O Relatório Mundial da Felicidade (World Happiness Report, em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU), que mede o nível de felicidade existente em cada país, inclui nessa medição variáveis como o PIB per capita, a expectativa de vida saudável, a liberdade para fazer escolhas e as percepções de corrupção, por exemplo.
A Finlândia é, há cinco anos consecutivos, de acordo com o mesmo relatório, o país do mundo onde se vive mais feliz. E sermos mais felizes, através da construção de relações saudáveis, também pode influenciar a probabilidade de termos doenças? O Harvard Study of Adult Development, o maior estudo sobre felicidade humana realizado até agora, que acompanhou durante mais de oito décadas as vidas de centenas de norte-americanos, descobriu que sim.
Esses resultados foram aparecendo na década de 80 e deixaram os próprios investigadores muito céticos. Robert Waldinger, diretor do longo estudo desde 2005 e professor de psiquiatria na faculdade de medicina de Harvard, explica, ao The Guardian, que quando outras investigações começaram a demonstrar que relações mais calorosas podem, de facto, evitar o desenvolvimento de doenças arteriais ou cardíacas, por exemplo, os investigadores começaram a “ter confiança nesta descoberta”.
O líder do estudo lançou, agora, juntamente com Marc Schulz, diretor associado da longa investigação, o livro The Good Life: Lessons from the World’s Longest Scientific Study of Happiness, um manual com dados extensos sobre o estudo e onde se explica que quanto mais fortes forem os nossos relacionamentos, quanto mais investirmos neles, maior a probabilidade de vivermos vidas gratificantes, satisfatórias e mais saudáveis. “Boas relações murcham com a negligência. Não precisa de haver nenhum tipo de problema, mas se não as mantiver, vão desaparecer”, alerta Waldinger.
O investigador diz que existem diferentes fatores que influenciam o quanto somos felizes e que dependem do país ou cultura em questão, por exemplo. Mas existem vários pontos de encontro, garante. “Uma coisa interessante que as pessoas mencionam por todo o mundo é a generosidade e as oportunidades de se ser generoso”, afirma o psiquiatra. Ter segurança financeira também é importante, mas estudos demonstraram que a felicidade não aumenta muito acima de um determinado nível financeiro. De acordo com Waldinger, o fator duradouro e que resume a sua definição de felicidade é o relacionamento com os outros. “Estar envolvido em atividades que me interessam com pessoas de quem gosto”, defende.
Waldinger defende a ideia de que a felicidade se divide em duas categorias, existindo, por um lado, o bem-estar hedónico, mais orientado para os bens materiais e para a obtenção do prazer e fuga da dor. “Estou a divertir-me neste momento?”, pergunta o investigador, que resume assim esta definição. Depois, há a ideia de eudaimonia, uma busca mais interior pelo bem-estar e plenitude, “uma sensação de vida significativa”, explica. “Muitas vezes, existe essa diferença entre o que é divertido agora e aquilo em que investimos”.
De acordo com o especialista, apesar de precisarmos de ambas as categorias, procuramos mais o bem-estar hedónico, aquele que nos proporciona felicidade no momento, e isso pode criar, com o passar do tempo, infelicidade. “Houve uma pesquisa interessante em que se perguntou aos millennials o que achavam que precisariam de obter para serem felizes, e a fama era um objetivo predominante”, diz Waldinger.
Antes de o Harvard Study of Adult Development se tornar o estudo mais antigo sobre a felicidade, existiam duas investigações separadas que acabaram por se fundir. Um deles incluía um grupo de 268 alunos de Harvard – o antigo presidente dos EUA John F. Kennedy, assassinado em 1963, foi um dos participantes do estudo- outro de 456 rapazes de zonas mais carenciadas de Boston. Ao longo de 84 anos, registaram-se, em tempo real, dados sobre a saúde, o emprego, a religião, crenças políticas e outros sentimentos dos participantes, mas também detalhes sobre os seus amigos e companheiros amorosos.
Todos os voluntários eram do sexo masculino, apesar de haver dados de mulheres (companheiras e filhas) e brancos e, por isso, os autores do livro incluíram, na nova obra, vários dados de estudos mais diversificados. Ainda assim, o investigador afirma que, em todos eles, a conclusão é a de que, quanto mais nos relacionarmos socialmente, maior é a probabilidade de vivermos mais e melhor, já que são esses relacionamentos que “nos ajudam a controlar o stress”. “O que achamos que acontece é que os relacionamentos ajudam os nossos corpos a recuperarem do stress. Acreditamos que as pessoas solitárias e socialmente isoladas permanecem numa espécie de modo crónico de lutar ou fugir”, explica o especialista, acrescentado que estas pessoas “têm níveis mais altos de hormonas circulantes do stress, como o cortisol, níveis mais altos de inflamação e que essas coisas gradualmente desgastam diferentes sistemas do corpo”.
O investigador explica também que, como as relações têm sempre um lado de imprevisibilidade, “não sabe se o seu amigo vai querer saber de si”, exemplifica, há pessoas que preferem ficar sozinhas, porque preveem situações negativas na companhia de outras. “Se eu ficar em casa a ver alguma coisa na Netflix, é uma noite previsível para mim”, afirma Waldinger, que acrescenta, contudo: “Perguntámos às pessoas, a certa altura, para quem ligariam a meio da noite se estivessem doentes ou com medo. Acreditamos que toda a gente precisa de pelo menos uma ou duas pessoas assim”, refere.
E a religião ou espiritualidade, são importantes para a obtenção da felicidade? O longo estudo descobriu que, apesar de as pessoas religiosas não serem mais ou menos propensas a serem felizes, é na fé que encontram um consolo em momentos negativos.
Neste momento, o psiquiatra, casado há mais de 35 anos e com dois filhos, diz que está verdadeiramente feliz. “Tenho 70 e poucos anos e a minha saúde está boa. Fiz o meu melhor para cuidar de mim, mas não foi só isso. A minha felicidade depende em parte da sorte, e em parte do privilégio”. Claro que o especialista não foi sempre feliz e afirma que os momentos mais tristes da sua vida foram aqueles em que houve desconexão com outras pessoas, por mortes ou distância.
“Estudámos milhares de vidas. Ninguém é feliz o tempo todo, não conheci nenhuma pessoa no planeta . O mito de que se pode ser feliz o tempo todo se se fizer as coisas certas não é verdade. A felicidade aumenta e diminui”, defende ainda.
Como defende o psiquiatra, se as nossas necessidades básicas forem atendidas, a felicidade “acontece-nos”. “Mas há coisas que podemos implementar que nos tornam mais propensos a sentir felicidade a maior parte do tempo”, explica, como seguir uma alimentação saudável, dormir bem e fazer exercício físico, mas também investir nas relações pessoais. “Não nos fazem apenas felizes, também nos ajudam a enfrentar os tempos infelizes, os desafios”, remata, acrescentando que muitos dos primeiros participantes do estudo serviram na Segunda Guerra Mundial. “Perguntámos-lhes o que os ajudou a ultrapassar tudo e todos disseram algo sobre as pessoas”.
Além disso, Waldinger defende que uma boa relação também “pode ser alguém com quem se vai a um pub“. “Talvez não falem sobre nada pessoal, mas não precisam”, diz.