A cidade do Porto foi pioneira em muitas coisas. Por exemplo: foi nesta cidade que pela primeira vez se cantou ópera em Portugal. Aconteceu em 1760, dez anos antes (1770) de se cantar vem Lisboa. Foi uma iniciativa da Câmara para celebrar o casamento da futura rainha D. Maria I com o infante D. Pedro, tio da noiva. O espetáculo realizou-se nas cocheiras do palácio dos duques de Lafões, depois dos condes de Miranda, no Corpo da Guarda, junto à Sé.
Em 1891, o Porto foi palco da primeira revolução pensada em Portugal para derrubar a monarquia e a implantação do regime republicano. A intenção gorou-se porque a revolução falhou, mas a semente germinou e dezanove anos depois (1910) a Republica era proclamada em Portugal.
Setenta e um anos antes da revolução de 31 de Janeiro de 1891, mais concretamente em 1820, deu-se no Porto a primeira revolução liberal. A iniciativa partiu de um pequeno número de burgueses portuenses, que dois anos antes haviam formado uma espécie de tertúlia politica a que deram o nome de Sinédrio. O elemento mais preponderante desse grupo foi o causídico Fernandes Tomás oriundo de uma pequena burguesia que enriquecera com o comércio marítimo.
Um ano depois da vitória dos liberais, os homens bons do Porto (leia-se os governantes da cidade) acordaram em que se devia erguer, no ponto mais central da urbe, um monumento a evocar o êxito da revolução de 24 de agosto de 1820.
E em 1822, ou seja, dois anos depois da revolução, procedeu-se ao lançamento da primeira pedra no local onde devia ser erguido o monumento, na então denominada Praça Nova, que, por via desse monumento se chamou, depois, mas durante muito pouco tempo, praça da Constituição e que é hoje a praça da Liberdade.
Para se avaliar da pompa de que se revestiu o lançamento da primeira pedra, atente-se neste relato da época: “ … a colocação da pedra foi feita pelo bispo; o abade de Santo Ildefonso levou a chave do cofre das moedas; o governador do castelo da Foz levou a vassoura e a água; o prior de Cedofeita levou o martelo; o chanceler do tribunal da Relação levou o ”côxe da ca l” (seja lá isso o que for ); o comandante da brigada levou o cesto das cunhas; o deão da Sé (chefe dos cónegos) levou a colher; o provisor levou a medalha chamada do artista; o governador das Armas levou as moedas do tempo; e o governador das Justiças levou o auto da cerimónia “.
O cortejo formou-se no largo de Santo Ovídio, depois praça da Regeneração, e hoje a praça da República, onde houve missa campal descendo o préstito, depois, até à antiga praça Nova, hoje praça da Liberdade. Após a cerimónia do lançamento da primeira pedra ainda houve um Te Deum de agradecimento na vizinha igreja dos Congregados. Como facilmente se adivinha, cerimónia de pompa e circunstância…
Quanto ao monumento propriamente dito, aparecerem três projetos de três grandes artistas da época: Joaquim Rafael dos Santos, professor de pintura histórica e lente da Academia de belas Artes de Lisboa; João Baptista Ribeiro, lente da Academia de Marinha e Comércio, depois Escola Politécnica e hoje Universidade do Porto; e o escultor João Francisco de Guimarães. Entrou-se na fase da apreciação dos trabalhos.
Houve imensa discussão por parte das entidades responsáveis pela deliberação final que se repercutiu nos jornais da época. O assunto arrastou-se porque, como sempre, havia opiniões divergentes. O buraco com a primeira pedra aguardava a decisão final. Que tardava.
E tardou tanto, que veio o miguelismo. Em 1826, D. Miguel dissolveu as Cortes e implantou o regime absolutista. Dois anos depois (1828) as tropas de Aveiro e do Porto revoltaram-se, juntaram-se no Porto e tentaram o regresso ao liberalismo. Mas a revolta falhou e os vencidos foram presos e doze deles condenados a morrer (1829) na forca que foi colocada, sabem onde? No sítio onde seis anos antes havia sido lançada a primeira pedra para o monumento evocativo do sucesso da Revolução Liberal de 24 de agosto de 1820.
A forca manteve-se no mesmo sitio até ao dia 9 de julho de 1832, dia em que D. Pedro IV entrou no Porto, à frente do Exército Libertador. Só nesse dia foi destruída. Hoje, no mesmo local, ergue-se a imponente estátua equestre a D. Pedro IV. No sopé do monumento em duas placas de bronze estão gravados os nomes dos doze liberais que ali foram enforcados e que hoje são conhecidos pelos Mártires da Liberdade ou Mártires da Pátria.
E o Porto continua sem um monumento que evoque a vitória do liberalismo em 24 de agosto de 1820.