Bruno Salgueiro, duplo de cinema que mantém um canal no YouTube com dicas sobre performance desportiva, toma suplementos proteicos desde os 18 anos, quando começou a praticar musculação e porque via os seus amigos do ginásio a fazê-lo. “Achava que era milagroso, que ia ficar maior só por beber aquilo.” No entanto, como há 16 anos era tudo importado e não havia proteínas low cost, de tempos a tempos tinha de parar o consumo porque não tinha dinheiro para manter a sua dose diária. Hoje, discorre nas redes sociais sobre os supostos benefícios dos suplementos para desportistas e até é patrocinado pela principal marca nacional, que está no mercado desde 2007.
Mas não é só nos ginásios que se mostra a febre proteica. Basta uma ida ao supermercado para se reparar no advento de marcas de iogurtes com proteína, e de leite ou de queijo para barrar fortificado com este nutriente. E ainda em barrinhas, bolachas ou cereais com essa alegação no rótulo. Quando se para no corredor dos suplementos, abre-se então um mundo sem fim, que vai da proteína pura e dura, em pó, à clara de ovo líquida e às limonadas. “Totalmente sem açúcar e sem gordura e perfeita para uma dieta equilibrada, (…) é a forma mais refrescante de ingerir proteína”, lê-se na descrição da bebida.
Esta mania começou a crescer simultaneamente com uma mudança nas instruções internacionais para a quantidade de ingestão proteica. Até há poucos anos, os especialistas defendiam que deveríamos consumir, por dia, 0,8 gramas por cada quilo de peso (para um adulto mediano daria algo como 52 gramas por dia), seguindo as indicações norte-americanas, destinadas a uma população que comia muita carne. Hoje, fala-se em 1,2 gramas. Nos casos mais especiais, esse valor pode atingir os 2,4 gramas por quilo (156 gramas pelas mesmas contas). Não admira, pois, que no Reino Unido se tenha registado, de 2010 a 2015, um aumento de 500% no consumo de produtos anunciados como tendo elevado teor de proteína. Estes ganharam um estatuto idêntico ao da comida baixa em gordura nos anos 1980 ou ao ómega 3 no início do milénio.
No último Inquérito Alimentar Nacional 2015-2016, a investigadora na área da nutrição Carla Lopes registou um consumo de 86 gramas de média diária, com números mais elevados entre os homens e os adolescentes. Ou seja, perfeitamente dentro das diretivas mais recentes.
Não há fiscalização
Para quê, então, esta correria aos corredores dos suplementos que carecem de fiscalização? Ou aos iogurtes fortificados, quando eles, já por si, são ricos em proteína? Porque se trata de mais uma tendência nutricional ditada também pela indústria, que faz despertar algumas dúvidas entre os consumidores. Isabel do Carmo, endocrinologista, elimina-as numa frase: “Não interessa nada ganhar mais músculos à custa da ingestão proteica.” Além disso, como os suplementos alimentares não são fiscalizados pelo Infarmed, como os medicamentos – bastando declarar ao Ministério da Agricultura que estão no mercado –, na realidade ninguém sabe o que levam na sua composição. Só no caso de uma denúncia, a autoridade do medicamento pode intervir e tem meios para o fazer. No entanto, não temos tradição desse tipo de ação e, por isso, não há história de algum processo levantado nesse sentido em relação a suplementos proteicos.
Isabel do Carmo já seguiu três casos de adolescentes que se queixavam de falta de pelos, desenvolvimento genital comprometido e ausência de barba. Tomavam esse tipo de batidos e a médica, admitindo a presença de androgénios na sua composição, mandou-os fazer análises às hormonas sexuais e detetou uma presença anormal de testosterona. Explica: “Quando são tomados por via oral, esses androgénios vão inibir a sua estimulação natural pela hipófise.”
Envelhecer mais depressa
A ingestão destes suplementos também pode servir para emagrecer, quando se retiram os hidratos de carbono da equação, e a gordura e as proteínas passam a ser a fonte de energia privilegiada. Mas isto só pode acontecer durante a fase da dieta, depois há que retomar o normal equilíbrio dos nutrientes para manter o peso. Até porque um estudo da Universidade da Finlândia Oriental, que seguiu 2 400 homens de meia-idade durante 22 anos, chegou à conclusão de que um regime baseado em proteínas resulta em 49% de maior risco de o coração falhar. Um paper, proveniente de outro estudo, publicado no ISRN Nutrition, alerta para o facto de uma ingestão elevada de proteína poder ser inútil ou até prejudicial para indivíduos saudáveis, especialmente para os que se autoprescrevem com suplementos. O excesso de proteína, lê-se, “não é usado eficientemente pelo corpo e pode impor uma carga metabólica nos ossos, rins e fígado”.
Não vale a pena passar dos 25 gramas por refeição. É essa a convicção de Cláudia Minderico, nutricionista especialista em Educação Física. “Com proteína a mais, cria-se massa gorda e depois há que secá-la. Além disso, desgasta-se mais o fígado, que faz a transaminação dos aminoácidos, e os rins, que eliminam a ureia.”
É importante registar que não há evidência científica de que, mesmo ingerindo suplementos, um excesso de proteína vá causar doença nos rins, mas quem já a tiver não deve abusar porque pode agravar a lesão. O que acontece é que o organismo envelhece mais depressa. “Os atletas de lazer estão a agir como os de alta competição agiam antigamente, quando as suas carreiras eram muito curtas porque se desgastavam depressa. Hoje, já se sabe que para terem alto rendimento durante mais tempo, o importante é tomarem antioxidantes para combater o caráter naturalmente envelhecedor do exercício.”
Dicas de profissional
Nada disto significa que a proteína não seja importante. Aliás, ela deve constituir 35% da nossa dieta alimentar, porque sacia, fortalece os ossos, fornece energia sem engordar e, de facto, é um elemento que ajuda à estruturação dos músculos. Nesta sua última função, ela deve ser ingerida na meia hora que se segue ao treino, pois é nessa janela anabólica que a proteína vai desencadear a produção de insulina. E só beneficia se for adicionada a algum hidrato de carbono, para se diminuir a produção de gordura. “Daí que muita gente que toma os suplementos o faça com uma peça de fruta, por exemplo”, nota Cláudia Minderico. São pequenos truques que só um profissional da área pode revelar, caso a caso.
Quando perguntam a Vítor Hugo Teixeira, professor da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto, acerca da necessidade de se complementar uma dieta com suplementos proteicos, responde sempre da mesma forma: “Não são essenciais, mas são úteis e convenientes.” Explica ainda que mais importante do que a quantidade ingerida (esta muito dificilmente estará abaixo do recomendado), é a sua distribuição ao longo do dia, sem estar concentrada apenas ao almoço e ao jantar. “Com os suplementos é fácil suprimir o desequilíbrio natural da ingestão”, refere o também nutricionista num clube de futebol.
No caso de quem pretende emagrecer, os suplementos podem ser um bom aliado para aumentar a carga proteica, perdendo-se peso sem ser à custa da massa muscular e sem aumentar as calorias, fugindo de gorduras ou hidratos de carbono associados. Mas quando se fala de massa muscular, Vítor Hugo Teixeira é perentório: “O exercício físico é o grande determinante. Durante as 24 horas que se seguem a um treino, eleva-se o estado basal e aumenta-se a síntese proteica. Se beber um suplemento, essa síntese só dura três a quatro horas.”
Cuidados com as crianças
Como divergem pouco do leite em pó – a whey, por exemplo, é proteína do soro do leite desidratada –, não existe indicação para se restringir o consumo destas bebidas em idade pediátrica. A prudência dita, no entanto, que nunca se dê a pessoas com menos de 16/18 anos.
“Ufa!”, terá pensado Bruno Salgueiro, que, como se sabe desde o princípio deste texto, se iniciou nas proteínas precisamente nessa idade. Apesar desta sua dependência, chamemos-lhe assim, sabe de cor a sabatina. “Não são melhores do que um molho de brócolos. Temos de merecer os nossos suplementos e isso só acontece quando nos alimentamos bem, treinamos bem e descansamos mais. Eles são algo adicional, nunca um substituto.”
Além disso, Bruno também fala da conveniência de juntar o pozinho à água e ter, logo no balneário, um acréscimo de 25 ou 30 gramas de proteína, e depois logo pensa no que vai jantar. Sempre que sobe a dose para os 200 gramas diários (com os seus 90 quilos, poderia ficar-se pelos 180), sente a diferença nos músculos. “Ficam, de facto, maiores, mais densos e tensos.” E, se dúvidas houvesse, as suas medições acabariam com elas – um a dois centímetros nos braços é um bom score que gosta de atingir. E, até hoje, cheio de sorte, as análises que faz anualmente nunca se queixaram.
A influência das figuras públicas
São várias as caras conhecidas, com um perfil “fitness”, pagas pela maior empresa do ramo dos suplementos existente em Portugal para fazerem publicidade e recomendarem os seus produtos. Nas suas páginas do Instagram ou nos canais de YouTube, elas promovem as novidades da marca, com mais ou menos pormenor. Todas dispõem de códigos promocionais que dão descontos a quem comprar algo da dita empresa, com sede em Esposende, mas com suplementos à venda na internet e nas grandes superfícies
Rui Unas, 44 anos, apresentador e YouTuber, 411 618 seguidores no Instagram
Bruno Salgueiro, 34 anos, duplo e YouTuber, 78 803 seguidores no Instagram
Carolina Patrocínio, 31 anos, apresentadora, 588 117 seguidores no Instagram
Pedro Fernandes, 40 anos, ator, apresentador e locutor, 112 743 seguidores no Instagram
Os alimentos mais proteicos
Toda a proteína de que precisamos está disponível na comida. É só saber onde procurá-la nas dez melhores opções
100 gramas de peito de frango ou peru 25 gramas de proteína
100 gramas de peixe 20 gramas de proteína
100 gramas de carne vermelha 20 gramas de proteína
1 lata de atum 19 gramas de proteína
100 gramas de camarão 17 gramas de proteína
100 gramas de queijo fresco 12 gramas de proteína
100 gramas de aveia 11 gramas de proteína
100 gramas de lentilhas 9 gramas de proteína
30 gramas de amêndoas 6 gramas de proteína
Um ovo grande 6 gramas de proteína (maior concentração na clara)