O tema dos chamados medicamentos psicadélicos no tratamento da saúde mental tem estado na ordem do dia, e ainda mais agora que Portugal decidiu aprovar e comparticipar a 100% o primeiro fármaco desenvolvido para combater a depressão resistente. Escetamina é o nome da substância ativa, capaz de alterar o estado de consciência dos doentes após administração hospitalar, mas quase sempre sem esses efeitos colaterais extremos do LSD e outros que tais, explica Albino Oliveira-Maia, nesta entrevista à VISÃO. O médico que dirige a Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Clínico da Fundação Champalimaud, também vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, quer descobrir mais sobre este novo instrumento promissor de outras terapêuticas, mas avançando passo a passo, no respeito pelo ritmo da Ciência e pela segurança dos doentes.
É aceitável que um medicamento aprovado desde 2019 pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) só o seja em Portugal em 2025, como aconteceu com a escetamina para a depressão resistente?
Portugal foi um dos países com maior demora na aprovação deste medicamento, e isso prejudicou os doentes. É um problema ainda mais significativo porque os mecanismos especiais para acessos precoces também não funcionaram. Como médico psiquiatra que trata doentes cuja terapêutica com outras alternativas não resultou, tive muitos contactos com pacientes para quem esta solução estava disponível a 100 ou 200 quilómetros, em Espanha, para os doentes de lá, mas não para os nossos. Ao mesmo tempo, não podemos ser apenas negativos. O processo implementado pelo Infarmed para avaliar medicamentos é muito exigente e precisamos que assim seja, para assegurar que as novas soluções acrescentam valor e não apenas custo. De outra forma, ficamos com uma incapacidade muito grande de ter sustentabilidade financeira no sistema de saúde. Um intervalo de cinco ou seis anos, ainda assim, é demasiado grande quando os mecanismos de acesso especial não funcionam.
A demora deveu-se mais ao controlo de custos ou a potenciais riscos no uso da escetamina?
Não sei se controlo de custos é a expressão certa. Eu utilizaria preocupações com a sustentabilidade financeira do sistema de saúde, que existem e são legítimas. É óbvio que, para o médico, quando tem à frente um doente, essa é uma preocupação muito distante. Mas o processo é também muito cuidadoso na avaliação da eficácia e da segurança, como tem de ser.
O Infarmed definiu critérios mais apertados do que a EMA, impondo aos doentes a necessidade de testarem três tratamentos com antidepressivos em vez de dois, além de psicoterapia, antes do recurso à escetamina. Justifica-se?
São critérios razoáveis, do ponto de vista estritamente científico. A dificuldade é sempre até que ponto são ou não possíveis de adotar na prática clínica regular. Ao mesmo tempo, é um estímulo para que esta seja feita de uma determinada forma e para que os sistemas de saúde tenham este recurso da psicoterapia disponível. Neste caso, há um reconhecimento claro da sua importância no tratamento de depressões resistentes, que é enorme. É importante que os decisores tenham elementos que os obriguem a implementar este recurso difícil.
A maioria das pessoas com depressão resistente a antidepressivos está a ser tratada com mais antidepressivos. A escetamina traz uma alternativa, mas continuamos sem balas mágicas
O que revelam os estudos sobre a escetamina?
O estudo principal que decorreu em vários países, e do qual fui o coordenador em Portugal, pretendia perceber o valor da escetamina em comparação com a quetiapina, uma alternativa já utilizada como tratamento adjuntivo a fármacos convencionais para a depressão resistente. Participaram mais de 600 doentes e o que se demonstrou, de forma muito clara, foi que a escetamina se revelou persistentemente superior à quetiapina, com taxas de remissão acima de 50% ao fim de mais de 30 semanas, em doentes que falharam anteriormente dois tratamentos com fármacos antidepressivos. Portanto, mais de metade dos doentes tiveram uma resolução completa dos sintomas com escetamina, o que é muito significativo. Além disso, enquanto medicamento psicoativo, a escetamina causa uma alteração do estado da consciência de cada vez que é administrada, um efeito colateral ligeiro na maior parte das circunstâncias, mas que existe e que nos preocupa. Só que a alternativa tem um peso superior no que respeita a efeitos colaterais, porque os doentes a abandonam com maior frequência. E estamos a falar de uma doença crónica, que exige tratamentos longos, não de uma que se resolva com soluções mágicas de uma só vez.
Qual a ação da escetamina no cérebro?
É um fármaco que atua sobre os recetores do glutamato, um neurotransmissor muito distribuído no sistema nervoso, enquanto os antidepressivos atuam noutros esquemas neurotransmissores, nomeadamente na serotonina e na noradrenalina. Estamos sempre muito limitados em perceber exatamente a que é que corresponde, do ponto de vista da função mental, um determinado efeito farmacológico e biológico. Em relação ao efeito sobre o glutamato, a hipótese que existe é que vai permitir ao cérebro e ao sistema nervoso mudarem perante as circunstâncias a que vão sendo expostos, criando terreno fértil para que acontecimentos positivos na vida da pessoa proporcionem uma melhoria dos sintomas. Na perspetiva clínica, é também muito importante que outras coisas possam ir acontecendo, como dormir melhor, fazer exercícios, ter uma melhor alimentação, ter relações sociais e familiares mais satisfatórias e vinculadas. A melhoria da depressão passa, igualmente, por restabelecer a capacidade de usufruir das coisas à nossa volta de uma forma agradável, que se traduza em esforço positivo e prazer.
Quais os efeitos secundários que obrigam a que a toma da escetamina se realize em ambiente hospitalar?
Sendo um medicamento parecido com a cetamina, o seu efeito agudo é a alteração do estado da consciência, mas muitas vezes a pessoa pode ficar apenas com tonturas ou ligeiramente desorientada. Nas situações mais extremas, pode ir ao ponto de ter atividade alucinatória, como ver coisas que não existem. É sobretudo este efeito que faz com que as substâncias sejam descritas como psicadélicas. Os fármacos glutamatérgicos como a cetamina, quando usados em doses bastante elevadas, podem induzir uma experiência similar, à imagem da psilocibina, da MDMA e do LSD. Com a escetamina, que administramos em doses reguladas por ensaios clínicos, é muito raro termos este tipo de experiências e, portanto, os efeitos psicadélicos são muito menos intensos. No entanto, o procedimento exige que a pessoa esteja protegida quando este efeito ocorre.
Protegida de quê?
De tomar uma decisão que a coloque em risco. Numa hipótese extrema, de interpretar mal uma janela e saltar. Estando numa situação de alguma fragilidade, a pessoa também pode ser instrumentalizada, sujeita a abuso de outros à sua volta com más intenções, por exemplo, de cariz sexual ou financeiro. Isto não é novo na medicina. Nas anestesias gerais, também provocamos uma alteração da consciência. A forma mais genérica de proteger as pessoas nessas circunstâncias é colocá-las sob supervisão de uma equipa treinada para o efeito. Não dá garantias absolutas, mas estar no hospital aumenta o grau de segurança, desde logo porque assegura que são dadas as doses certas do medicamento.
É necessário permanecer um par de horas sob vigilância, correto?
O tempo de supervisão para a escetamina é aproximadamente de duas horas, mas a enorme maioria das pessoas já não tem qualquer alteração algum tempo antes. Quando regressam a casa, já não estão sujeitas a esse tipo de efeitos.
Com que regularidade se toma o medicamento, disponibilizado em spray nasal?
Nas primeiras quatro semanas, é aplicado duas vezes por semana. Nas quatro semanas seguintes, é aplicado uma vez por semana. Depois disso, caso o doente esteja a responder bem, entra-se numa fase de manutenção, com uma única administração quinzenal ou semanal.
Que impacto pode ter no tratamento da depressão? Existem bastantes doentes que não respondem ao tratamento convencional com antidepressivos.
Os doentes resistentes, ou seja, os que falham a resposta a dois tratamentos antidepressivos, são cerca de um terço da população com depressão. É uma perturbação psiquiátrica muito frequente, portanto, um terço são muitas pessoas. As alternativas estudadas especificamente para esta condição existem há bastante tempo, mas são poucas e não são medicamentosas. Refiro-me a algumas estratégias psicoterapêuticas, à terapia eletroconvulsiva e à estimulação magnética transcraniana, tipicamente difíceis de implementar e de aceder. A terapia eletroconvulsiva exige um ambiente parecido com o de um bloco operatório, com anestesista, psiquiatra e equipa de enfermagem. Já a estimulação magnética transcraniana, durante um período, exige que a pessoa se desloque ao hospital todos os dias. Resulta daí que a maioria das pessoas com depressão resistente a antidepressivos está a ser tratada com mais antidepressivos. Nesses casos, a probabilidade de resposta ao tratamento é relativamente baixa. A escetamina, em primeiro lugar, veio trazer mais uma alternativa, mas continuamos sem balas mágicas nem temos soluções que funcionem para toda a gente. Em segundo lugar, é importante porque é um medicamento. A esperança que existe, e já começa a materializar-se em muitos países, é que permita o acesso de um número maior de doentes a tratamentos desenvolvidos para o problema que eles têm.
Essas duas alternativas mais complexas que referiu têm taxas de remissão elevadas?
A terapia eletroconvulsiva é muito eficaz na depressão resistente. Só que é um tratamento com desafios logísticos e que tem alguns efeitos colaterais que muitas vezes não são desejáveis. E depois tem uma carga de estigma enorme. O principal desafio, ainda assim, é a falta de acesso, e uma coisa positiva que a decisão do Infarmed traz é que diz que é importante o doente ter feito ou ter-lhe sido oferecida a realização de terapia eletroconvulsiva antes de avançar para a escetamina.
Além das três terapêuticas falhadas com antidepressivos?
Sim. Isto é discutível e levar-nos-ia para questões técnicas. Mas cria uma responsabilidade. A responsabilidade de que os grandes hospitais públicos que disponibilizem a escetamina tenham, também, uma unidade funcionante de terapia eletroconvulsiva.
Qual seria o custo para o doente do tratamento com escetamina, se o Estado não tivesse assumido a comparticipação a 100%?
Depende. Na maior parte dos casos, os tratamentos em adultos são feitos com três dispositivos. Por cada toma, os três tinham um custo entre 700 e 800 euros, só o medicamento, sem contar com custos de administração. Logo, para 20 administrações, estamos a falar facilmente de um custo que chega aos 20 mil euros.
Isto não é novo na medicina. Nas anestesias gerais, também provocamos uma alteração da consciência. Não dá garantias absolutas, mas estar no hospital aumenta o grau de segurança
Em comparação com a escetamina, quais as vantagens e desvantagens da cetamina, medicamento anestésico há muito no mercado e usado em regime off label para tratar depressões resistentes?
O primeiro estudo clínico com cetamina para o tratamento da depressão, publicado em revistas internacionais indexadas, tem já quase 20 anos. O entusiasmo que surgiu com a cetamina deveu-se à rapidez do seu efeito. Com os antidepressivos convencionais, temos uma janela muito longa de várias semanas até começarem a observar-se os efeitos. Como vantagens, teve a disponibilidade no mercado, decorrente de estar autorizada para outras indicações, e as muitas necessidades no contexto da depressão. Combinados, estes dois fatores levaram cada vez mais à criação de programas de tratamento off label com cetamina, em diferentes locais. Em Portugal, os primeiros surgiram por altura da crise de Covid-19, há cinco anos, e hoje em dia ainda há múltiplos locais privados, e penso que alguns públicos também, a disponibilizar tratamentos com cetamina. A principal desvantagem em relação à escetamina é exatamente o facto de ser um tratamento off label, de não ter aprovação para este fim. Isso tem duas implicações principais. A primeira é que há maior variabilidade na forma como o tratamento é utilizado, seja nas doses, na via de administração, no tipo de supervisão, na quantidade de vezes que é administrada ou nos outros tratamentos que são prescritos simultaneamente. Há orientações que foram sendo publicadas, mas não há uma disposição regulamentar central a dizer como o medicamento deve ser utilizado nem uma expectativa sobre um determinado efeito esperado ou de um conjunto de efeitos colaterais. A segunda desvantagem para os doentes é que o tratamento não é reembolsável. A cetamina é um fármaco já muito barato, mas os custos dos tratamentos, pelo menos há uns anos, rapidamente ascendiam aos cinco mil euros no privado. Por fim, há a questão da responsabilidade legal. Quando um tratamento está aprovado, a companhia que vende o medicamento pode ser responsabilizada se houver uma complicação importante. No tratamento off label, a responsabilidade, em grande medida, é do profissional que tomou a decisão.
Psilocibina e MDMA são as substâncias psicadélicas mais perto de seguirem o caminho da escetamina?
São, sem dúvida. Agora, não sei se são as que estão mais próximas de ter sucesso. O primeiro passo dado nos Estados Unidos da América pela MDMA mostrou que há riscos. Havia uma convicção muito generalizada no campo das terapias com psicadélicos de que a MDMA seria a primeira a receber aprovação e não aconteceu. É uma oportunidade de aprendizagem e também uma oportunidade de alguma humildade. Temos de ser cuidadosos e confiar de algum modo no processo.
Os estudos mostram que pode ter eficácia na perturbação de stresse pós-traumático (PSPT).
Os estudos com a MDMA para perturbação de stresse pós-traumático, na perspetiva estrita da eficácia, foram muito positivos. Não é provável que as reservas do regulador americano tenham vindo daí. É muito provável que tenham vindo de questões relacionadas com segurança.
Esta é uma doença que precisa de alternativas terapêuticas?
A perturbação de stresse pós-traumático é uma condição para a qual temos muito pouco a oferecer e as alternativas que temos são não extraordinariamente eficazes.
E a psilocibina, em que fase se encontra?
Na sua maior parte, os estudos têm sido feitos em depressão resistente. Há uma companhia britânica que fez os estudos principais e participámos num deles, em 2020 e 2021. Os sinais que existem apontam para que possa vir a ser útil. A vantagem que a psilocibina parece ter em relação à escetamina e à cetamina é que os seus efeitos são mais duradouros. Inicialmente, pensava-se até que ia ser a tal bala mágica, através da qual as pessoas ficavam curadas com uma única administração. A evidência tem vindo a demonstrar que não é bem assim, com muitos dos doentes a precisarem, depois, de fazer outros tratamentos. Mas é uma promessa importante para a depressão.
Ainda a alguns anos de distância, certamente.
Vai exigir tempo, mas parece ser a substância mais próxima de poder vir a ser aprovada. Nós próprios estamos agora envolvidos num estudo financiado pela União Europeia – portanto, já não é um estudo da indústria, é um estudo de um consórcio académico – sobre o uso da psilocibina para tratar sintomas depressivos em contexto de cuidados paliativos não oncológicos. Este consórcio está a fazer um ensaio aleatorizado, controlado por placebo, de psilocibina em pessoas com diversas condições incuráveis. Em Portugal vamos concentrar-nos na doença de Parkinson avançada, em que a presença de depressão é significativa. Temos poucas e más respostas para estes doentes e, portanto, vamos avaliar se nesta população a psilocibina pode ser uma boa alternativa. Há alguns sinais nesse sentido.
As substâncias psicadélicas representam alguma esperança no tratamento da perturbação obsessivo-compulsiva?
Há estudos em curso e alguns resultados preliminares que não permitem uma conclusão muito clara. Ainda é cedo. É também uma perturbação que nos interessa muito. Não temos qualquer estudo em curso com psicadélicos, mas estamos a estudar outras formas de tratamento, nomeadamente estimulação cerebral não invasiva.
Uma vez que os psicadélicos provocam alterações do estado da consciência, os tratamentos envolvem várias questões éticas. Quais são as implicações a este nível?
Houve um ensaio em relação ao uso da MDMA para PSPT no qual uma doente acusou o terapeuta de abusar dela sexualmente enquanto ela estava sob o efeito da MDMA. Esse estudo estava a ser filmado e algumas coisas que se passaram são absolutamente impensáveis, como o terapeuta estar deitado na mesma cama da doente. É só um exemplo ilustrativo, sabemos que estas coisas podem acontecer em qualquer circunstância, mesmo sem qualquer substância. Há atos que não são éticos, são até criminosos, praticados por profissionais em todo o mundo e, idealmente, temos de ter processos para garantir que os doentes estão protegidos. No dia 1 de outubro, a Fundação Champalimaud vai receber um evento sobre a utilização de substâncias psicadélicas para efeitos terapêuticos na psiquiatria e uma das oradoras será Nese Devenot, professora da Universidade Johns Hopkins, com muito trabalho sobre ética e segurança dos doentes nos ensaios clínicos e nestas terapias. Outro convidado é Jules Evans, que se tem dedicado a pensar nestes temas em consequência das suas experiências traumáticas com o consumo recreativo.
São duas realidades muito distintas que podem confundir-se, o uso clínico e o uso social?
A dificuldade que tem havido é em pesar bem a extraordinária promessa deste instrumento tão poderoso com uma série de riscos claros que têm de ser abordados de uma forma muito cuidadosa. Se não fizermos isso, pode levar a uma proibição generalizada, como aconteceu há umas décadas nos EUA. Temos de nos apoiar na ciência, no pensamento humanístico, na ética, para termos a certeza de que não desperdiçamos esta oportunidade de desenvolver melhores soluções para os doentes que não conseguimos ajudar neste momento. Não queremos de forma alguma entrar nas questões da liberalização, da legalização e da regulamentação do uso não clínico, como pretendem certos movimentos nos EUA.
Uma coisa é o uso controlado de medicamentos em ambiente hospitalar, outra é o uso recreativo dessas mesmas substâncias.
Quando estudamos os riscos relacionados com determinadas substâncias, não podemos pensar apenas na substância. Devemos pensar também nos padrões de uso. Há dez ou 20 anos, o consumo de cetamina era muito mais residual do que parece ser hoje. No Reino Unido, por exemplo, houve um aumento enorme do seu uso recreativo, possivelmente em consequência do que tem vindo a ser discutido sobre os seus benefícios clínicos, e isso aumenta os riscos.
A morte do ator americano Matthew Perry, da série Friends, em 2023, na sequência de consumo excessivo de cetamina, também deu maior mediatismo ao lado negativo.
Foi um exemplo muito mediático de coisas que podem acontecer quando a pessoa está intoxicada com doses elevadas de cetamina. É desse tipo de circunstâncias que tentamos proteger os doentes em contexto hospitalar. No Reino Unido, há relatos de toxicidade renal e de acidentes que podem ocorrer quando a pessoa está sob o efeito daquela substância. E, portanto, não podemos falar dos riscos das substâncias por si só. Há aqui elementos sociológicos e não apenas biológicos. A segurança não está estritamente relacionada com a molécula. Tem a ver com as doses, com o ambiente em que ela é utilizada. Se a pessoa está num ambiente seguro, reconfortante, com pessoas em quem confia, o risco não é comparável. Quer isto dizer que estas substâncias só podem ser utilizadas do ponto de vista clínico? Essa não é uma questão para os médicos, nem para os investigadores clínicos.
O estigma em relação aos psicadélicos desfavorece aprovações de medicamentos e de mais investigação nesta área?
Acho que isso já aconteceu. Na verdade, a primeira e a segunda tentativa que fizemos para estudar a psilocibina foram mal recebidas pelas estruturas regulamentares do ensaio clínico. Mas também acho que acontece cada vez menos. E aqui admito que é um reflexo, em grande medida, do entusiasmo que mobiliza a vontade de perceber melhor como é que essas substâncias funcionam.
Há ano e meio, dizia numa entrevista ao Público: “Parece haver um grande entusiasmo com estas substâncias psicadélicas, mas que não é paralelo ao que já conhecemos sobre elas.” Mantém-se atual esta afirmação?
Esta entrevista é a demonstração disso. Muito me honrou o convite e falámos sobre estratégias para tratar perturbações psiquiátricas em pessoas que não têm alternativas, que é o que me apaixona, mas eu não trabalho apenas com psicadélicos. O meu domínio principal de investigação nesta área é, por exemplo, com estratégias de estimulação cerebral e, nos últimos cinco anos, se recebi dois ou três pedidos da comunicação social para falar desse tema, foi muito. Não é uma crítica, mas há um certo enamoramento pelo conceito de que estas substâncias com impacto no nosso estado de consciência, na nossa interação com o mundo, possam melhorar determinados sintomas. Por outro lado, parte do enorme risco desta conversa é que podemos ter alguém em casa aflito porque tem um quadro depressivo e vai tentar comprar psilocibina ao virar da esquina para consumir sabe-se lá como e com quem e onde.