A noite lisboeta poderia ser hoje dominada pela rua lilás ou cinzenta, mas a cor escolhida foi o rosa. A responsabilidade é de José Queirós Carvalho, 51 anos, empresário da área do imobiliário e mentor de vários projetos de reabilitação em Lisboa. Entre eles está a transformação da Rua Nova do Carvalho, no Cais do Sodré, na emblemática Rua Cor de Rosa, o polo mais atrativo da noite lisboeta atual. “A cor serviu para assinalar a passagem da rua a pedonal”, explica José Queirós Carvalho, antes de confessar: “Não tínhamos noção que ia ter esta projeção”. A Pensão Amor, também da responsabilidade da Mainside, a empresa da qual é diretor-geral, foi dos primeiros espaços a abrir no “novo” Cais do Sodré, uma zona “com um potencial incrível que estava esquecida e mal conotada” e seria, também, a inspiração para a escolha do rosa. Na mesma altura, instalavam-se em edifícios da Mainside os bares Povo e Velha Senhora. O efeito multiplicador é hoje evidente.
José Queirós Carvalho já tinha ajudado a revolucionar outra zona da cidade. Apaixonado por arquitetura e património, deixou-se encantar pela decadência da antiga Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense e surgiu a Lx Factory, em Alcântara. Uma “fábrica” de ideias ocupada por espaços de cowork, restaurantes, lojas, concertos e todo o tipo de eventos que substituem a decadência industrial pela animação cultural. “As ideias não surgem prontas. Não podemos chegar e fazer, temos de perceber a história do local, delinear uma estratégia, fazer projetos para as pessoas”, afirma o empresário formado em Engenharia Civil. “Todas as iniciativas têm de ter um conteúdo forte que lhes dê uma alma própria ou são apenas fenómenos de moda”.
Longe de se sentir dono dos projetos que ajudou a criar, apenas se vê como um gestor. Admite que a relação com as comunidades dos bairros onde intervém é simultaneamente o mais estimulante e o mais complicado. No Cais do Sodré, por exemplo, uma associação de moradores protesta contra o ruído. José Queirós Carvalho é o primeiro a dizer que “o que está mal deve sempre ser corrigido”. Em curso está a intervenção no antigo hospital do Desterro, “um centro experimental aberto para o mundo” que deverá ter, até, um espaço de medicinas alternativas com biblioterapia (terapia através dos livros).
José Queirós Carvalho vive no Chiado e há ruas que já fazem parte da sua casa. Mas, na verdade, o seu bairro é a cidade.
Do Largo se faz um palco
“Ainda bem que alguém se lembrou da gente!”, exclama Luísa Martins, 55 anos, nascida em Angola, mas residente no Intendente, em Lisboa, há 25 anos. “Antigamente era só polícia e confusão, mas agora temos sossego”, garante, antes de concluir: “Não foi só o bairro que mudou, eu também mudei para melhor”. Luísa sentiu na pele a dureza da vida no bairro nos tempos em que ali andava “na vida”. É um exemplo de coragem e determinação. Trabalha no Largo Café Estúdio, no n.º 19 do Largo do Intendente, uma das faces do projeto que ajudou a dar uma segunda vida a ela e ao bairro: o Largo Residências. Marta Silva, 37 anos, é a fundadora e diretora artística desta Cooperativa Cultural, que desenvolve projetos para e com o bairro, incluindo residências artísticas. A sustentabilidade é garantida através do café e de um pequeno hostel procurado por turistas fascinados pela multiculturalidade local.
Antes de a cooperativa avançar, foram muitas as conversas entre Luísa e Marta. “Não queríamos utilizar as pessoas, por isso começámos por criar relações com elas”, explica a mentora do projeto. As desconfianças foram quebradas com muitas tardes a “beber copos com a malta”. Nascida no Porto, é entre gargalhadas que Marta recorda os conselhos do pai sempre que visitava Lisboa: “Nunca saias na estação de metro do Intendente”, dizia-lhe. Quando decidiu implantar o Largo no bairro, há cinco anos (na mesma altura em que o escritório do então presidente da autarquia, António Costa, foi ali instalado), o que Marta encontrou “não foi vida de bairro, mas dinâmicas de bairro”, das quais faziam parte o tráfico de droga e a prostituição. “Criar projetos que juntam as pessoas e têm impacto nas suas vidas” sempre foi o seu objetivo, revela a bailarina, também formada em Ciências de Educação. A Companhia Limitada, por exemplo, com direção artística da coreógrafa Madalena Victorino, inspirou-se numa vizinha que vivia isolada para criar espetáculos inspirados na vida de residentes, que são muitas vezes os protagonistas das iniciativas. José Dias, 62 anos, conhecido como Giovani, surpreendeu a vizinhança ao mostrar talento no teatro. A sua devoção ao Largo é evidente: “Um bairro só é importante quanto tem cultura”. O mais recente projeto é o Grupo de Limpeza Urbana Municipal, uma orquestra composta por funcionários de limpeza da junta de freguesia de Arroios que usam os seus instrumentos de trabalho para fazerem música. Mais uma ideia de Marta. Afinal, o Largo quer-se cada vez mais cheio.
Há limões na galeria
As estações ferroviárias são locais de onde se parte e onde se chega, mas onde raramente se está. Essa era a rotina no bairro de Campanhã, no Porto, ao qual pertence uma das estações da cidade, mas o casal Manuela Monteiro e João Lafuente, ambos com 66 anos, mexeram com a dinâmica da zona. Há três anos, instalaram na Rua de Miraflor duas galerias ligadas à fotografia, o Espaço Mira e o Mira Fórum, com intensa atividade cultural. “Não houve nenhuma estratégia, apenas impulso”, confessa Manuela. Mas a verdade é que foram pioneiros na ocupação de dois dos onze antigos armazéns desta rua, que há um século serviam a estação guardando vinho, carvão ou cereais. Pouco tempo depois de investirem no bairro, os restantes armazéns foram vendidos para habitação, com a particularidade de terem sido comprados por pessoas ligadas ao universo das artes: arquitetos, escultores, músicos… “Coisas positivas atraem coisas positivas e isto acabou por contaminar”, conta Manuela.
Sandra Castro, 31 anos, reside em Campanhã e acredita que as galerias Mira “atraem juventude e gente que antes nunca iria o bairro”. A arte contemporânea não era propriamente popular por ali, mas “já não são só as pessoas de fora que acorrem ao Mira”, afirma Sandra, que também é coordenadora do grupo de danças urbanas da Associação Recreativa Malmequeres de Noêda, que tem desenvolvido parcerias com as galerias Mira, como a organização do São João.
As boas relações com a vizinhança não são de agora. “O Sr. António e a D. Benilde é que inauguraram a nossa primeira exposição. Foi um ato simbólico”, recorda Manuela, habituada a que a vizinha lhe entre pela galeria com “limões sem química” para lhe oferecer. “As pessoas estão contentes porque agora não se fala do bairro por causa da pobreza, mas por causa da arte”, afirma. “Há um aumento da autoestima muito importante. Ao terem orgulho no sítio onde vivem, as pessoas têm orgulho em si próprias”. Em breve, Manuela e João também serão moradores da Campanhã. O bairro que ajudaram a mudar e que lhes está a mudar a vida.
Por um bairro melhor é a iniciativa que une a VISÃO, SIC Esperança e a Comunidade EDP em busca dos vizinhos mais ativos do País. Participe, dê ideias, contribua. Tudo por um bairro melhor.