A obesidade é reconhecida como uma doença, e uma epidemia, pela OMS. Portugal, onde se estima existirem dois milhões de obesos, foi o primeiro País da União Europeia a seguir o mesmo caminho, em 2004. Mas ainda há quem ache que se trata de uma escolha e não de uma patologia crónica, grave e multifatorial, com impacto na morbilidade e mortalidade, em que estão presente fatores genéticos, ambientais, psicológicos, comportamentais e socioeconómicos. Quando não tratada, pode funcionar como rastilho para mais de 200 de doenças crónicas.
A este propósito, falámos com Giles Yeo, diretor de genómica no departamento de bioquímica clínica e professor de neuroendocrinologia molecular na unidade de doenças metabólicas da Universidade de Cambridge. O foco do seu estudo assenta na obesidade, na forma como o cérebro controla o nosso peso e na importância da genética no apetite.
Além da vida académica, esforça-se por passar a mensagem ao grande público: é apresentador de programas de televisão, voz do podcast Dr Giles Yeo Chews The Fat e autor de livros, como Gene Eating: The Story Of Human Appetite (2018) e Why Calories Don’t Count (2021).
Se as calorias não contam, como diz o título do seu livro, o que conta afinal?
Cada alimento tem a sua disponibilidade calórica, o que significa a quantidade de calorias que extraímos desse mesmo alimento. Por exemplo, a salsa tem muito pouca, enquanto o açúcar ou a gordura têm imensa. Mas isso, não nos diz nada acerca do conteúdo nutricional de cada produto. O que devíamos estar a contar era os nutrientes dos alimentos.
E como podemos fazer isso?
Não é fácil. E a culpa é das regras de rotulagem – expõem a quantidade de calorias e tudo o resto vem em letra pequenina, nas costas da embalagem. Mas há que reter que temos de ter proteína suficiente.
O que significa suficiente?
Significa 16% do nosso aporte energético diário.
Isso é um número complicado de quantificar. Dê-me alguns exemplos.
Se olharmos para um pedaço de carne, ela não deverá exceder o tamanho de uma carta (não parece muito, porque comemos em excesso). No caso do peixe, será do tamanho da palma da mão. Depois temos ovos e tofu… Não é fácil.
E além da proteína?
Temos de consumir 30 gramas de fibra por dia, que nos chega através dos vegetais e da fruta. Devemos comer o máximo que pudermos, porque a maioria de nós fica-se pela metade. E precisamos de limitar a quantidade de açúcares livres, adicionados – não conta o que está na fruta, pois esse vem com fibra.
Já atingiu os objetivos na sua investigação?
Debruço-me sobre a forma como o cérebro controla o nosso apetite e a genética do nosso peso corporal. Trabalho num instituto oficial para estudar a obesidade e se o nosso objetivo for curá-la, estamos muito longe disso. Porém, está tudo melhor no que toca a informar as pessoas acerca da doença ou como se devem alimentar, mas ainda há um longo caminho para percorrer. Acho que não vou perder o emprego brevemente.
Defende que a genética é que controla o nosso apetite. Então, o que nos cabe fazer para dominá-lo?
Temos de dividir entre o que uma pessoa e o que a sociedade pode fazer, sem dissociar estas duas realidade, porque as pessoas vivem numa sociedade que é controlada por um governo. No que toca ao indivíduo, se se tratar de um obeso severo, se calhar precisa de cirurgia bariátrica. Mas há muitas pessoas que têm de perder peso para serem mais saudáveis e essas talvez necessitem de medicamentos (esta nova geração de drogas disponível é fenomenal). À maioria de nós basta fazer mudanças comportamentais.
A que mudanças se refere?
A maneira mais fácil de comer menos é sentir-se cheio. Há alimentos que demoram mais tempo a serem digeridos e esses, naturalmente, fazem-nos sentir mais saciados – são os ricos em proteína e em fibra.
E que mais?
Se por acaso sabe que é louco por chocolate, por exemplo, o melhor é não o ter em casa.
E a nível governamental?
Precisamos de corrigir o ambiente, com políticas adequadas. Sem isso, a realidade dificilmente mudará. Se vou abastecer-me de gasolina, por que tenho de passar por corredores cheios de chocolates quando vou pagar a despesa? Só lá fui encher o depósito…
De que forma nos marca a genética?
Para algumas pessoas é mais difícil ou mais fácil resistir a determinados alimentos por causa dos seus genes.
Por que estamos a ficar tão gordos?
Quando falo da influência da genética questionam-me o que tem isso a ver com os números da obesidade, argumentando que há 40 anos não éramos tão gordos. E é verdade. Sem dúvida que as mudanças no ambiente, no tipo de trabalho que temos ou como nos transportamos têm muita culpa no aumento do peso da população. No entanto, nem toda a gente é obesa, ainda há magros, por que existem diferentes formas de reagirmos a estas mudanças – é aí onde entra a genética.
Qual é o peso da hereditariedade?
Varia entre 40 e 70 por cento. Do outro lado, há que pensar que 30 a 60% está no ambiente.
E isso pode mudar-se.
Podemos mudar o ambiente, não podemos mudar a nossa biologia.
Defende que a obesidade é uma doença e não uma escolha. Imagino que, nesse contexto, deva ser tratada com medicamentos?
Alguma obesidade e também depende da pessoa.
O que pensa do polémico semaglutido, por exemplo?
Esse medicamento foi originalmente desenhado para tratar a diabetes, mas entretanto verificou-se que, como efeito secundário, quem o tomava perdia peso. As farmacêuticas adaptaram a sua composição para aumentar esse efeito e tratar a obesidade, fazendo-nos sentir mais saciados. Quando ele foi aprovado no Reino Unido, fui contactado por alguns jornalistas que me perguntaram se era moral estar a tratar a obesidade. Mas ninguém pergunta se é moral tratar o cancro ou dar insulina para controlar a diabetes de tipo 1. Mas aqui estamos a lidar com peso corporal e as pessoas pensam que isso é uma escolha.
Qual foi a sua resposta?
Expliquei que esta é uma droga que nos faz sentir saciados e comer menos. Não faz com que possamos comer tudo o que quisermos, nas quantidades que quisermos. Na realidade, é amiga do ambiente por que usamos menos recursos. Até agora mostrou-se segura para as pessoas – isto pode mudar, claro – com poucos efeitos secundários (que atingem só algumas pessoas).
A educação deixou de ser um fator crucial? Ensinar a comer bem, por exemplo.
Vamos precisar de dois patamares para resolver este problema: curar pessoas com obesidade e prevenir que outras pessoas fiquem obesas. No primeiro caso, e em algumas situações, teremos de recorrer a medicamentos. No caso da prevenção, há que mudar o ambiente, as políticas e educar. Ensinar a comer melhor, a cozinhar melhor, chegar às crianças.
Sem educação, nos casos em que se recorre à medicação, não se corre o risco de se voltar ao mesmo peso quando se termina toma?
Sim…
Então, a toma tem de ser para o resto da vida?
Defendo isso. Pensemos em medicação para a tensão alta: não paramos de tomá-la só por que a tensão desce ou ela subirá outra vez. Para algumas pessoas com obesidade temos de pensar nos mesmos moldes.
É da opinião de que controlando-se alguns fatores sócio-económicos se pode controlar a obesidade. Como?
Controlar é uma palavra demasiado forte.
Bom, diminuir os números da obesidade.
Os 30% que constituem os mais desfavorecidos da sociedade têm duas vezes mais probabilidades de acabarem obesos do que os mais ricos. Logo, se se resolvessem esses problemas socioeconómicos, seria possível diminuir as taxas. Isto é verdade para a obesidade e para outras doenças, como a Covid ou o cancro.
Não é fácil ir por aí…
Pois, há que convencer os governantes. Não quero parecer comunista, mas penso que a pobreza é uma escolha política. Temos fundos limitados, bem sei, mas estão a aplicá-los mal. Acho que se controlássemos as questões socioeconómicas até pouparíamos dinheiro, mas ninguém me liga nenhuma.
O que pensa da restrição calórica como forma de se viver mais?
Em humanos é um bocado mais difícil de se medir, mas em animais já se consensualizou que uma moderada restrição calórica prolonga a vida. Mas… seria feliz assim? Essa é a questão: se vou sentir-me infeliz, prefiro viver menos. Perante esta opção, penso que muito pouca gente a escolheria. Ai, que não devia estar a dizer isto [risos].
O que nos pode fazer viver mais, então?
Acho que o ponto é viver mais, com saúde.
Isso.
Qual é a medida que pode determinar se vivemos mais tempo saudáveis, quando já temos 65 anos? A quantidade de massa muscular que se transporta, independentemente do peso corporal ou de qualquer outra coisa. Trata-se de uma medida eficaz e simples para atestar a nossa boa forma.
Qual é a mensagem, neste caso?
Exercício! Só a seguir, podemos juntar uma dieta saudável. Não estou a falar de ir para o ginásio malhar, mas a referir-me a levantarem-se mais vezes da cadeira.
Que tipo de dieta nos ajuda nessa tarefa?
Do tipo da que já falámos, com base em proteína e fibra e reduzindo os açúcares. E quando falo em proteína não me refiro apenas a carne ou ovos, mas de todas as fontes, desde vegetais, a tofu, a feijões.
Já há muita evidência que ingerir demasiada carne não é bom para a saúde.
Muita carne vermelha. A carne branca, magra, funciona também como uma boa fonte de proteína. E o peixe é ótimo por causa da sua gordura boa.
Mas temos um problema de escassez de peixe nos mares.
Ambientalmente, a conversa é outra.
Então o que podemos fazer?
Comer menos carne e mais vegetais.
Defende uma dieta vegetariana?
Não penso que precisemos que toda a gente seja vegetariana ou vegan. O que aconselho é que se reduza a ingestão de carne entre 10 a 20 por cento – escolher um ou dois dias por semana em que não se come carne ou optar por aboli-la ao almoço. Isso ajudaria o ambiente e a nossa saúde. Não deveria ser difícil, mas por exemplo aqui no Reino Unido o governo recusa-se a dizer para as pessoas comerem menos carne.
Por medo de represálias da indústria alimentar?
Exatamente. Ninguém está a tentar destruir a indústria nem a defender que todos nos tornemos vegan.
O caminho é o flexitarianismo, uma dieta tendencialmente vegetariana, mas que pode incorporar alimentos de origem animal em algumas ocasiões?
Sim. Eu, por exemplo, sou vegan dois dias por semana e é uma boa estratégia.
Achar o IMC (Índice de Massa Corporal) ainda é a melhor maneira de manter o peso debaixo de olho?
Trata-se de uma boa medida para a população, por que é de graça, recorrendo-se apenas ao peso e à altura das pessoas. Numa base individual, há que considerá-lo num contexto.
Prefere saber qual a quantidade de gordura que existe no organismo?
Ainda mais importante é saber onde está essa gordura.
Como podemos saber isso?
Há formas complexas e caras de o fazer e outras simples e baratas. É medir o rácio entre onde está o estômago e a cintura e está encontrada a forma do corpo. Se se tiver um IMC alto, mas o peso estiver no rabo, por exemplo, não há grande problema. Mas se se tiver um IMC médio e uma barriga proeminente, então já estaremos perante um grave risco de doença.
Como se pode diminuir esse problema de gordura localizada em sítios perigosos, como a barriga?
Resolve-se da mesma forma: perdendo peso.
Muitas vezes perde-se peso, mas não nos sítios certos.
É verdade. E nem se consegue direcionar a perda de peso com exercícios localizados para a zona que queremos eliminar. Não vale de nada fazer séries infinitas de abdominais para perder a barriga, por exemplo. O exercício é muito, muito saudável, mas não está indicado para perda peso, porque nós, seres humanos comuns, não nos exercitamos o suficiente para isso acontecer. Temos de reduzir o que comemos, infelizmente.
Só os exercícios cardio nos podem salvar?
Sim, cardio é a resposta. E dedicarmo-nos ao treino de força para ganhar massa muscular e sermos mais saudáveis.
Como estamos de obesidade pelo mundo?
- Estimativas da OMS para o ano de 2016 revelam que mais de 1,9 mil milhões de adultos em todo o mundo (aproximadamente 40% da população mundial) apresenta excesso de peso, dos quais mais de 650 milhões eram obesos.
- Os números de obesidade duplicaram desde 1980.
- Estima-se que os valores continuem a aumentar e que a doença venha a afetar mais de mil milhões de pessoas em 2030.
- Cerca de 5% dos casos de morte registados a nível mundial são devidos à obesidade.
- O excesso de peso e a obesidade são a causa de mais de 5 milhões de mortes por ano.
- A obesidade é responsável por 2% a 8% do total das despesas em saúde nos países ocidentais. A esta percentagem somam-se os custos indiretos (improdutividade, absentismo, desemprego), totalizando um custo de 2,8% do PIB mundial.