Se fosse um jogo de futebol, o confronto presidencial de quinta, 7, na SIC, entre Marisa Matias e André Ventura teria terminado com uma expulsão para cada lado. No papel de senhora do apito, Clara de Sousa esteve quase a recorrer a medidas drásticas para conter a “alta tensão”, mas, entre dedos em riste e empurrões virtuais, lá se conseguiu que o debate, que começou com referências ao ataque dos apaniguados de Trump ao Capitólio e acabou com o… Rato Mickey, terminasse sem recurso às urgências do Serviço Nacional de Saúde. Uma sorte em tempo de pandemia…
Na verdade, o SNS até foi um dos temas, a par da Educação, e mais umas viagens retóricas aos países e figuras de referência, da Venezuela de Maduro ao partido de Marine Le Pen, mas o clima aqueceu quando vieram à baila assuntos como a fuga aos impostos, as investigações da PJ ao antigo gabinete de Ventura em Loures, as minorias, os refugiados, o caso Ricardo Robles e a droga. A este propósito, Marisa lembrou a Ventura que até já experimentou e ele perguntou-lhe se para ela, tráfico era igual a consumo.
Houve acusações mútuas de “cobardia”, de “vigarista” e de “troca-tintas” a propósito de políticas fiscais ou de financiamento partidário. A candidata de esquerda trouxe molhos de dossiês para cima da mesa e enredou-se nos exemplos de alguns casos que poderiam obrigar Ventura a dar explicações, mas os recortes de notícias levados pelo candidato apoiado pelo Chega ficaram melhor em televisão. Hábitos que não se perderam desde os tempos dos programas desportivos onde a canelada também conta. “Teve azar hoje”, repetiu Ventura. “Só fico espantado, Marisa: é que sabia que vinha debater comigo, não vinha debater com o Rato Mickey”. E a frase ficou.

Temas que marcaram o debate:
Daria posse a um Governo com o Chega?
André Ventura
“Os eleitores podem votar no Chega, mas eu não lhe vou dar posse porque é um mauzão?“
Contexto: A frase de Ventura tinha como objetivo colocar-se na pele de Marisa Matias e confrontá-la com o facto de ter dito que, se fosse Presidente da República, não daria posse a um Governo que incluísse o Chega. A candidata do BE reafirmou a posição e tentou, recorrendo ao exemplo dos acontecimentos no Capitólio, que os telespectadores imaginassem o que aconteceria se Ventura um dia tivesse poder, pois, afirmou, a “extrema-direita é igual em todo o mundo”. O líder do Chega chamou a isto “insanidade antidemocrática” e explicou que, em Belém, faria o contrário, por muito que lhe desagradasse. E até daria posse à própria Marisa para primeira-ministra.
Operação Tutti-Frutti
Marisa Matias
“É o único candidato em eleições presidenciais que teve a Polícia Judiciária a fazer buscas no seu próprio gabinete. Num caso que tem a ver com corrupção e financiamento ilícito dos partidos.“
Contexto: A candidata referia-se à operação Tutti-Frutti, em que um alegado assessor do PSD Lisboa é suspeito de ocupar um cargo fictício e simular funções auferindo quase dois mil euros no gabinete que Ventura tinha na Câmara de Loures, enquanto vereador. A PJ fez buscas em dezenas de autarquias no âmbito de um processo em que se investigam suspeitas de tráfico de influências, corrupção, participação económica em negócio e financiamento proibido dos partidos. Uma das câmaras visada foi a de Lisboa. E Ventura não deixou de aproveitar a oportunidade para que o tema fizesse ricochete na adversária por causa do apoio do BE a Fernando Medina.

Fuga ao fisco
Marisa Matias
“André Ventura tem toda a força em relação aos mais fracos, aos mais pobres e aos mais fragilizados, mas não tem uma palavra em relação ao poder económico, a não ser ajudá-lo a fugir para os paraísos fiscais.“
Contexto: A candidata do BE referia-se à atividade profissional de Ventura numa sociedade de advogados que, entre outros, presta serviços de “planeamento fiscal”. A alegada “hipocrisia” de Ventura veio à baila, mas o presidente do Chega tinha uma carta na manga: lembrou a Marisa o caso do ex-vereador do Bloco, Ricardo Robles, que se demitiu na sequência de uma polémica em que foi acusado pelos adversários de hipocrisia por lucrar com a especulação imobiliária quando fazia discursos contra a mesma.
Público e privado
André Ventura
“O que não queremos é esta educação à Bloco, trotskista, tipo Venezuela e Cuba.“
Contexto: A Saúde e a Educação foram os temas nobres para mostrar o quanto das conceções de serviço público e investimento privado os separa. Marisa recorreu ao programa do Chega e afirmou que o partido defende o fim do SNS e a venda das escolas públicas. Ventura aproveitou a deixa para vestir, de forma teatral, a pose de papão da esquerda e do Estado, mas o objetivo, como já tinha dito antes, foi devolver ao BE o papel de “mauzão”, acusando-o de estar “sistematicamente contra as famílias, contra as empresas e contra os negócios” e de promover uma Educação de cunho ideológico.