A eleição falhada de António Manuel Almeida Costa para novo juiz do Tribunal Constitucional (TC) terá resultado num dos momentos de maior tensão, entre alas esquerda e direita, na história daquele tribunal – e o caso promete continuar a dar que falar.
O Observador avançou, esta quinta-feira, que o chumbo do nome do polémico professor universitário, pela minoria de bloqueio da ala esquerda, deixou os juízes da ala direita – José Teles Pereira, Benedita Urbano, José Figueiredo Dias, Gonçalo Almeida Ribeiro e Afonso Patrão – “incomodados” e que, por isso, os juízes conselheiros já garantiram internamente que não vão viabilizar a substituição de Pedro Machete (o mandato expirou em setembro de 2021) e de Lino Rodrigues Ribeiro (o mandato expira no final deste mês), optando por aguardar até 2023, altura em que o atual presidente do TC, João Caupers, cooptado pela ala esquerda, deverá expirar o seu mandato.
Em causa, avança a mesma notícia, estará o “incómodo” pela forma como decorreu o processo, pois os conselheiros da ala direita consideram que foi quebrada a regra, estabelecida desde que existe TC, de que quando sai um juiz de uma das alas, é essa mesma ala que indica o seu substituto. Existirá, numa leitura mais política, o receio na ala direita de que o Partido Socialista, em contexto de maioria absoluta no Parlamento, tente assumir o controlo ideológico daquele tribunal, essencial para o escrutínio do Governo.
Fará, porém, sentido falar-se de “receios” perante uma tentativa de virar o TC à esquerda? O histórico das lideranças e decisões do tribunal diz-nos que não. Em quase quatro décadas, o Constitucional foi presidido “à esquerda” durante apenas nove anos – Luís Nunes de Almeida (entre 2003 e 2004), Artur Maurício (2004 a 2007), Joaquim Sousa Ribeira (2012 a 2016) e, por fim, João Caupers (desde fevereiro de 2021) são as exceções a uma regra com 30 anos.
“Não vejo intromissão ou pressão política”, diz Teresa Violante
Sem querer comentar a eventual posição dos juízes da ala direita do TC, avançada pelo Observador, a constitucionalista Teresa Violante considera que o chumbo de Almeida Costa “não pode ser qualificado como intromissão ou pressão política”. “O que se passou, neste caso, de forma absoluta normal, foi que o nome colocado à consideração do TC não reuniu os votos necessários para a eleição. De que modo pode isso ser qualificado como intromissão ou pressão política?”, questiona.
“O que é importante percebermos é se os juízes, quando tomam as suas decisões, são absolutamente livres de qualquer pressão externa, e não me parece que isso tenha estado alguma vez em causa no TC”, garante.
Para a constitucionalista, os alegados “receios” são infundados. “A narrativa de que há uma tentativa de controlo ideológico é interessante, mas não tem adesão à realidade. Basta olhar para a jurisprudência dos últimos anos, em matéria de eutanásia, gestação de substituição, transgénero, direito de preferência dos arrendários, medidas de combate à pandemia…”, acrescenta.
Em relação à polémica dos últimos dias, Teresa Violante vê “uma oportunidade” para se resolverem “problemas” que se arrastam há quatro décadas. “Temos de nos desligar desta controvérsia. Já passaram muitos anos da revisão constitucional de 1982, que consagrou uma solução longe de ser a ideal, decidida num determinado contexto, que não agradou, sequer, a nenhum dos partidos envolvidos, e avançar para melhores soluções”, diz, destacando que “o método de cooptação utilizado em Portugal não existe em mais nenhum Tribunal Constitucional do mundo”.
“Não há sistemas perfeitos, é verdade, mas temos de perceber que é preciso encontrar, no futuro, um novo modelo de designação e escrutínio dos juízes, mas também para eleição dos próprios presidente e vice-presidente – na Alemanha, por exemplo, presidente e vice-presidente são escolhidos pelo Parlamento , e não há Tribunal Constitucional mais independente no mundo”, acrescenta.
Recorde-se que o atual modelo TC foi definida na sequência da revisão constitucional de 1982, na qual ficou definido que os 13 juízes conselheiros seriam divididos em dois blocos, à esquerda e à direita. Dez juízes são eleitos pela Assembleia da República, por maioria qualificada de dois terços dos deputados, dividindo-se em ala direita e esquerda – tal como ficou estabelecido, num acordo informal, em 1982; os restantes três conselheiros são cooptados pelos restantes juízes (todos têm de ser, obrigatoriamente, juristas, mas apenas seis têm de ser escolhidos de entre os juízes dos restantes tribunais).