
Começar um debate nas ESG Talks – uma iniciativa do Novo Banco, organizadas pela VISÃO e EXAME em parceria com a PwC, a NOVA SBE -, acerca da reciclagem a falar de água? Sim, cada vez mais. “A água é circular e tem de passar a ser entendida como valor e matéria-prima. A isso obrigam as novas realidades climáticas”, afirma, provocador, Marcos Batista, assessor do conselho de administração das Águas de Portugal.
A mudança no setor é paradigmática do conceito de economia circular. As antigas ETAR, sítios vistos como sujos, são hoje fábricas de água, que não produzem apenas o líquido essencial – algumas até se dedicam à cerveja artesanal -, geram também energia. Trata-se de um novo conceito que reforça o carácter industrial do trabalho realizado numa Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), em que a água é tratada como matéria-prima plena de recursos para usar, reutilizar, reciclar e valorizar.
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“A média de autonomia nas fábricas ronda os 83%, mas há dias em que atingimos os 100%, apenas como que se extrai da água”, nota Marcos Batista, que também não esquece a importância da circularidade, com o retorno às linhas de água e ao mar, a utilização de águas recicladas para a rega e lavagem de espaços públicos e a reutilização das lamas que são extraídas no final do processo de purificação. Um dos projetos mais criativos da empresa é a produção da cerveja “Vira” com esta água, como prova de que o produto final pode ter usos muito diferentes dos que eram concebíveis há poucos anos atrás.
Ana Trigo Morais, administradora-delegada da Sociedade Ponto Verde, lembra que, há 26 anos, quando surgiu a empresa, Portugal era uma lixeira a céu aberto e que, por isso, foi necessário organizar todo o sistema de recolha e encaminhamento de resíduos. “Hoje, apenas 10% do lixo vai para aterro”, lembra. Mas ainda existem muitas dúvidas acerca da separação. “Precisávamos de ir muito mais depressa. Ainda desperdiçamos 31 milhões de euros em embalagens que não vão para a reciclagem.”

Acelerar, neste caso, significa tornar a reciclagem numa prática conveniente para todos, “servir bem os cidadãos, investir na literacia, explicar que os resíduos têm valor”. E isso só é possível através da inovação, da digitalização de todo o processo. Mas também recorrendo a incentivos aos consumidores, para que haja noção de que tudo tem um custo.
Nem de propósito, Mafalda Anjos, diretora da revista Visão e responsável pela moderação deste painel, dá voz a Miguel Aranda da Silva, diretor-geral da SDR Portugal, para que ele fale do sistema de depósito e reembolso das embalagens de bebidas não reutilizáveis que a associação sem fins lucrativos quer implementar em Portugal.
Ainda não há uma data para o arranque – “já devia ter sido ontem, mas espera-se que seja para o ano” – nem um valor estipulado. Neste momento, está em estudo que cada recipiente colocado no sistema possa valer cerca de 10 cêntimos, um valor interessante para que cada vez mais pessoas se sintam convidadas a reciclar. Por enquanto, deita-se olho ao know how e aos bons resultados dos 10 países europeus em que este sistema já vigora para que tudo saia bem.
Ricardo Vidal, que também está no palco, é vogal da direção da Smart Waste City, uma associação sem fins lucrativos destinada a potenciar a utilização dos resíduos como um recurso, atuando em toda a cadeia de valor. Também administra a Interecycling, um empresa dedicada a recolher diversos tipos de resíduos e a fazer a descontaminação e o processamento dos seus componentes, como plásticos, metais e cablagens. Sabe tão bem como Ana Trigo Morais que as metas nacionais estão longe de ser atingidas, mas aconselha a uma atitude positiva para que haja um bom aproveitamento de todo o desperdício gerado pelos portugueses (em casa e na indústria). Só hipervalorizando os resíduos se pode fazer face à falta de matéria prima, conclui.

A administradora da Sociedade Ponto Verde defende então que, para se conseguir essa valorização, há que resolver o problema da recolha. “Temos de envolver outros players para nos ajudarem a atingir as metas da reciclagem com que Portugal está obrigado e onde está atrasado. Com exceção das embalagens, Portugal não as cumpre”, lamenta. Além disso, gostava de ver o quadro regulatório simplificado, novos sistemas de recolha e maior transparência do setor.
Miguel Aranda da Silva segue o seu raciocínio (“ainda somos muito opacos, falamos muito para dentro”), referindo que é necessário ir mais longe, arregimentando mais entidades que ajudem quem já está no terreno, pois a questão coloca-se a toda a indústria – ninguém pode ficar de fora.
Marcos Batista encerra o debate, lembrando que no caso da água nem é preciso recolha, pois o valor já lá está todo. “A água não tem substituto, mas a sua qualidade sim.”