Há cerca de um ano, gerou-se uma expectativa de melhoria do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com a criação da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) e a nomeação do seu diretor-executivo. Um ano passado, é natural a pergunta: o que mudou no SNS?
A DE-SNS ficou, a meu ver, aquém das expectativas, embora nem sempre por culpa própria. Há um ano, colocavam-se três grandes desafios ao SNS. Ao nível macro, o desafio do crescimento da despesa pela acumulação de pagamentos em atraso, por parte dos hospitais. Nada se alterou num ano.
Nos recursos humanos do SNS, era evidente a necessidade de se baixar o nível de crispação. Não ocorreu.
No funcionamento do SNS, a articulação interna é um propósito central da DE-SNS, desde o início. Não se nota melhoria no sensível tema da disponibilidade dos serviços de urgência. A percentagem de inscritos para cirurgia, dentro do tempo máximo de resposta garantido (180 dias), é, em média, sensivelmente a mesma em julho de 2023 face a julho de 2022. A proporção de utentes inscritos em cuidados de saúde primários sem médico de família atribuído, por seu lado, aumentou de agosto de 2022 para agosto de 2023.
Estes resultados decorrem, em parte, de elementos fora do controlo da DE-SNS. O não se ter dado completa credibilidade aos instrumentos de gestão, como foi planeado e tentado pelo Ministério da Saúde, no outono passado, terá contribuído para manter o crescimento dos pagamentos em atraso. O relacionamento do SNS com os profissionais de saúde continuou centrado nas negociações entre sindicatos e Ministério da Saúde, não se conhecendo pensamento ou posição da DE-SNS sobre o assunto.
A ausência de estatutos oficialmente aprovados (e clarificação de poderes executivos) é um fator limitador da atuação da DE-SNS. O funcionamento da DE-SNS não está, neste aspeto, a ser facilitada pelo Governo. Só a (aparentemente boa) relação pessoal entre o ministro da Saúde e o diretor-executivo terá evitado tensões e problemas, que surgiriam caso fossem outros os atores. Um bom exemplo desta boa relação é a delegação (adequada), desde agosto de 2023, no diretor-executivo do SNS da nomeação dos diretores dos hospitais, ULS e centros de saúde.
A DE-SNS apostou na transformação da organização do SNS em Unidades Locais de Saúde (ULS) e no uso de modelos de gestão interna, onde a remuneração por desempenho está presente (as unidades de saúde familiar modelo B e os centros de responsabilidade integrados, que têm essa característica, serão a norma).
Sendo conhecidos os ganhos esperados da mudança do modelo de organização, a experiência acumulada das ULS, a primeira criada há mais de 20 anos, mostra que não é automático que essas vantagens se materializem. E como será normal em transformações que envolvem muitas entidades ao mesmo tempo, haverá as que correm melhor e as que terão maiores dificuldades em ter sucesso.
A ausência de um documento, e de um discurso claro, sobre os objetivos centrais a alcançar e sobre como os diferentes problemas e obstáculos serão resolvidos leva à incerteza, que prejudica este processo de transformação. Um exemplo simples é dado pela necessidade de se tornar compatível o pagamento por capitação (valor anual por pessoa abrangida pela ULS), com a liberdade de escolha de hospital para o qual um doente será referenciado, caso necessite de acompanhamento hospitalar, em decisão conjunta com o médico de família (um princípio de liberdade de escolha dentro do SNS, desde 2016).
Para que esta liberdade de escolha não seja uma penalização financeira para os hospitais escolhidos, terá de existir um sistema de preços interno no SNS. Este é um exemplo de detalhe que não tem provavelmente relevância política ou comunicacional, mas que irá ditar, em parte, o sucesso das ULS, face a possíveis movimentos de doentes.
Ainda é cedo para falar de fracasso da DE-SNS. Também não se pode ainda falar de sucesso. Este irá depender do desempenho da DE-SNS na reorganização em ULS.
Artigo publicado na revista VISÃO Saúde, já nas bancas!