Para escapar às autoridades, que o condenaram a oito anos de prisão, Mohammad Rasoulof esteve a monte durante 28 dias, atravessando a pé a fronteira noroeste do Irão. O realizador, de 52 anos, já tinha passado vários anos preso por obras anteriores. A Semente do Figo Sagrado fala de heroínas que se opõem à tirania moral do Estado iraniano, mas um dos grandes heróis dessa história está do lado de cá da câmara.
Contudo, A Semente do Figo Sagrado está longe de ser um filme panfletário, no sentido em que o seu valor não se esgota na mensagem política de libertação que quer transmitir. É universalmente uma grande obra de cinema, que faz jus à melhor tradição do cinema iraniano. Rasoulof, de resto, já tinha assinado uma obra maior, o seu filme anterior, O Mal Não Existe. Aqui a coragem ainda é maior.
Rasoulof constrói personagens que vivem com dilemas morais profundos, e vão definindo um posicionamento ético, político e psicológico com o correr da ação, nunca se enquadrando num perfil estático. O contexto são as recentes grandes manifestações juvenis violentamente reprimidas pelas autoridades. Mas o protagonista não é um estudante em luta contra o regime, antes um “procurador” em luta consigo próprio. Ao drama do país sobrepõe-se um drama familiar – e um serve de metáfora para o outro.
No meio do choque de valores, entre o dever de obediência e a libertação moral, prevalece uma ideia de inevitabilidade. Há um regime de medo e suspeita, em que não se pode confiar nos entes mais próximos; um Estado que maltrata os seus filhos, um regime que está a ruir por dentro, numa falência moral incontrolada. O véu acabará por cair.
O filme constrói-se lentamente, sem nunca cair em excessos demagógicos, repetindo subtilmente máximas que conhecemos de outras revoluções: às vezes é preciso desobedecer, às vezes é preciso matar os “nossos próprios pais”. Na parte final há, no entanto, uma mudança de registo, aproximando-se quase de um filme de terror. Afinal, o mal sempre existe, mas o bem prevalecerá.
A Semente do Figo Sagrado > De Mohammad Rasoulof, com Soheila Golestani, Missagh Zareh, Mahsa Rostami, Setareh Maleki > 168 min