As condições de vida dos refugiados não melhoraram desde que, no final de 2019, Layla, Armand, Sophie, Joseph, Jean, Marie e Thérèse chegaram ao campo de Moria, na ilha de Lesbos, Grécia. Pelo contrário: “Moria é um inferno”. Há um número crescente de pessoas no campo (em Janeiro e Fevereiro de 2020 chegaram a estar lá a viver cerca de 20 mil seres humanos), mas as infraestruturas indispensáveis não são ampliadas. Não há escolas. Não há proteção adequada para os dias frios do Inverno e para os dias quentes do Verão. Falta muitas vezes a eletricidade. Não há água potável. As condições sanitárias são muito insuficientes, com os esgotos a correrem a céu aberto dentro e fora do campo, libertando um cheiro dificilmente suportável. Crianças brincam no meio da lama e de lixo que se acumula. A capacidade de apoio médico e de enfermagem é muito limitada, conseguindo responder apenas às situações de emergência mais agudas. O apoio psicológico e psiquiátrico é, também, extremamente escasso, apesar do crescente aumento dos pedidos de apoio por parte de crianças e de adultos. As situações de violência dentro do campo aumentaram.
Durante o mês de janeiro de 2020, Armand tentou por diversas vezes submeter documentos que provam a sua menoridade. Os seus requerimentos não foram aceites. Solicitou, ainda, que o submetessem a um processo de determinação de idade. Foi-lhe dito que não era possível. Layla, Armand, Sophie, Jean, Marie e Thérèse continuavam a não ter acesso a uma avaliação por parte da autoridade médica grega responsável. A saúde mental de todos deteriorou-se. A situação de Sophie era especialmente preocupante. Depois de ter sido detido durante três meses por ser cidadão do Togo, um país considerado seguro — prazo máximo para prisões por decisão administrativa —, Joseph foi transferido para o campo do Moria. Estava em péssimo estado psicológico dado que, dentro da prisão, não só não recebeu cuidados médicos como ainda voltou a ser alvo de violência física e psicológica.
Mas as más notícias não decorriam apenas do que se passava dentro do campo. O ambiente social e político da ilha de Lesbos ia evoluindo no sentido de uma oposição crescente à presença de milhares de requerentes de asilo. Em fevereiro de 2020, foi anunciada a criação de um novo campo para alojamento controlado e temporário de refugiados. Esta nova estrutura deveria ser implantada na zona semi-montanhosa de Antissa. Protestos das autoridades locais e de populares fizeram-se sentir de imediato. A esperança de que requerentes de asilo e refugiados fossem totalmente evacuados da ilha desvaneceu-se. A frustração era visível em muitos. Esse descontentamento afetava tanto aqueles que são contra o acolhimento de requerentes de asilo e de refugiados como aqueles que apoiam a rápida transferência dos recém-chegados dadas as más condições de acolhimento existentes.
No final de fevereiro desse ano, populares da ilha organizaram uma greve geral de protesto contra a construção do novo campo fechado para refugiados no norte de Lesbos. Toda a atividade económica foi interrompida. Verificaram-se confrontos entre forças policiais e a população local. Ao mesmo tempo, Recep Tayyip Erdogan, Presidente da Turquia, ordenou a abertura unilateral da fronteira entre a Turquia e a Grécia, gerando um fluxo de refugiados e uma situação de caos no lado grego. Esta decisão foi tomada para pressionar a União Europeia a intervir junto da Rússia para que não apoiasse a resposta militar à invasão por tropas turcas da Província de Idlib, região fronteiriça da Síria de população maioritariamente curda.
A 29 de fevereiro de 2020, a Grécia enviou forças policiais e militares para as fronteiras terrestre e marítima com a Turquia, de forma a impedir que mais pessoas entrassem em território grego e da UE. Relatos de violência contra refugiados, de falta de assistência a náufragos, de devoluções ilegais de pessoas que tentavam a travessia por mar (os “pushbacks”) foram ainda mais frequentes durante este período. Adicionalmente, a 2 março de 2020, o Governo de Atenas — de centro/direita —, suspendeu a possibilidade de refugiados pedirem asilo. Uma decisão só foi posteriormente revogada por pressão nacional e internacional.
Para aqueles que viviam no campo de Moria, a situação era cada vez mais preocupante. Os cada vez mais violentos protestos contra o novo campo e contra a chegada de mais refugiados viravam-se contra requerentes de asilo e contra todos aqueles que trabalhavam no campo ou prestavam apoio a quem lá vivia. Várias pessoas foram agredidas, outras tiveram que se esconder durante horas. As ligações por estrada entre o campo de Moria e a cidade de Mytilene, capital da ilha de Lesbos, foram, durante dias, diversas vezes cortadas por manifestantes violentos.
O medo de que algo mais grave acontecesse em Moria era sentido, nomeadamente por aqueles que viviam no campo. As condições já eram desumanas e ficaram ainda piores. Layla e Sophie pouco saiam da área das mulheres desacompanhadas. Na companhia de outros jovens fugidos da violência de que tinham sido vítimas no Afeganistão, Armand tentou ir a Mytilene mas a meio caminho foram barrados por um grupo de pessoas que gritavam coisas que eles não entendiam. Para evitar agressões, esconderam-se numa zona de mato. Tiveram que lá ficar durante várias horas, até que finalmente conseguiram regressar ao campo. Jean, Marie e Thérèse procuraram manter-se, tanto quanto possível, dentro da tenda que lhes tinha sido atribuída, mas o medo estava sempre presente.
Quase a meio de março de 2020, tudo se alterou novamente: o novo coronavírus chegou à Grécia. Para além das restrições que já tinham de cumprir, os residentes no campo de Moria foram obrigados a cumprir limitações adicionais. Daí para a frente, apenas um pequeno número de pessoas poderia sair durante períodos de tempo muito exíguos. O problema era que, ao contrário do que sucedia com a generalidade dos outros residentes da ilha, os refugiados não conseguiam cumprir as medidas sanitárias determinadas pelas autoridades. Como é que se pode cumprir o distanciamento social num campo sobrelotado e subinfraestruturado? Como é que se pode pedir às pessoas para lavarem constantemente as mãos se durante grande parte de cada dia não havia acesso a água potável? Como é que se pode pedir que se use sempre máscara se não elas não são distribuidas? O agravamento dramático dos problemas e das limitações sentidos em Moria exacerbaram, assim, os níveis de tensão e os problemas psicológicos previamente existentes.
Apesar de ser quase uma missão impossível, grupos auto-organizados de requerentes de asilo e refugiados começaram a tentar implementar medidas de prevenção da Covid-19 no interior do campo. Instalaram torneiras para lavar as mãos, fabricaram máscaras artesanais, divulgaram informação sobre a pandemia, organizaram filas com distanciamento físico, por exemplo, na zona de acesso ao supermercado criado para a venda de bens de primeira necessidade.
No início de junho de 2020, a Grécia começou a abrir lojas, cafés, restaurantes e bares; a receber turistas de outros Estados Membros da União Europeia e de alguns países não comunitários. Contudo, e apesar de não haver nenhum caso positivo de Covid-19 no campo de Moria (tal como em outros campos), estes continuaram fechados e com as mesmas restrições extremas. A dualidade de critérios era óbvia. Só a 2 de setembro de 2020 foi identificado o primeiro caso de Covid-19 no campo de Moria. Apesar deste “sucesso” sanitário num contexto crescentemente dramático, tudo pode sempre piorar na vida destas pessoas. É o que vos contarei, na próxima crónica.