quando se trata de verdadeiros fundamentais direitos do ser humano?
Há pouco mais de um mês que as mulheres estão na linha da frente, como protagonistas de uma luta que não é só delas mas de toda uma sociedade que se pretenda avançada, moderna e igualitária. A revolta teve início com a morte de Mahsa Amni, de apenas 22 anos, mas deveria, todos sabemos, ter começado muito antes. Os atos simbólicos de cortar os cabelos e retirar o véu islâmico/hijab foram as formas encontradas pelas mulheres iranianas de praticamente todas as idades para mostrarem o seu repúdio perante o atual regime, castrador dos direitos fundamentais das mulheres. Há, sem dúvida, tradições históricas e culturais que merecem e devem ser respeitadas, enquanto património, identidade e essência de um povo. A espoliação total dos direitos fundamentais das mulheres, como a que se tem assistido no Irão (e noutros países islâmicos), não é nem nunca será uma delas.
Masha Amni foi detida pela polícia moral em Teerão por se encontrar vestida de forma considerada imprópria para o código de vestuário do país: vestia calças apertadas e o seu véu não lhe cobria completamente os cabelos. Morreu ao fim de três dias, na prisão, de ataque cardíaco. Quatro dias depois, a agência estatal IRNA divulgou a causa da sua morte: falência múltipla de órgãos causada por hipoxia cerebral ou, por outras palavras, falta de oxigénio no cérebro, tendo a família da jovem vindo a público anunciar que ela era saudável e que o seu corpo apresentava vários hematomas.
Não só no Irão, mas por todo o lado, as mulheres, revoltadas e em solidariedade com as mulheres iranianas, cortam os cabelos, queimam os véus, provocando uma cadeia de reações cujo final é ainda imprevisível. O Irão desligou a Internet, bloqueou o acesso às redes sociais whatsapp e instagram e todos os protestos foram, obviamente, decretados ilegais.
Entretanto, e totalmente contra corrente, a Direção de Serviços das Escolas Portuguesas no Estrangeiro deu orientações no sentido de ser permitido o uso do lenço islâmico/hijab nas instalações da Escola Portuguesa de Moçambique.
Neste domínio, se a escola quiser verdadeiramente cumprir uma das suas funções – garantir os direitos fundamentais do indivíduo – , compete-lhe estabelecer limites, evitando que liberdades essenciais sejam ultrapassadas. Ensinar e promover a tolerância não passam por permitir a utilização do véu islâmico na escola pública, que se pretende laica, e onde, ainda por cima, existe um fardamento obrigatório que não inclui qualquer tipo de chapéu, boné ou lenço. Perante tal imposição, não basta murmurarmos o nosso desagrado pelos corredores. Temos de a gritar bem alto para que atitudes destas sejam travadas e possamos seguir em frente com coragem, sem medos que parecem começar a aprisionar sociedades que deveriam estar na linha da frente na defesa do progresso civilizacional. O medo é um dos primeiros passos para produzir holocaustos. Podemos não saber exatamente o que os provoca, mas quando somos confrontados com a incompreensibilidade de certos acontecimentos, decisões e planos de um estado com um determinado objetivo e desumanização, como assistimos perante a situação das mulheres no Islão, estão criadas as condições para a escola intervir, combater a degeneração da memória (a título de exemplo, sobre a importância dada a assuntos cruciais do século XX, numa análise feita aleatoriamente a quinze exames de História, o Holocausto surgiu apenas duas vezes e na segunda fase e, a meu ver, o currículo do ensino secundário deveria enfatizar muito mais do que faz a temática da Ditadura Salazarista) e estimular o Humanismo. Dever-nos-íamos questionar diariamente como é que existiu um regime que durou meio século do século XX português?
Por outro lado, parece que Auschwitz não serviu para nada. A civilização segue o seu caminho cada vez mais alheada do essencial. Numa altura em que o terror e a catástrofe humanitária vividos em Cabo Delgado ameaçam estender-se a outras províncias de Moçambique, muitos parecem já ter arrumado na sua memória atrocidades como o 11 de setembro, o Charlie Hebdo ou a morte do professor de História Samuel Paty, de 47 anos, brutalmente assassinado por mostrar caricaturas de Maomé.
A escola pública, paga com o dinheiro de todos nós, é laica. E as escolas portuguesas, em Portugal e pelo mundo, se não são, deveriam ser.
Continuemos, pois, a ter esperança nos Homens. É pecado não ter esperança. Como é quase pecado não ter fé. Porém, essa deve ser vivida no respeito e recato da nossa intimidade. E se não entendeu o verdadeiro teor deste texto de opinião, por favor, faça um esforço e leia de novo. Por vezes acontece não compreendermos logo à primeira leitura. E, se após reler, continuar a não entender, por favor faça de conta!
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