Têm a vida pela frente e representam 10% da população residente mas, segundo a Pordata, que em julho fez um retrato dos jovens (entre os 15 e os 24 anos), no âmbito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), também têm desafios complicados e sobejamente conhecidos: saem mais tarde de casa dos pais do que o desejado (aos 30 anos, mais três do que a média europeia, segundo o Eurostat); têm canudo (que leva Portugal a ocupar o sétimo lugar na União Europeia) mas mais de metade (57%) tem contratos temporários, a que se juntam baixos salários, que levam muitos a nem poderem dizer que são “mileuristas”, porque os seus rendimentos mensais não chegam a esse valor.
É certo que “a malta é jovem” e “tudo se resolve”, desde que haja saúde. E fé, a avaliar pelos dados do Censos: só dois em cada dez disseram não ter religião e a larga maioria (71%) afirmou seguir a religião católica. Contrariamente ao que poderia pensar-se, o facto de viverem num Estado laico não é incompatível com a fé, como atestam os resultados do estudo Os Jovens em Portugal Hoje, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), que envolveu uma amostra de quase cinco mil jovens (idades entre os 15 e os 34 anos): os ateus (13%) e os indiferentes (12%) ficaram bem aquém dos católicos (50%), apesar de só 18% destes serem praticantes, indo à missa pelo menos uma vez por mês.
Religiosos? Sim, somos
No ano passado, e antecipando a JMJ, a Conferência Episcopal Portuguesa, em parceria com o Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa da Universidade Católica, realizou um inquérito online com a meta de apurar como as novas gerações (idades entre os 14 e os 30 anos) viviam a espiritualidade e encaravam o mundo (Jovens, Fé e Futuro).
Podem sentir-se menos felizes, ter sintomas de mal-estar, preocupar-se com os males do mundo e os sonhos adiados, mas mobilizam-se por causas e crenças partilhadas
Olhando para as quase duas mil respostas obtidas, elas não foram muito diferentes: mais de metade da amostra afirmava ser religiosa, os católicos foram 49% desses, um terço (34%) definiu-se como praticante (um valor acima dos dados dos estudo da FFMS). Inquiridos sobre os motivos de não serem mais ativos na prática da fé, mais de 40% do grupo dos mais velhos (dos 18 aos 30 anos) disseram discordar de algumas normas e um quarto deles (25%) já foi discriminado por isso entre amigos (18%), bem como na escola ou na universidade (15%).
Outras duas conclusões merecem destaque: mais de metade da amostra reconheceu haver verdade em todas as religiões, por ajudarem a compreender o sentido da vida e 51% dos não praticantes manifestaram a intenção de participar na JMJ, como se viu depois.
A guerra, as alterações climáticas, a equidade e discriminação, que a maioria sente como preocupações, não abalam a vontade de ser feliz, que implica gostar do trabalho que se faz, contribuir para que a sociedade mais igual e menos discriminatória. E em matéria de valores, surgem no topo da lista o respeito, a liberdade e o amor (este, mais acentuado nos católicos), sem os quais é difícil fazer caminho.
Nem tudo é festa
Perante estes dados, parece cair por terra o mito de que as gerações mais jovens só se interessam por concertos, tecnologia e que não sabem muito bem ao que andam. O problema é outro e afigura-se uma cruz difícil de carregar: os seus sonhos legítimos – uma carreira profissional bem paga, fazer parte de um casal e ter filhos, no estudo da FFMS – parecem não passar disso mesmo.
Aos obstáculos já citados, acresce outra barreira difícil de transpor: uma boa parte dos jovens (52%) está pouco satisfeita com aspeto físico (sobretudo nos que têm orientação sexual homo ou bi), sente-se vulnerável (a discriminação e assédio, sobretudo as mulheres) e 23% tentaram por termo à vida ou pensaram nisso (note-se ainda que em 2021, esta foi a causa da morte de 12% dos jovens).
A pandemia já lá vai, mas as marcas perduram, como se vê pelos resultados do estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC/OMS), divulgado no fim do ano passado, e feito em colaboração com a Organização Mundial de Saúde, em que a satisfação com a vida e a perceção de felicidade baixaram na amostra portuguesa, face ao estudo anterior (em 2018): aos 11, aos 13 e aos 15 anos, mais de um quarto dos adolescentes em idade escolar disse sentir-se infeliz, além de terem aumentado os sintomas de mal-estar físico e psicológico.
O psiquiatra e escritor Daniel Sampaio conhece bem este panorama sombrio: “Nesse estudo (HBSC), identificaram-se 24,6% de comportamentos autolesivos, mais do que no estudo anterior (19,6%), algo que também vejo em consultório.” O mal-estar aumenta e o corpo é que paga. Ou então procura-se refúgio nos ecrãs e nas redes sociais, na esperança de encontrar algum consolo e combater o sentimento de desamparo (no estudo da FFMS, vinte e nove por cento gastam mais de três horas diária nas redes sociais e, durante o tempo livre, passam mais tempo a ver filmes ou séries – 43% – do que a beber café ou almoçar com amigos – 39% – sem falar na prática de desporto, que se fica pelos 19%).
Jesus e a autenticidade inclusiva
O especialista na área da adolescência lembra como “o isolamento associado à pandemia, agravou situações de ansiedade e de depressão” e privou muitos de socializar, o que tem efeitos agora: “Os meus dois netos ainda não fizeram amigos nestes dois anos de faculdade.”
Valendo-se da sua experiência clínica, Daniel Sampaio refere o caso de um jovem com 17 anos que se mutilava e costumava ver vídeos no TikTok sobre isso. Falaram sobre isso na consulta e ficou claro porque o fazia: “Ao sentir-se tão só e em sofrimento, ficava melhor por ver alguém que estava a passar pelo mesmo.”
Fazendo saber que “a resposta dos serviços de saúde mental é muito fraca e nem todos os psiquiatras e psicólogos estão devidamente treinados para lidar com as questões juvenis”, o médico sugere que seja feita uma atualização do modelo de avaliação dos casos: “Desde os anos 1980, era preciso analisar a família, a escola e o indivíduo, agora terá de contemplar também a relação com a Internet.”
Em tempos adversos, o isolamento não é solução, o que confere particular relevância a esta JMJ. “Moro perto do Parque Eduardo VII e testemunhei uma grande alegria e proximidade, mas não é só festa; quando interpelados na rua, falam na figura de Jesus”, sublinha o psiquiatra.
As gerações mais novas podem ter uma fé diferente da dos pais e dos avós, mas manifestam uma crença e a mensagem do Papa Francisco vai ao encontro dela: “Há muitos jovens que não estão seguros de quem são e ouvirem que Deus acolhe todos, que podem olhar para dentro de si e ser autênticos, sem ceder à pressão dos pares e das modas, revêem-se nisso.”