Um velho repórter, apaixonado pelo Porto, seu cronista e historiador, vai ser doutorado honoris causa pela sua Universidade. O velho repórter fez há dias 85 anos e continua a escrever todas as semanas sobre a cidade, em simultâneo seu objeto de amor e devoção, que inclui estudo. Todas as semanas também, ou quase, ele continua a “guiar” muita gente pelo velho burgo, para a ensinar a conhecê-lo e gostá-lo. Ele é, cada vez mais, uma figura popular do Porto, e nesses seus percursos tem, cada vez mais, acompanhantes que se transformam em admiradores. A sua simpatia e comunicabilidade naturais, bem como o saber e prazer de contar histórias, próprio do jornalista que ele é, também ajudam muito. Ele, o Germano Silva, cujo doutoramento será na manhã do próximo dia 3 de novembro, havendo à tarde, na Bolsa, uma outra homenagem de várias instituições.
Entretanto, além do muito mais com que justamente a cidade o tem distinguido, agora os seus, e meus, camaradas da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP) editaram, no dia em que fez os 85, um voluminho com expressivos testemunhos dos que trabalharam com ele, sobretudo na sua casa-mãe, o Jornal de Notícias (JN). E a Porto Editora vai lançar, no dia 12, uma coletânea de textos seus escolhidos por diversas personalidades locais/nacionais, textos saídos antes em alguns dos cerca de 30 volumes dedicados à cidade que já publicou, entre os quais avultam os que coligem as suas crónicas jornalísticas.
Não me vou pôr aqui a fazer o elogio do Germano, como amigo e camarada de ofício; nem a sublinhar o seu contributo para combates da classe, e do Sindicato, na defesa da liberdade e dignificação profissional, desde antes do 25 de Abril; nem a realçar a sua profunda ligação, desde o início, a O Jornal (era o ‘nosso homem’ no Porto), e também ao JL, depois à Visão; nem a desfiar memórias/histórias, em particular aquelas em que tinha como uma espécie de compère o nosso inesquecível Manuel António Pina.
Quero recordar, sim, o que o Germano contou na sua “Autobiografia” aqui publicada (JL 963, de 29/8/2007). Filho de pais sem recursos, finda a 4ª classe não pôde continuar os estudos. Com 11 anos, começou a trabalhar como “marçano” numa loja da Rua de Santa Catarina. Mas tinha de se apresentar bem vestido, de fato e gravata, e não havia dinheiro para os comprar… Passou a operário “não diferenciado”, primeiro numa fábrica de fósforos, a seguir numa de lanifícios. Já depois de feita a “tropa”, quis tirar um curso comercial. À noite, após o trabalho. E a Escola distava da fábrica oito quilómetros, que ele tinha de fazer a pé, duas vezes por dia. Tirou o curso, arranjou um emprego de escriturário no Hospital de Santo António, e daí é que haveria de ‘saltar’ para o JN, onde principiou na tarimba no desporto e acabou chefe de redação. Com o Porto sempre na agenda e no coração.
Ora, se é natural, normal, que a cidade o homenageie, digamos que faz o seu dever, já o doutoramento honoris causa pela Universidade do Porto, não sendo menos justo, é mais assinalável por mais raro – e exemplar. Porque as universidades tendem muito a só distinguir os que já são “doutores”, ou pelo menos “drs.”. E personalidades famosas, incluindo políticos, às vezes por interesse(s), nem que seja só o do seu, delas universidades, próprio prestígio. Mais, não me parece que elas, como muitas outras instituições, valorizem devidamente o (bom) jornalismo. Quando distinguem alguém pela sua “obra”, não me lembro dessa “obra” ser de jornalista e pelo seu contributo dado a um certo setor do conhecimento, da cultura ou de atividade, a uma causa, a uma cidade. A Universidade do Porto contrariou esta tendência, não seguiu este modelo, não se vergou a este preconceito. E por isso, além do nosso Germano Silva, também ela está de parabéns.