Nestes debates que ninguém queria, que antecedem as eleições legislativas que ninguém pediu, o encontro entre Rui Tavares e André Ventura é um confronto de mundivisões e estilos completamente diferentes, incompatíveis em praticamente tudo. O que também significa que é um daqueles debates em que não é minimamente expectável que alguém mais inclinado para concordar com um dos candidatos seja convencido a (re)considerar as qualidades do outro. Ou seja: se servir para convencer indecisos, estes não serão eleitores que não sabem se vão votar Livre ou Chega, uma grande improbabilidade estatística.
E sabendo que a última campanha eleitoral para legislativas foi há tão pouco tempo, há pouco mais de um ano, este debate não começou aqui. Tem um antecedente: o confronto, em 2024, que começou com Rui Tavares a acusar membros do Chega de divulgarem fotografias tiradas à socapa à sua filha na escola, para o acusarem de defender o ensino público ao mesmo tempo que opta pelo ensino privado.
E hoje? Tudo foi, apesar de tudo, mais sereno, sem exibição documentos ou fotografias (apesar de Rui Tavares insistir várias vezes que tinha ali um enorme dossier organizado por tipo de delitos de membros do Chega – mas nunca o mostrou, uma espécie de “agarrem-me senão eu abro o dossier!”).
Mais uma vez se comprovou que Ventura é um adversário difícil neste modelo de debates rápidos. As suas especialidades? Escolher aquilo de que quer falar independentemente das perguntas, como fez logo de início: questionado sobre o tema da saúde, começou imediatamente a falar das notícias do dia sobre imigração. E dirigir muitas perguntas e acusações ao adversário, deixando-o na posição desconfortável que Rui Tavares resumiu assim: “Se eu for a identificar e a desmontar cada mentira de André Ventura em todos estes debates, não fazia outra coisa e não teria tempo para passar as minhas próprias ideias e soluções para o país.” Essa técnica do líder do Chega deve mais à espertice matreira do que à inteligência séria, mas em vários momentos é eficaz. Quando Ventura repetiu a pergunta, em modo metralhadora, sobre a posição do Livre em relação à pertença de Portugal à NATO, Tavares não fica bem na fotografia ao não responder de forma muito direta. Noutros casos, o líder do Chega resvala para uma demagogia extrema e falsa que engana facilmente os mais desatentos: por incrível que pareça, uma das palavras mais repetidas por André Ventura neste debate foi “Venezuela”, tentando encostar o adversário a esse modelo. Ora, Rui Tavares já se distanciou várias vezes do regime de Nicolás Maduro e questionou mesmo frontalmente a seriedade das eleições venezuelanas de 2024, mas, fiel à estratégia de não responder às provocações de Ventura para ter tempo de falar das ideias do Livre, nada disse sobre isso. Será eficaz? A verdade é que Ventura coloca facilmente o adversário nessa posição de “preso por ter cão e preso por não ter”: se responde vai atrás da agenda e do espetáculo de performer Ventura, se não responde parece que está a fugir à questão e até mesmo a querer esconder algo…
Mas nessa batalha de atirar referências internacionais à cara do adversário, Tavares marcou pontos citando a corrupção de Orban na Hungria, a condenação de Marine Le Pen e os desvarios de Trump. A esta última provocação, André Ventura respondeu diretamente, confirmando que também ele pretende tornar “Portugal grande outra vez” e embarcando na defesa do regresso ao protecionismo, sugerindo que também Portugal e a Europa deve defender “o seu mercado” como os EUA estão a fazer neste momento.
Um momento atípico neste tipo de debates foi aquele em que Rui Tavares decidiu olhar diretamente para a câmara dirigindo-se a quem votou Chega nas últimas eleições e perguntando para que serviram os 50 deputados do partido de Ventura no Parlamento e no que contribuíram para a qualidade da democracia portuguesa. André Ventura quis aproveitar os 15 minutos do debate com o Livre para atingir também o Partido Socialista de Pedro Nuno Santos, o Bloco de Esquerda e o PCP, como se essa fosse uma aliança praticamente homogénea que quer combater.
Voltando ao que aqui disse no início, é difícil classificar com simplismo de Totobola o embate entre dois registos tão distintos, mas sabendo que ninguém conquistou votos ao adversário e que cada um fez o suficiente para entusiasmar as suas hostes, não será disparatado falar de um empate.
As frases
“Temos que nos preservar contra os vigaristas na política. As vigarices pagam-se caro. Vigaristas como Orban, Le Pen, Trump e Bolsonaro estão a fazer o mundo passar por uma mau bocado”, Rui Tavares
“Quero mesmo fazer Portugal grande outra vez (…). O Trump está a fazer nos Estados Unidos o que nós temos que fazer na Europa”, André Ventura
A picardia
André Ventura – O Livre pode vir falar dos casos que quiser, porque estou certo que o Livre tem um camião de casos muito maior do que o do Chega…
Rui Tavares – Isso é só para rir, só para rir…
Importa-se de repetir?
“Eu sou candidato a primeiro-ministro!”
André Ventura