Há pouco mais de uma semana, Portugal foi gravemente afetado por diversos incêndios florestais que levaram à destruição de milhares de hectares do território nacional e resultaram na morte de oito pessoas. Esta semana, contudo, o calor que esteve na origem das chamas deu lugar a intensos períodos de chuva e levou a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil a emitir alertas para o risco de cheias, derrocadas e deslizamentos de terras. Dois fenómenos naturais – levados ao extremo graças às alterações climáticas – mais ligados do que se possa pensar.
Cada vez mais frequentes, os incêndios florestais têm consequências devastadoras para os ecossistemas ao destruírem espaços verdes, libertarem gases com efeito de estufa e levar ao aumento dos níveis de poluição. Já menos conhecidos são os efeitos que o fogo tem nos solos e no aumento do risco hidrológico – excesso de água à superfície terrestre. Isto porque os incêndios tornam os solos mais frágeis e vulneráveis a outras catástrofes naturais, como as cheias.
À medida que uma floresta arde é criada uma fina camada de cinzas à superfície dos solos que impede o mesmo de absorver a água da chuva. Desse modo, quando chove, ao invés de se infiltrar na terra, a água acaba por escorrer, transportando consigo os detritos das chamas. Por outro lado, as chamas destroem também as raízes das árvores que estabilizam o solo, tornando os terrenos mais vulneráveis à erosão e aos deslizamentos de terras.
Nos últimos anos, fatores como o aumento das temperaturas, as secas e os solos secos têm contribuído para o aumento do número de incêndios, por todo o mundo. Uma realidade que, segundo dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM), deverá registar um aumento de 30% até 2050 e de 50% até 2100.
De que forma os incêndios estão ligados às cheias
Tal como os incêndios, os episódios de chuva intensa estão a tornar-se um fenómeno cada vez mais frequente devido às alterações climáticas. Este verão, na Europa Central, milhares de pessoas foram obrigadas a abandonar as suas casas. Já no Brasil, em maio deste ano, as cheias em Rio Grande do Sul deixaram um rasto de destruição e resultaram em milhares de desalojados. Mas enquanto as inundações em zonas costeiras são, em grande parte, causadas pelo vento e marés altas, as inundações fluviais estão ligadas aos fenómenos de precipitação intensa.
Segundo o Painel Intergovernamental das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (IPCC), com o aumento – já previsto – de 1.5 graus da temperatura global “a precipitação intensa, que seria uma ocorrência única em 10 anos, ocorrerá 1,5 vezes em cada década e será 10% mais húmida”. Em 2023, a Europa foi 7% mais chuvosa do que o normal, tendo a maior parte do continente registado condições de pluviosidade acima da média.
Mas como é que as alterações climáticas estão a afetar a precipitação? Antes de tudo, será necessário perceber que, ao evaporar-se dos oceanos e da terra, a água afasta o calor dessas superfícies, dispersando-o pela superfície do planeta. Depois, seguindo o seu ciclo, a água acaba por condensar e cair sob a forma de chuva ou neve.
São os gases com efeito de estufa, presentes na atmosfera, que retêm o calor e provocam o aumento da temperatura global. Assim, quanto mais gases com efeito de estufa a atmosfera contém, mais calor acaba por ficar retido e mais rapidamente se dá a evaporação da água. Ou seja: quando chove há mais água para libertar. “Trata-se de uma questão básica de equilíbrio energético”, explicou Liz Moyer, cientista atmosférica da Universidade de Chicago, à revista Wired. “A própria Física que nos dá o efeito de estufa também faz com que o planeta perca mais dessa energia por evaporação. E como tudo o que sobe tem de descer, isso significa que também chove mais”, acrescentou. Deste modo, quando ocorre um incêndio, mais gases com efeito de estufa são libertados, alimentando o processo.
Quanto mais intensa for a chuva mais dificuldade em absorver a água terão os solos, levando à formação de cheias e inundações – sobretudo se tiver existido um incêndio recentemente. Por outro lado, as infraestruturas existentes não estão preparadas para a intensidade das chuvas, uma vez que os sistemas de drenagem não conseguem escoar a água com a rapidez necessária a evitar cheias e inundações.