Na apresentação do plantel do Braga para a presente época, o treinador Domingos Paciência, 40 anos, atirou a primeira pedra: “Esta equipa pode fazer mais e melhor.” Jorge Jesus, 55 anos, o técnico visado, que se transferira para o Benfica, não ofereceu a outra face. Semanas passadas, diria não estar surpreendido com a liderança do Braga na 1.ª Liga, uma vez que fora ele a escolher o plantel. Domingos acusou, então, o colega de estar com “estratégias para desmoralizar a equipa”, que considerou “ridículas”. Depois, veio o episódio da contratação, para a Luz, do futebolista do Braga César Peixoto. O jogador, alegadamente, terá recebido um telefonema de Jorge Jesus, a convencê-lo a mudar de campo. Enfim, fora das quatro linhas, já está em ponto de rebuçado o Braga-Benfica do próximo sábado, 31, jogo que vale a liderança do campeonato.
Em 1991, quando Jorge Jesus conseguiu o primeiro feito da sua ainda curta carreira de treinador, ao fazer subir o modesto Amora à Liga de Honra, Domingos Paciência era já um dos maiores craques do principal campeonato português, como avançado do FC Porto. A exemplo de outras glórias dos dragões, mesmo depois de ter pendurado as chuteiras há quase uma década, Domingos Paciência não se livra da imagem de um técnico à Porto. Na segunda época como treinador da União de Leiria, e após ter derrotado, por 1-0, o clube onde viveu quase toda a carreira de futebolista, foi parco em festejos. Mas a surpresa maior surgiu no final da partida, quando afirmou não ter visto uma entrada dura de Quaresma, a então estrela portista, sobre um jogador leiriense, junto do seu banco, por estar “a olhar para o chão”. Duas semanas depois, contudo, não teve pejo em atirar-se ao árbitro de um jogo na Luz, após ser derrotado pelo Benfica.
Foi, de resto, da forma mais azul e branca possível que Domingos Paciência iniciou a carreira de técnico: a treinar os escalões de formação do FC Porto, primeiro, e, depois, a então recém-criada equipa B. Em 2006, foi convidado por João Bartolomeu, presidente da SAD da União de Leiria, para se estrear na 1.ª Liga, onde deixou boas indicações. E, a seguir, assumiu o comando da Académica, onde permaneceu dois anos, levando o clube ao 7.º lugar, o que não sucedia há décadas. Pelos resultados e também pelo futebol praticado, Domingos conquistou o coração dos adeptos da Briosa, que chegaram mesmo a lançar uma petição para que ficasse mais um ano. Entre os atletas que com ele já privaram, as opiniões são maioritariamente positivas. O médio Nuno Piloto, por exemplo, evoca um técnico “muito meticuloso”, que “conseguiu criar um notável espírito de grupo”. O futebolista, agora ao serviço dos gregos do Iraklis, destaca, também, a metodologia de treino, “com sessões curtas, mas muito intensas”.
Do esquecimento ao topo
Jorge Jesus é outra história. À excepção de uma fugaz passagem, como futebolista, pelo Sporting (ver caixa), não deixou grandes recordações. Já como treinador, agigantou-se. À prometedora estreia com o Amora, seguiu-se o Felgueiras, que, sob o seu comando, subiu à I Divisão – feito que viria a repetir, mais tarde, com o Setúbal. Após algumas épocas esquecido na II Divisão, regressaria ao escalão principal, em 1998, substituindo Fernando Santos, no Estrela da Amadora. Os dois oitavos lugares que então conseguiu elevaram–no, de vez, a treinador de topo, lançando jogadores como Miguel ou Jorge Andrade. Este último, defesa-central, lembra–se bem de Jesus: “Apanhei-o na minha segunda época de sénior e a primeira coisa que me disse foi que não sabia defender. Pôs-me a jogar no meio-campo e a verdade é que evoluí bastante.” Agora com 31 anos, Jorge Andrade recorda os “métodos de trabalho muito avançados” de Jesus, aliados a uma “extrema exigência” nos treinos. “Um jogador que não tenha mentalidade forte não funciona com ele”, diz. Jorge Andrade acompanha a carreira de Jorge Jesus – mas já com poucos contactos pessoais. “Agora que está no Benfica”, afirma, divertido, “é mais difícil falar com ele; se calhar, ficou mais vaidoso…”
Amigo pessoal do treinador do Benfica, o presidente do Amadora Clube de Futebol (antigo Estrela) refuta o mau feitio que é apontado a Jesus. Para José Luís, 38 anos, o técnico apenas “é muito exigente e competente e, por isso, não admite falhas “. A maioria dos jogadores que Jorge Jesus treinou dão-lhe razão. José Pedro, capitão do Belenenses, é um deles: “Na primeira época, ficámos em 5.º lugar, fomos à Taça UEFA e chegámos à final da Taça de Portugal. Foi a minha melhor temporada. A nível táctico, é dos melhores com quem trabalhei. Fazia uma média de quatro golos por época e, desde então, passei a marcar o dobro. Uma vez, disse–me que tinha pena de não me ter conhecido mais cedo. Eu também tenho…”
O médio, de 31 anos, destaca também a relação de Jorge Jesus com os jogadores: “É muito emotivo nos treinos – havia colegas que estavam sempre com as orelhas a ferver [risos]. Mas, depois de uma derrota, por exemplo, é muito meigo – entende a nossa frustração.” A obsessão pelo trabalho é outra característica apontada a Jesus. “Lembro-me de que, ao domingo, mal acabava o jogo, já tinha um DVD com o adversário da jornada seguinte”, diz José Luís. Mas a verdade é que o actual técnico do Benfica tem angariado anticorpos em colegas de profissão. Augusto Inácio, por exemplo, treinador da Naval, diz que Jesus é “um bom treinador e um mau homem”. José Luís, o amigo, contrapõe: “Nesta altura, até o Benfica começa a ser pequeno para ele.”