À hora a que escrevo este texto os factos ainda não são todos e claros, como devem ser quando se escreve uma notícia. Mas deixemos aqui de lado essa ditadura dos factos todos, concentremo-nos no que acaba de nos dar a CNN, nem que seja por um momento: esta é a melhor verdade às 10:14 de terça-feira, 29. É uma história de amor, será trágica para o seu protagonista cujo destino está por decidir, sê-lo-á (?) sempre para os passageiros que ele mantém cativos a bordo de um avião estacionado na pista de Larnaca.
Ele é egípcio, talvez tenha também nacionalidade norte-americana, e desviou esta manhã para o Chipre um voo doméstico com origem em Alexandria e que tinha o Cairo como destino. Uma mulher que o deixou (ou que ele afastou) levou-o ao ato tresmalhado, tenha ele ou não um cinto de explosivos à cintura. Dizem os jornais online, com a histeria habitual nos momentos em que as coisas que nos surpreendem acontecem, que lançou do avião uma carta de amor escrita em árabe. Tê-la-á por destinatária, pois quando são de amor podem ser anónimas mas têm sempre a quem tocar, mesmo que sejam lançadas da janela de um avião desviado e acabado de aterrar numa ilha do Mediterrâneo.
Ele não deve ter escutado esta outra, também de amor, chamemos-lhe assim, porque outra coisa não sei chamar à história da mulher inglesa que se agarrou à mala e se atirou ao mar para intercetar um navio ao largo do Funchal. Ela estava no aeroporto de Santa Cruz, para onde fora com o marido, que a chateou ou se chateou, ali mesmo, na gare das partidas, destino Bristol, e lhe disse que voltava ao paquete em que chegaram à Madeira. Ela julgava-o no barco (não interessa para o aqui e agora desta história que afinal ele tenha mesmo embarcado para o Reino Unido), ela estava de partida para um local onde julgava não o ter à chegada, por isso pegou na sua balsa, perdão, na mala, e atirou-se à água para parar o barco, para lhe tomar a ilharga, como uma pirata atrás de saque, perdão, marido.
Foi resgatada por pescadores a 488 metros da costa, eles escutaram-lhe os gritos, as línguas estrangeiras importância nenhuma têm e pouco atrapalham os náufragos, perdão, amantes que se atiram à água. A silhueta pálida parecia “uma pedra enregelada”, disseram os homens do mar que a retiraram da água, ela veio para terra, está no hospital.
Tivesse o Daesh raptado, desviado, prendido, tomado, mantido prisioneiros, reféns ou sob o seu jugo, tocado sequer num cabelo daquela mulher alvo da devoção do egípcio e naquele homem por quem uma inglesa se atirou ao mar, e não teriam um minuto de descanso. Eles subiriam o Eufrates ou desceriam o Tigre agarrados a uma mala, encalhariam barcos nas ondas de areia, desviariam Migs e mísseis contra aqueles que ameaçaram os seus amados. O amor ainda é assim, desvairado, louco, sem razão, pois qualquer razão é apenas a sua. E isso é fascinante.