Há muitos anos, num perfil publicado na VISÃO, o texto do então nosso jornalista Luís Miguel Viana começava com a seguinte frase: “Só tem menos três centímetros do que António Guterres”. Os Presidentes não se medem aos palmos e Luís Marques Mendes entrou forte, com um discurso bem estruturado e onde, acima de tudo, demonstra que sabe o que faz e para que serve um Presidente da República. Marques Mendes é o candidato A.E.E.: “Ambição. Estabilidade. Ética.” O primeiro slogan eleitoral, apresentado, em direto, na antena da SIC, no dia da despedida de 12 anos de comentário político, foi desenvolvido na apresentação da candidatura, em Fafe.
Não empolga? Não. Não entusiasma? Não. Não tem carisma? Não. Mas a serenidade, a humildade e a calma podem ser um trunfo em campanhas progressivamente vocais, polarizadas e destrambelhadas. Começa em baixo nas sondagens, mas nisso está bem acompanhado por Mário Soares. Só que Mendes não é Soares. Veremos como evolui.
O almirante
Com precisão, sem o nomear, Marques Mendes começou por separar as águas relativamente ao putativo candidato Henrique Gouveia e Melo. Puxando pelos galões da sua vasta experiência política, numa vida pública vivida com “integridade e dedicação”, ele quase citava o título de um livro de Mário Soares – “Um Político Assume-se” – enquanto “outros escondem que fazem política”. Depois, explica que o cargo de PR é eminentemente político e que, portanto, tem vantagem em ser exercido por alguém com uma sólida experiência política. Remata, numa frase diretamente dirigida ao eventual adversário militar: “Não é tempo de experimentalismos ou de aventuras”. Acusando o toque, a plateia aplaude-o, neste ponto.
O programa
Cooperação. O Presidente “é um construtor de pontes”. Deve cooperar com o Governo, o Parlamento a oposição. “Muito necessário” num País com um Parlamento fragmentado: “Não podemos estar sempre em eleições”. O Presidente deve ser firme, também, na defesa do Estado Social. E deve ser um referencial de ética na política. Marques Mendes recorda os tempos em que afastou alguns autarcas do PSD, por razões éticas. “Parece banal, mas nunca ninguém o tinha feito nem ninguém voltou a fazê-lo”. É mais uma pista para o que aí vem: deverá recordá-lo, na primeira oportunidade, ao adversário André Ventura. Homens ainda no ativo, como Isaltino Morais (apoiante declarado de Gouveia e Melo) e retirados, como Valentim Loureiro, lembram-se bem desse episódio… A estabilidade e o combate à degradação da democracia também dependem deste combate ético.
As causas
Marques Mendes lembra que o Presidente não governa, mas vai já avisando: enviará mensagens à Assembleia da República, em defesa de causas: o combate à pobreza. A criação de riqueza. Justiça e combate à corrupção (sugerindo reformas que limitem as manobras dilatórias na litigância e dispositvos, no Parlamento, que permitam afastar deputados comprovadamente indignos da função). Apoio à imigração controlada e à natalidade (associando, curiosamente, ambas). Combate à violência doméstica. Segurança (exigindo forças de segurança valorizadas).
No final, o candidato define a Europa como o nosso espaço vital: um Presidente europeísta. E alude ao papel como comandante supremo das Forças Armadas – evitando, aqui, qualquer referência, mesmo indireta, a Gouveia e Melo.
À entrada, abordado pelos repórteres, Marques Mendes avisara: “Dou aqui o pontapé de saída para o debate de ideias”. O discurso não defraudou esse compromisso.
PS – Citou Sá Carneiro e segue na peudada de Mário Soares, na entrega do cartão partidário e na promessa de que será “Presidente de todos os portugueses”. Apresentado pelo presidente socialista da Câmara de Fafe, que o apoiará, meteu um pé na porta do eleitorado do centro esquerda. Uma estratégia em atualização.