O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, esta terça-feira, a condenação de Paulo Gonçalves, antigo assessor jurídico do Benfica, a dois anos e seis meses de pena suspensa por crimes de corrupção no processo E-toupeira. A decisão foi tomada pelos desembargadores Rui Coelho, Alda Casimiro e Luís Gominho, que também mantiveram a condenação a cinco anos de cadeia (com pena suspensa) ao funcionário judicial José Silva.
Para os juízes desembargadores, as ofertas de Paulo Gonçalves ao funcionário judicial que estavam na base dos crime de corrupção que lhe foi imputado podiam não ter um valor monetário considerável, como alegou a defesa do antigo assessor do Benfica, mas “a própria proximidade ao Benfica, a familiaridade com o espaço da Luz, da equipa, do futebol são claramente relevantes para um adepto do clube”.
“Qualquer adepto do futebol gostará de sentir-se próximo da equipa, do clube da sua preferência. Qualquer fã de uma banda musical gostará de estar próximo dos seus momentos em palco ou fora dele. Qualquer entusiasta cinematográfico valorará a possibilidade de estar presente na criação de um filme”, referiram os juízes desembargadores , para quem “esta proximidade, ainda que não seja traduzível em valor monetário, e pareça desprezível, tem um conteúdo que ao qual o cidadão comum concede um valor. O acesso gratuito, ainda que a pequenos artigos, de reduzido valor, é um factor de satisfação pessoal que configura uma clara vantagem relativamente aos demais. Vantagem essa que tem relevo pela indisponibilidade para o comum dos cidadãos”.
Já, em primeira instância, o tribunal tinha condenado a conduta dos arguidos, relacionando as ofertas de Paulo Gonçalves ao funcionário judicial José Silva com o acesso a informações de processos em segredo de justiça. “O modus operandi seguido não configura uma atividade rudimentar, antes se mostrando revelador de alguma determinação criminosa, pois que os arguidos agiram reiteradamente (ainda que o arguido Paulo Gonçalves no âmbito de uma única resolução criminosa)”.
Em relação ao antigo dirigente do Benfica, condenado a dois anos e seis meses de pena de prisão, suspensa na execução, por um crime de corrupção ativa, o tribunal entendeu que o arguido foi “o elemento preponderante que desencadeou toda a sequência de crimes” e que este tinha consciência dos atos, rejeitando a tese de que a oferta de bilhetes ou merchandising fosse apenas uma prática habitual quando tal ocorre “sempre com um mesmo destinatário e de forma reiterada”.
“As ofertas eram feitas inicialmente para que o arguido José Augusto Silva fosse depois permeável aos seus pedidos, como se constatou que foi, o que foi sucedendo também depois de aquele ter aceitado fazer os acessos que lhe foram solicitados, aí já a título de verdadeira contrapartida pelos atos por aquele praticados. E existindo corrupção, ela é para a prática de ato ilícito”, de acrodo com a decisão de primeira instância.
Entre os processos que foram consultados encontram-se o ‘Football Leaks’, que tem Rui Pinto como principal arguido; o caso dos ‘vouchers’, denunciado pelo ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho; ou o caso dos emails. Sem deixar de admitir que haveria interesse de Paulo Gonçalves em ter acesso a informações dos processos para eventual benefício do Benfica, o tribunal considerou que a concretização de possíveis vantagens não ficou demonstrada.
“Com os acessos pretendeu-se ter conhecimento de atos processuais e do andamento de processos, seguramente que não por mera curiosidade, mas para, de algum modo, ter conhecimento dos factos, utilizar a informação contra outros clubes rivais ou em benefício do Benfica. Mas de que modo isso seria concretizado, não pode o tribunal fazer afirmações suportadas em especulação”, referiu o acórdão.
Paulo Gonçalves, antigo assessor jurídico da SAD do Benfica, estava acusado de seis crimes de violação do segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo, em coautoria, além de um crime de corrupção ativa, dois de acesso indevido e dois de violação do dever de sigilo, tendo sido punido apenas pelo crime de corrupção ativa.
José Augusto Silva foi condenado pela prática de um crime de corrupção passiva, seis de violação de segredo de justiça, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo, 28 de acesso ilegítimo e um de peculato, com o tribunal a deixar de fora apenas 21 crimes de violação de segredo por funcionário. Por sua vez, Júlio Loureiro foi absolvido do crime de corrupção passiva.
O caso E-toupeira remonta a 2018, quando o MP acusou o antigo assessor jurídico do Benfica Paulo Gonçalves, os funcionários judiciais José Augusto Silva e Júlio Loureiro e a SAD do Benfica de vários crimes. Contudo, em dezembro desse ano, a decisão instrutória acabou por não pronunciar para julgamento a SAD ‘encarnada’