Por estes dias, Lisboa transborda de turistas. No hall do hotel Sheraton há um casal de americanos que veio passear, sim, mas também tratar do seu casamento. Guenevere e Eric, ambos com 35 anos e ar descontraído, estão sentados numas poltronas em frente a Karina Sousa e Paula Grade. Nunca tinham estado juntos antes, mas já haviam falado pelas plataformas com que hoje encurtam distâncias. Elas, do lado de cá, a explicarem os serviços da sua empresa de planeamento de casamentos, a White Impact. Eles, em Nova Iorque, cada vez mais entusiasmados com a ideia de fazerem a boda na região de Lisboa.
A figura das wedding planners (as pessoas que tratam mesmo de tudo o que diz respeito ao grande dia) está em franco crescimento, muito por culpa de quem vive noutro país mas decide dar o nó em Portugal. Em 2006, eram 230 casais; no ano passado, foram 890 – quatro vezes mais. Até ao início do mês de agosto, a contabilidade do Ministério da Justiça (que peca por defeito, pois muitos assinam os papéis no seu país e vêm cá apenas para a festa) já ia em 588. Em média, é coisa para custar €30 mil a €50 mil, sem contar com as viagens de preparação e a estada, embora os preços sejam bastante flutuantes, dependendo do número de convidados e do gabarito da celebração.
Mas os nova-iorquinos Guenevere e Eric nem falam de dinheiro enquanto visitam três possíveis locais para a sua festa – Pestana Palace, em Lisboa; Arriba, na costa do Guincho, e Villa Tamariz Utopia, na praia do Estoril. Em nenhum dos sítios os vemos a torcer o nariz ou a tecer algum comentário menos positivo. Aliás, não poupam em pontos de exclamação ou em expressões enfáticas. “Very, very beautiful!” E entretanto tiram mais uma foto.
Os estrangeiros que casam em Portugal são atraídos pelo clima, mar, paisagens, hospitalidade e originalidade do País. É isso que Karina e Paula vendem nas suas ações diretas na Irlanda e em Inglaterra, quando alugam uma sala de hotel e recebem potenciais clientes. Em Portugal, andam em roadshow, com passagens por Leiria, Évora, Porto e Lisboa, com o objetivo de criar uma plataforma de fornecedores para as diferentes regiões. “Recebemos meia dúzia de pedidos de informação por dia e organizamos cerca de 200 casamentos por ano, a maioria de irlandeses e ingleses. Agora, queremos reduzir esse número para metade e focar-nos em celebrações mais exclusivas”, conta Paula, acrescentando que também desejam apostar na diversidade, tendo os franceses, americanos ou brasileiros em mente. Estas nacionalidades preferem a zona de Lisboa ao Algarve e os palácios ou edifícios cosmopolitas em cima da praia.
Em busca do casamento perfeito
A média de convidados de um destination wedding (assim se chama quando um casamento ocorre num país que não o dos noivos) ronda os 80 a 100, que ficam por cá pelo menos por cinco dias. Como a programação começa a preparar-se com pelo menos um ano de antecedência, isso implica três deslocações dos noivos: para escolher o local das festas, para provar a comida, ensaiar cabelos, testar a maquilhagem e combinar tudo com os fotógrafos, e, por fim, a viagem definitiva, dias antes do casamento. Nessa altura, ficam uma ou duas semanas, dependendo se a lua de mel é ou não em solo português. No entanto, note-se, há quem venha às cegas, sem nunca antes ter cá posto um pé.
Por norma, os que decidem casar-se fora de portas optam por três celebrações com amigos e família: uma antes do casamento para os convidados se conhecerem, a grande festa propriamente dita e um brunch ou churrasco no dia seguinte. Julia, 34 anos, e Patrick, 38, encaixam mesmo nesta norma. Há um ano, a Como Branco, empresa de quatro colegas de curso, organizou-lhes aquilo que hoje, da sua casa nos EUA, recordam como o “casamento perfeito”. Uma semana antes, instalaram-se com os pais no Hotel Palácio, no Estoril, e a dois dias do casamento deram início às festividades, aproveitando a praia com quase todos os convidados. “Foi mesmo divertido”, conta Julia. Na noite seguinte, o chamado jantar de ensaio foi no Palácio Sinel de Cordes, no Campo de Santa Clara, em Lisboa, e todos os convidados foram transportados de autocarro. A refeição teve a assinatura do irreverente chefe Hugo Brito, do restaurante Boi Cavalo.
Como o casamento no Forte da Cruz só aconteceu no sábado, às cinco da tarde, o noivo pôde descansar na piscina, enquanto ela fez desporto pela manhã antes de começar a preparar-se para o momento. Depois da cerimónia, passaram para o cocktail, ao som do saxofone de um amigo músico. “Foi tão bonito, uma coisa mágica”, lembra Julia. Planearam tudo ao segundo, porque quiseram que a viagem a que os convidados se submeteram para os ver casar justificasse o investimento – até o brunch de despedida. Depois, para a lua de mel, bastou-lhes um bom hotel no Algarve, onde ficaram quase uma semana. A maioria dos convidados também prolongou a experiência, no País ou noutros pontos da Europa. Contas feitas, gastaram €85 mil para terem a celebração com que sempre sonharam.
Da Rússia à Índia, com amor
A Como Branco passou a ter clientes estrangeiros a partir do momento em que uma fotografia de um dos seus casamentos foi admitida num dos mais prestigiados blogues internacionais da especialidade. E agora esses pedidos aparecem com cada vez mais antecedência. Sem contar com os elopement weddings (só a dois), esta empresa trata de 15 a 18 cerimónias por ano, essencialmente de brasileiros e americanos (também vêm da Europa, África do Sul e Angola), seduzidos pelo clima, gastronomia e a boa relação qualidade/preço (a empresa cobra 450 euros por pessoa). Os seus sítios preferidos são o Douro, as praias e a Grande Lisboa. Mas, como depois os noivos e os convidados optam por ficar por cá mais dias, “mostramos-lhes e vendemos o País”, conta Margarida Sequeira, uma das sócias da empresa. “Acreditamos que somos um país romântico, no sentido poético do termo, e isso expressa-se em muita da nossa oferta monumental e paisagística.”
Há anos que Portugal já foi descoberto também pelos russos. Que o diga Viktoria Iguatieva, que desde 2012 se dedica, em exclusivo, a organizar casamentos dessa nacionalidade, através da sua empresa Studio Victorias. Se dantes os noivos desse país preferiam ir dar o nó a sítios como Itália ou Grécia, agora viraram-se para o cenário português, à procura de originalidade. Há muitos bloggers que escrevem em russo acerca das maravilhas de Portugal, o que fez com que o País ficasse na moda. “É muito longe, mas muito mais interessante”, nota Viktoria. Além disso, nunca ficam menos de uma semana, para que a viagem se justifique. À semelhança de outras nacionalidades, as cerimónias russas realizam-se quase sempre num palácio (Bussaco é o preferido) ou na praia. Podem ter mais de uma centena de convidados ou apenas duas pessoas: dos 35 casamentos que tem na agenda deste ano, só 12 são grandes festas. E muitos realizam-se entre pessoas do mesmo sexo.
A primeira cerimónia que Seema Radia planeou foi em 2013. Desde então, já perdeu a conta às uniões de indianos a viver no Reino Unido organizadas debaixo da alçada do restaurante Passage to India, que explora com o seu marido. “A maioria das vezes, são festas de três dias num resort com espaços diferentes para cada ritual”, explica, acrescentando que trata de um por mês. No primeiro dia em que os convidados se encontram, pintam-se as mãos com hena e inauguram-se as comidas e bebidas; na manhã seguinte, há o Vidhi, a bênção do deus Ganesha, e por se tratar de um momento religioso não se serve álcool. O casamento celebra-se na manhã do terceiro dia. São festas faustosas, que podem custar €100 mil euros – nunca são menos de 150 pessoas. “Se eles se casassem no seu país, teriam 2 000 convidados. Por isso preferem assim, para que seja um momento mais íntimo e especial”, justifica Seema.
O kitsch de Bollywood
O Turismo de Portugal ainda presta pouca atenção aos casamentos de estrangeiros, mas não se pode dizer o mesmo em relação à Sétima Arte. Aliás, desenvolveu até uma parceria com o Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) para participarem, em conjunto, em feiras da especialidade para vender o País como cenário, levando também algumas produtoras nacionais na bagagem. A Índia tem sido um mercado privilegiado, pela sua dimensão e proximidade cultural. A China há de ser o próximo, mas por enquanto ainda só houve meras abordagens. “O Turismo vende o clima, as horas de sol, as acessibilidades internas, a diversidade paisagística e arquitetónica, uma população multicultural e um custo logístico altamente competitivo. O ICA acrescenta os argumentos técnicos, como a qualificação dos profissionais, os bons equipamentos e a qualidade da rede tecnológica”, diz Lídia Monteiro, diretora de vendas deste organismo oficial.
Bollywood – a Hollywood indiana – já conquistou um lugar em Portugal. Desde 2013 foram várias as produções indianas rodadas por cá, de uma indústria anual superior a 800 filmes – estrearam-se com Balupu, uma história de amor com coreografias gravadas em Lisboa e na Praia Dona Ana, em Lagos.Mas os filmes têm ido além do eixo Lisboa-Algarve. Nem as mais recônditas aldeias escapam. Foi assim que os 70 habitantes de Piódão se viram invadidos pela maior produção indiana alguma vez gravada em Portugal – o filme Paisa Vasool levou àquelas ruas estreitas um autocarro, duas caravanas, dez carros e três carrinhas de nove lugares. E não se ficou só pela aldeia-presépio. A equipa de 55 pessoas esteve 40 dias a gravar em Óbidos, Guarda, Porto, Espinho, Leiria, Lisboa, Cascais, Sintra e Nazaré, para um filme orçamentado em 700 mil euros. Às animadas coreografias de Bollywood, com guarda-roupa elegante e colorido, junta-se a ação, como cenas de pancadaria no cabo Espichel, em Sesimbra, e uma perseguição de carros na Ponte D. Luís, no Porto – dos sete BMW utilizados, apenas sobrou o táxi. O argumento centra-se na investigação de um inspetor indiano que está no Porto disfarçado de taxista.
Assim como os ocidentais preparam roteiros de viagem com visita a lugares de filmes e séries (O Sexo e A Cidade”, em Nova Iorque, ou Comer, Rezar, Amar, em Itália, Índia e Bali), também os indianos escolhem Portugal para vir conhecer os locais de filmagens dos seus blockbusters. Há danças gravadas no Rossio, no Terreiro do Paço e no Parque das Nações, em Lisboa, na Guarda, Leiria e Covilhã (para o filme Satya Harishchandra) e em Elvas e Évora (para as cenas de ação de Aarandugula Bullet), criando assim mais pontos de interesse no roteiro turístico para os indianos que visitam Portugal – 26 mil hóspedes em 2015.
Filmar em Lisboa sem fingir
Longe vão os tempos em que se escolhia captar imagens numa cidade, fingindo ser outra. “Há um pouco de todo o mundo em todo o lado”, diz Miguel Varela, presidente da produtora Garage e da Associação Portuguesa de Produtores de Filmes de Publicidade, que em 30 anos de carreira já teve de simular muitos lugares. Em Portugal pode-se filmar como se fosse no deserto, estando no antigo parque da Quimigal, no Barreiro, ou imitar Angola na doca e nos bairros sociais de Setúbal, Paris no Rossio, em Lisboa, Itália nas ruas do Porto ou a costa mediterrânica na Arrábida.
Os recentes ataques terroristas na Europa, ou fenómenos naturais (como a entrada em erupção do vulcão Bardarbunga, na Islândia), levaram as produtoras a mudar a direção da bússola. Exemplo disso são os anúncios de grandes marcas de automóveis, como a Ferrari ou a Lamborghini, rodados em Portugal. Também as publicidades da Jaguar, da Porsche e da BMW, habitualmente filmadas em Espanha, vieram para o nosso país, quando, há cerca de dois anos, houve um acréscimo de impostos imputados ao pessoal técnico. “Uma centena de filmes foi feita em Portugal”, assegura Miguel Varela. Ainda este ano, o Village Underground, espaço de coworking (partilha de escritórios) em Lisboa, serviu de cenário para a Hyundai e a Volkswagen. “Temos um tipo de luz muito característico, que por ter o Tejo perto a torna única, aliado à forma como o sol nasce e se põe. Essa é a grande distinção de toda esta paisagem”, acrescenta o publicitário.
Hoje filma-se Lisboa assumindo que é Lisboa. Por exemplo, na apresentação do novo iPhone, na semana passada, foram mostradas duas fotos da capital, incluindo uma da ponte, com a indicação de que não se tratava da Golden Gate, de São Francisco, mas sim de uma imagem do “belo Portugal”.
“A cidade ganhou uma projeção tão grande que assumir que se está cá já potencia o filme”, diz Rita Rodrigues, da Lisboa Film Commission. É por esta comissão, criada há cinco anos, que passam todos os pedidos de autorização de filmagens estrangeiras, atividade “a crescer com grande intensidade desde 2015”. E se, em 2013, houve 145 pedidos internacionais, o número cresceu para 174, no ano passado. O Porto é também um destino procurado pelo setor audiovisual: o centro histórico, Baixa, Boavista, frente marítima e fluvial, Parque da Cidade e jardins do Palácio de Cristal. Só nos primeiros seis meses do ano, já passaram 28 produções estrangeiras pela Invicta. A sul, os cenários mais apetecíveis do Algarve são a Barragem de Odelouca, Praia Dona Ana e alguns jardins privados nas zonas de Monchique, Loulé e Olhão. “No ano passado conseguimos pôr o Algarve no mapa internacional das filmagens graças a duas coproduções”, conta Jacques Mer, 84 anos, presidente da Algarve Film Commission. O filme luso-francês Até Nunca, realizado por Benoît Jacquot, com Mathieu Amalric e Julia Roy, usou o cenário da Praia da Marinha; o inglês That Good Night, realizado por Eric Styles, foi filmado em Loulé.
Já temos incentivos fiscais
Numa década de atividade, a comissão algarvia apoiou 13 longas-metragens. Durante esse tempo, Jacques Mer lutou por uma lei que incluísse as produções audiovisuais nos incentivos fiscais, que há largos anos outros países europeus oferecem. Ainda tentou convencer o espanhol Pedro Almodóvar a filmar em Portugal, mas sem essas contrapartidas não conseguiu. Os incentivos fiscais foram entretanto aprovados no último Orçamento do Estado, mas algumas autarquias já concediam apoios às produtoras (a Câmara de Lisboa atribuiu isenções no valor de €389 mil, mais 85,9% do que em 2015. Agora, qualquer produtora internacional tem de se associar a uma nacional e ter despesas de produção de, no mínimo, um milhão de euros. O benefício fiscal de 20%, recuperado na forma de crédito fiscal, em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), caberá à produtora portuguesa. “Usa-se o incentivo, em vez de subsídio, porque é tudo indexado à despesa, o abatimento entra no próprio financiamento da obra”, explica Maria Mineiro, vice-presidente do conselho diretivo do ICA. Para 2017, o montante total de crédito fiscal a atribuir é de €7 milhões, subindo para €10 milhões em 2018 e para €12 milhões em cada um dos três anos seguintes (o que implica gastos de €48 milhões a €60 milhões em produção). “Ao trazer filmes estrangeiros para Portugal, não são apenas os atores, realizadores e técnicos a ganhar. Há também equipas de catering, limpeza, transportes, maquilhagem e guarda-roupa a ter contratos, e tudo isso dinamiza a economia, criando trabalho fora da área do audiovisual”, explica Maria Mineiro.
Por agora, os produtores estrangeiros manifestam algum descontentamento por o incentivo fiscal não contemplar a produção televisiva, nomeadamente as séries de ficção. Opinião partilhada pelos responsáveis da Lisboa Film Commission e do ICA, que está a trabalhar para essa “linha de texto que falta” aparecer o mais rápido possível, atraindo assim os mercados americano e chinês. Com cenários destes, quem quer ficar de fora
Artigo publicado na VISÃO 1281 de 21 de setembro