Após 25 anos de vigência da Lei 36/98 entrou em vigor no dia 20 de agosto a nova Lei da Saúde Mental – Lei 35/2023, de 21 de julho.
O diploma, resultante de uma proposta elaborada por uma comissão de especialistas e apresentada pelo Governo à Assembleia da República, vem substituir a Lei de Saúde Mental de 1998, cuja revisão se justificava, para além dos avanços registados, nesta área, a nível clínico, pelos compromissos assumidos por Portugal, relativamente a esta matéria, no âmbito da Organização Mundial de Saúde, do Conselho da Europa, da União Europeia e de outras instâncias internacionais.
A LSM consagra os direitos e deveres das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental, regula as restrições dos seus direitos e estabelece as garantias de proteção da liberdade e da autonomia destas pessoas.
Podemos dizer que a nova lei não constitui uma rutura com as soluções consagradas na lei de 98, mas uma natural evolução e aprofundamento de grande parte dos princípios que a enformavam.
O modelo adotado assenta nas ideias de descentralização, desinstitucionalização e reintegração.
No desenvolvimento desta ideia de descentralização a lei aponta como objetivos da política de saúde mental a “transição para a prestação de cuidados de saúde mental na comunidade, tendo em vista melhorar a qualidade desses cuidados e garantir a proteção dos direitos nos serviços e entidades com intervenção na área da saúde mental”, remetendo para o DL 113/2021 os princípios gerais e as regras da organização e funcionamento dos serviços de saúde mental, que estabelece que “as unidades de internamento de pessoas em fase aguda de doença mental devem localizar-se em serviços locais ou regionais de saúde mental” e “o funcionamento dos serviços de saúde mental deve promover a participação da comunidade e dos cidadãos”.
A desinstitucionalização, condição essencial de minimização do estigma associado à permanência em instituições psiquiátricas, na ideia do internamento como ultima ratio da política de saúde mental, evidenciada no enunciação dos fundamentos da política de saúde mental, ao postular “a prestação de cuidados de saúde mental no ambiente menos restritivo possível, devendo o internamento hospitalar ter lugar como medida de último recurso” e na concreta regulação do “tratamento involuntário” – “o tratamento involuntário tem lugar em ambulatório, assegurado por equipas comunitárias de saúde mental, exceto se o internamento for a única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito, cessando logo que o tratamento possa ser retomado em ambulatório”.
A reintegração, quer dizer o predicado de acordo com o qual a política da saúde mental não se esgota na prevenção, cura ou controlo de patologias, antes se dirige ainda à reinserção social, profissional e familiar do paciente, encontra concretização na “prestação de cuidados de saúde mental assegurada por equipas multidisciplinares habilitadas a responder, de forma integrada e coordenada, às diferentes necessidades de cuidado das pessoas”; no objetivo da política de saúde mental de “promover a titularidade efetiva dos direitos fundamentais das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental e combater o estigma face à doença mental”; e, no direito das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental “comunicar com o exterior, através de quaisquer meios, e receber visitas de familiares, amigos, acompanhantes, procuradores de cuidados de saúde e mandatários com vista a acompanhamento, quando se encontrem em unidades de internamento ou estruturas residenciais” e de “não ser sujeitas a medidas privativas ou restritivas da liberdade de duração ilimitada ou indefinida”.
Mas como sucede com qualquer lei a efetivação dos objetivos nela postulados depende de dois fatores essenciais.
O primeiro é a forma ou modo como a mesma vai ser aplicada.
O segundo, indiscutivelmente essencial, respeita aos reais recursos que sejam alocados à sua concretização – recursos financeiros, humanos e organizacionais.
A vontade política de mudança no domínio da saúde mental e a bondade dos princípios enunciados não se pode quedar apenas pela aprovação de novas leis, antes tem que transparecer na afetação dos recursos necessários à sua concretização.
O problema é que normalmente as proclamações de mudança se esgotam e se esfumam na aprovação de novas leis!!!
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