Esqueça as SMS e os emojis – só há uma maneira de comunicar agora”, acredita a inglesa Pandora Sykes, coautora do The High Low, um podcast de cultura pop com mais de 150 mil downloads por semana. Todas as manhãs, a jornalista e editora de moda tem à sua espera um dilúvio de “microgravações”, como chama às mensagens de voz no WhatsApp – desde um “post-it áudio” da sua coapresentadora do podcast a um recadinho bem-disposto da mãe, passando por tentativas de amigos para marcarem encontros a meio da semana. E, não, a sensação não é de afogamento – é de salva-vidas, escreveu no Sunday Times esta recém-mãe de 31 anos.
Antes de aderir à moda das mensagens de voz, Pandora sobrevivia a uma avalanche diária de emails e debatia-se com a necessidade de usar as duas mãos para escrever no telemóvel. Agora, respira de alívio por poder deixar mais um recado de voz no iPhone, enquanto manobra o carrinho de bebé com a outra mão.
Este novo paradigma da comunicação faz sentido num mundo cada vez mais silencioso, em que as pessoas – sobretudo os millennials – parecem morrer de medo de telefonemas, diz a socióloga Cristina Ponte. “A maneira como usamos o telemóvel mudou muito”, lembra a professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Já não se fazem chamadas espontaneamente; hoje as pessoas perguntam se podem ligar.
Cristina Ponte continua a privilegiar os telefonemas quando quer falar com alguém. Na sua opinião, além de serem mais funcionais e práticos, a escrita mediada pelas tecnologias presta-se a lapsos e a mal-entendidos, porque podemos ser mal interpretados. A socióloga, de 62 anos, nota que foram novamente os jovens a introduzir a tendência das mensagens de voz. “É de registar o papel das gerações mais novas nos avanços tecnológicos – aconteceu o mesmo com a escrita abreviada nas SMS.”
Tudo se transforma
Se a vida fosse a preto-e-branco, resumiríamos a génese desta moda ao facto de os mais novos terem preguiça e dificuldade em escrever, acrescentando que, para os mais velhos, os recados falados serão sobretudo usados quando não dá jeito sequer olhar para o ecrã do telemóvel. Certo é que, desde que foram criados, em agosto de 2013, são diariamente enviadas 200 milhões de mensagens de voz no WhatsApp. Um número ainda assim ridículo quando se sabe que, na China, onde impera o WeChat, só no ano passado foram trocadas 6,1 mil milhões.
Se por cá Diogo Gomes, professor da Universidade de Aveiro, começa por apontar a preguiça crescente dos mais novos, na Ásia ressalva que a tendência tem que ver com a dificuldade em escrever os caracteres no teclado ocidental. Este investigador no Instituto das Telecomunicações, na área dos serviços e das aplicações para telemóveis, também a associa ao facto de hoje em dia a aprendizagem ser muito feita através de vídeos. O multimédia tem mais impacto, daí se transmitirem mensagens de voz e de vídeos através destas apps.
Note-se que este tipo de aplicações é, na realidade, velho – vem do tempo do telefone fixo e dos atendedores de chamadas. “Os voice mails voltaram da sepultura”, brinca Diogo Gomes. Esse serviço tinha morrido para uma geração, mas foi como aconteceu com os pagers – as SMS ressuscitaram a mensagem escrita. “Não previmos isto…”
Muito menos os especialistas previram que um dia fosse criada uma app de encontros como a Waving, em que se escolhem os potenciais parceiros unicamente com base nas suas mensagens de voz. “Ela pode revelar a beleza, a bondade e a verdadeira personalidade de uma pessoa”, lê-se na promoção desta aplicação. Apetece comentar com um coraçãozinho.